O lindo, divino e maravilhoso Ralph Fiennes, em seu melhor papel desde “A Lista de Schindler”, faz um diplomata britânico. Diplomata, e inglês, ainda por cima, acho que não preciso dizer mais nada. O sujeito é apagadão e se preocupa mais com as ervas daninhas do seu jardim do que com qualquer outra coisa. Eis que conhece uma bela moça, a Rachel Weisz (de “A Múmia” e “Constantine”, coitada. Agora sua carreira vai mudar). Não entendi a profissão dela, se ela é jornalista, ativista política, ou auxiliar médica, mas os dois se casam e vão pra África. Daí ela é assassinada brutalmente por peitar uma multinacional farmacêutica, e o Ralph toma jeito e nota que conspirações podem ser mais perigosas que formigas nas suas orquídeas.
Um dos pontos interessantes nessa trama baseada no livro do John Le Carré é que a gente vai descobrindo a vida da Rachel através dos fragmentos de memória do Ralph. Nossas dúvidas são as mesmas que as dele. Ela era fiel? Ou, melhor: isso importa? Ou há um contexto muito maior que esse romancinho individual? “Jardineiro” provoca uma ira imensa contra os laboratórios. Quando aparece um comercial de um deles com o slogan “O mundo é a nossa clínica”, a gente tem que se conter pra não jogar o refri na tela. No final, só um espectador americano ou alienado vai poder discordar de que: 1) é desumano esse conceito de patentes, que faz com que indústrias farmacêuticas enriqueçam vendendo remédios caríssimos pros miseráveis; e 2) os países ricos não apenas devem perdoar a dívida externa dos pobres, como pagar indenização, principalmente pra África. A mensagem do filme é muito forte, e não é tão direcionada pra gente aqui do Terceiro Mundo como pros ricos: vocês só podem aproveitar os benefícios da civilização porque esses benefícios são antes testados em cobaias humanas, cobaias inclusive de outra cor e, portanto, de outra categoria. Essas cobaias, por sua vez, não terão o menor acesso a esses benefícios da civilização. Só a seus efeitos colaterais.
Se esta mensagem não soar panfletária demais e não doer tanto no estômago de Hollywood e seus profissionais liberais, “Jardineiro” deve concorrer a alguns Oscars. E, se houver indicações, o ator coadjuvante a ser lembrado é o Danny Huston (filho do John, irmão da Angelica), que faz o melhor amigo do Ralph. Minha queixa é que praticamente o único personagem negro com falas (interpretado por Hubert Koundé) é meio que deixado pra escanteio. Ele é ofuscado até pelo Bill Nighy, que aparece menos como um chefão diplomata e corrupto e rouba a cena (ele é o roqueiro de “Simplesmente Amor”). Mas gosto quando alguém fala pra Rachel que ela deve procurar um hospital de verdade, longe da África, e o médico negro responde, “Você quer dizer um hospital com médicos brancos?”.
Apesar de uma cena de perseguição de carro que não acrescenta nada e parece só seguir exigências do mercado, e apesar do início um tantinho devagar, “Jardineiro” deixa uma ótima impressão. Tomara que o americano médio siga o conselho de seus críticos, que estão babando pelo filme, e vá vê-lo. Pode sair do cinema tendo aprendido uma ou outra coisinha sobre a situação mundial.