Ah, o Shya! Não dá pra negar, o cara é um auteur, tem estilo. “Sexto Sentido” é bárbaro e “Corpo Fechado” é bem razoável. Eu odiei “Sinais”, aquele um em que ETs que não gostam de água fazem círculos no milharal do Mel Gibson. Tanta coisa pra se fazer no milharal do Mel, e eles fazem círculos! Muita gente adorou “Sinais” e me odiou por eu ter odiado ahn, tá ficando repetitivo, eu sei. Claro que respeito a opinião de todos e que opinião é isso mesmo: opinião, não existe certo e errado, mas é gratificante saber que, mais uma vez, eu estava certa e os energúmenos de plantão estavam redondamente enganados. Hoje o próprio Shya diz que “Sinais” é seu pior filme. Ok, ok, ele não diz isso com todas as letras, que o suspense ufológico ainda deve estar rendendo uma grana-preta em vídeo, mas ele confessa que é sua obra menos pessoal. E é. Agora o Shya volta à boa forma e faz seu melhor filme desde aquele do menininho sussurrando que vê pessoas mortas.
O problema é que o trailer de “A Vila” é uma enganação só, e quem acreditar nele pode se desapontar. Ele passa toda a idéia de um terrorzão. Tem até cenas mentirosas que não estão no filme, como a de um garoto de costas pro bosque. Quero dizer, a cena tá lá, mas a resolução da cena não é a mesma, pelo que me lembre. “A Vila” não traz horror. Ao invés dos sustos fáceis, o Shya quis criar um verdadeiro clima de medo que me paralisou durante a sessão. E acabou fazendo uma bela alegoria, parábola, metáfora (chame como quiser pra simular erudição) sobre a América e uma crítica severa ao Bush.
Ahn, a história? Não é nem sobre o medo. É sobre a fabricação do medo. Vamulá, na pontinha dos pés. Passa-se em 1897. Os cidadãos de uma vila não podem vestir vermelho (o que cria uma incrível fotografia sem tons avermelhados) porque essa cor atrai criaturas que vivem no bosque. Eles chamam os mostrengos de “Aqueles de Quem Não Podemos Falar”, que é como eu me refiro aos eleitores do Bush pra não xingá-los. No começo eu também dei pra xingar o Shya porque ele mostra brevemente as criaturas, que emitem barulhinhos idênticos aos dos ETs franceses de “Sinais”, e eu pensei, respeitosamente: “Sua anta! Pra que mostrar? Sugerir é mais eficaz!”. Mas tudo tem explicação. Dessa vez ele acertou.
O Shya é muito audaz. Um dos personagens principais some no meio da trama, como em “Psicose”. E adorei como o diretor aparece no filme, à la Hitch. Sei que ele aparece sempre, mas aqui ele foi mais sutil, ficou melhor. Ele monta um clima de suspense irritante que dura o tempo inteiro. Até numa cena romântica e meio longa entre dois pombinhos, o Joaquin Phoenix e uma tal de Bryce Dallas Howard (que está muito bem, só espero que ela resuma seu nome artístico pra dois nomes pra que a gente possa se lembrar e assim parar de se referir a ela como “a filha do Ron Howard”), a câmera enfoca um grande nevoeiro que mantém a tensão. Um dos jeitos mais legais do Shya criar esse clima é pela falta de “reaction shots”. Não sei o termo em português, sorry. Mas é assim: no cinema comercial, enquanto um ator fala, há cortes para o ator que está ouvindo, pra gente saber a reação dele. O Shya elimina várias dessas cenas. Então um ator fica falando sozinho, e perto dele pode estar o perigo. É assustador. Outras coisas assustadoras que contribuem pro suspense são o William Hurt de barba, a Sigourney Weaver sem maquiagem, e o Adrien Brody como o idiota da aldeia. Não, tô brincando. Todo o elenco tá bem, mas a única que se destaca é a filha do Ron Howard. Porque “A Vila” não é um filme de atores, é de clima. E o clima é lento e cheio de névoa. E ainda por cima fala mal dos americanos! O que mais a gente pode querer? Eu adorei e até quero ver de novo.