Suponho que o Rocky seja o oposto do Stalla, que deve ter o ego do tamanho de uma cratera do metrô paulista. O Rocky é simples, burro, pensa que Jamaica fica na Europa, mas é modesto. Muito diferente do Stalla, que acha que tem talento até pra comédias (está aberto à discussão quem se sai pior neste quesito, ele ou o Schwarzza). E sei que não dá pra desvencilhar o Stalla do que veio depois do Rocky, dos Rambos, Cobras e afins, grandes símbolos fascistóides dos anos 80 (na realidade, “Rocky IV” já se põe a serviço de sua majestade, já que seu maior rival é um soviético, ainda na guerra fria).
Claro que toda a série Rocky é conservadora, mas não é de extrema direita como o Rambo que volta ao Vietnã pra matar mais uns malditos vietcongues e finalmente ganhar a guerra pra América. Há diferenças. Porém, mesmo o aparentemente inofensivo Rocky dos anos 70 tem uma agenda política. O personagem apareceu no meio de uma recessão violenta, em que trabalhadores braçais brancos se ressentiam dos trabalhadores braçais negros que lhe tiravam os empregos. Eis que surge um herói humilde, religioso e monogâmico que, com muito esforço, passa a espancar negros, uns armários maiores que ele. É o início do conservadorismo que tomou os EUA após os rebeldes anos 60 e pavimentou a estrada pro Reagan. Não acredita? Ok, sabe quais foram os campeões de bilheteria em 76? “Todos os Homens do Presidente” e “Um Estranho no Ninho”, dois ótimos produtos liberais contra o sistema. Já em 77, quem estourou a boca do balão foi “Rocky” e o ultra-imperialista “Guerra nas Estrelas”. Alguma coisa tinha mudado. O cinemão vem apostando quase todas as suas fichas no público conservador desde então. Ou será que 35 anos atrás fariam uma propaganda tão descarada da iniciativa privada como “À Procura da Felicidade”?
Mas voltando ao peso velhinho, confesso que “Rocky Balboa” melhora muito depois que o garanhão italiano decide voltar a lutar. A seqüência de treinamento me deixou com um sorriso nos lábios já aos primeiros acordes da trilha sonora icônica (tan taran ran tan tan tan tan tan tan). Só fiquei com pena do cachorrinho que o Rocky salva da carrocinha. O au-au precisa correr não sei quantos quilômetros por dia embaixo de neve. Tá, era isso ou a morte certa, mas alguém deu essa opção ao pobre cão? Gostei também dos créditos finais, mostrando várias pessoas comemorando a chegada à escadaria do Museu de Arte da Filadélfia, onde se passa uma cena famosa. Americano é mesmo um bicho muito estranho.
Agora, cá pra nós, o que são aquelas estrias na parte superior dos braços do Stalla? E eu podia viver sem ouvir obviedades como “as coisas não acabam antes do final” e “lutadores lutam”. De qualquer modo, é difícil não gostar um tiquinho do filme, embora ele seja totalmente inverossímil. Eu, mais do que ninguém, adoraria acreditar que um veterano sessentão possa lutar de igual pra igual contra um campeão com metade da sua idade, mas, sinceramente, acho que isso não é possível nem num esporte como xadrez. Bom, prova viva de que a vida não acaba aos 60 é o Stalla dirigindo e escrevendo a todo vapor. Ano que vem chega “Rambo IV”. Verdade! Putz, por que o peso velhinho não segue o exemplo do Schwarzza e se elege governador de, sei lá, Nevada? Pode não ser uma maravilha pros EUA, mas seria um alívio pro cinema.
P.S.: É, sei que é sempre um choque lembrar que o Stalla sabe escrever. Ele ganhou o Oscar de roteiro pelo “Rocky” original. Quanto aos seus dotes de diretor, consta no seu currículo o comando da seqüência de “Os Embalos de Sábado à Noite”, em que ele transforma um esguio e gracioso John Travolta num brutamonte cheio de músculos. Imagina no que pode dar o Stalla dirigindo um musical, com coreografias a(ssa)ssinadas por seu irmão!