CRÍTICA: SHREK / Prefiro beijar o sapo
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CRÍTICA: SHREK / Prefiro beijar o sapo


Preciso justificar. Fui ver "Shrek" porque o filme havia integrado a seleção principal do último festival de Cannes, porque já se fala em Oscar numa categoria nova que a Academia está para criar, destinada só a desenhos animados, porque inventaram que é um conto de fadas que parodia os outros e, lógico, jabá dos jabás, porque "é uma produção pra crianças que os pais vão adorar" (me avise se alguma vez um infantil foi lançado sem que os críticos bem pagos aplicassem esta frase). Um pessoalzinho tentou me lembrar que eu tinha caído na mesma ladainha quando assisti a "Fuga das Galinhas", mas eu sou teimosa e esperançosa que a próxima sessão de cinema será sempre superior à última.
Então lá fui eu, na melhor das intenções, com enorme boa vontade, e com ótimo humor. Antes das luzes se apagarem, inclusive, eu e o maridão treinamos nosso francês, de onde saíram expressões tão ridículas que gargalhamos alto, a ponto d’as crianças presentes nos olharem feio, como a exigir-nos silêncio. "Shrek" teve início e o riso cessou. Não haveria mais motivos para tanto nos 80 minutos restantes.
Se você viu o trailer, sabe que o desenho é sobre um ogre solitário que tem seu pântano subitamente invadido por criaturas das histórias da carochinha. Como ele não quer companhia, vai reclamar com um príncipe baixinho, que o faz resgatar uma moça enclausurada num castelo. Naturalmente, o ogre se apaixonará pela garota e vice-versa. Há ainda um burro que não pára de falar, esforçando-se pra ser engraçado. Em vão.
Logo de cara,
os diretores fizeram questão de colocar nojeiras como peidos, meleca, cera no ouvido e arrotos, entre outras escatologias, pra cativar o público infantil. Criança se identifica com esses trecos, certo? Mas "Crack" não exagera na dose, a fim de não chocar os pais. E dá-lhe um desfile sem fim de piadas 100% previsíveis, pra não dizer estúpidas. Criatividade? Só pra quem acha que tirar cera da orelha e usá-la como vela seja algo novo. Ou de repente ninguém jamais soube de anedotas em que a delicada princesa encantada luta kung-fu. Acho que, na cena em que a moça derrota seus inimigos a tapas, os adultos riram não porque consideraram a sequência original, mas para que os outros notassem que eles reconheceram as referências a "Matrix" e "O Tigre e o Dragão". Não escutei nenhum som vindo dos filhos.
Ainda por cim
a, tive de assistir a uma cópia dublada. No original, as vozes são de Mike Myers, Eddie Murphy e Cameron Diaz. Tudo vez, talvez não tenha perdido grande coisa. Porém, no português, o ogre ficou a cargo do Bussunda. Como ator, ele é um péssimo dublador, se bem que admiro seu auto-controle: sua entonação não varia nunca. E o sotaque carioca, então? Não pensei que sentiria saudades do Mike Myers.
Tal qual as fábulas que "Crack" finge parodiar, mas no fundo homenageia, este desenho também tem sua moral. O recado é que, mesmo que você seja um ogre medonho, você pode vencer na vida, triunfar no amor eterno etc. etc. Aí a gente sai da sessão pensando, "uau, se até o monstrengo conseguiu, imagina eu, que nem sou tão horrendo assim". É claro que o bicho verde não é terrível. Estão lá todas aquelas gracinhas da animação, como olhos arredondados e traços harmoniosos. Outras lições de moral incluem: o amor é lindo, a verdadeira beleza é a interior, toda panela tem sua tampa, o casamento é uma instituição sagrada, o bem sempre vence. Absolutamente nada contra essas mensagens – elas são edificantes e nos são passadas diariamente. O que me irrita é que "Crack" seja vendido como inovador e sarcástico.
É possível que eu passe mal da próxima vez que escutar a palavra "releitura". Concluí que, se fosse uma infante, após ver "Shrek", não iria esperar muito do cinema no futuro. Mas, por enquanto, pode ser que o público infantil se divirta com "Crack". Talvez eu seja apenas uma cri-crítica senil e as crianças gostem do filme. Elas também gostam de pum, né? Eu só lamento não ter ficado em casa lendo "A Psicanálise dos Contos de Fada", de Bettelheim. Ganharia mais.




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