CRÍTICA: VALENTE / Desejo de Matar replay
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CRÍTICA: VALENTE / Desejo de Matar replay


É muito estranho que “Valente” (“The Brave One”), marcado pra chegar ao Brasil dia 2 de novembro, tenha tido a estréia cancelada e agora vá direto pra DVD. Não que o filme seja uma maravilha, mas é com a Jodie Foster, que até pode ser indicada ao Oscar por sua atuação, e reflete uma tendência atual americana de louvar quem faz justiça com as próprias mãos. Não deve ser à toa que três produções lançadas praticamente ao mesmo tempo (setembro nos EUA) lidem com o mesmo tema: “Illegal Tender”, “Sentença de Morte”, com o Kevin Bacon, e “Valente”. Este último sem dúvida é o mais intelectual, e foi bem de bilheteria.

Flashback pros anos 70: quem não se lembra do Charles Bronson em “Desejo de Matar”, típico do conservadorismo que alcançaria seu auge na era Reagan? O Charles Bronson nunca se aposentava na proteção do seu bairro, no máximo tirava férias. Na mesma década tivemos vários filminhos B (chamados de exploitation movies, celebrados agora em “Grindhouse”) como “Ms. 45” e “Eu Cuspo na sua Cova”, em que uma moça violentada se vingava dos seus algozes, um por um (bem diferente de “Kill Bill”, que é um gênero distinto. Este tem vigança de superheróis dos quadrinhos). Bom, ou “Valente” pertence à outra época, ou o fascismo tá voltando com tudo.

Na trama, a Jodie faz uma radialista em Nova York. Enquanto passeia com seu noivo e seu cachorro à noite, no Central Park, um bando de delinquentes os espancam e roubam o cão. O noivo morre, e a Jodie, abaladíssima, ferida, cheia de medo, compra um revólver. Daí parece que todos os crimes começam a acontecer perto dela, e ela aproveita que a arma já tá carregada mesmo pra liquidar uns marginais, atraindo as suspeitas de um detetive bonzinho interpretado pelo Terrence Howard (de “Crash”). Tirando o fato de que ser namorado da Jodie no início de um filme significa ter um pé na cova, o que mais chama a atenção é que a Nova York de “Valente” não corresponde à fama atual de metrópole mais segura do mundo. Pelo contrário, pra mim remete à NY-terra-arrasada dos metrôs pichados da década de 70, à la “Warriors, Os Selvagens da Noite”. Seria uma tentativa de minar a candidatura do ex-prefeito Rudolph Giuliani a candidato republicano à presidência? Acho que não, porque o tom é conservador até a medula.

Na sessão em que compareci, o público aplaudiu e vibrou em vários momentos, principalmente no final, numa espécie de catarse coletiva. Um filme como “Valente” nos manipula totalmente, porque primeiro mostra gente ruim maltratando gente boa, depois mostra a ineficiência da polícia, e em seguida mostra a vítima se defendendo e aplicando a pena de morte. Ninguém que pergunta pruma mulher se ela já foi estuprada por uma faca merece viver. E a Jodie só mata homens maus que sempre a atacam antes. É como se fosse legítima defesa. Claro que estar no lugar errado na hora errada pode ajudar a atrair tais elementos. Numa hora torci pra que a Jodie fosse pedir pros meus vizinhos de Joinville abaixar o som da música. Eles iriam gritar com ela, ameaçá-la de morte, e aí pronto: caixão pra eles. E a platéia lá, batendo palmas. A gente torce pra que a Jodie mate todos os vagabundos e, de quebra, recupere seu cãozinho de estimação, porque crueldade contra os animais, jamais.

Ou seja, “Valente” não representa muito mais que um replay de “Desejo de Matar”. A novidade, mais ou menos, é que a justiceira é uma mulher (um dos policiais cita que mulheres não dão boas justiceiras por só matarem o que amam, maridos, filhos...). E não uma mulher qualquer, mas a atriz mais inteligente dos EUA, super prestigiada, vencedora de dois Oscars, talvez uma das poucas capazes de algum dia alcançar a marca da Katherine Hepburn das quatro estatuetas. Se a protagonista fosse uma moça sarada como a Jennifer Garner, seria tudo diferente (só a menciono porque ela tá na propaganda militarista “O Reino”). A Jodie magrinha e esperta permite que seu personagem trave discussões morais com o lindão Terrence Howard. Meu parecer tá na cara: qualquer filme com a Jodie merece ser visto. E deve passar no cinema. Mas não. A estréia da semana no Brasil é o medíocre “1408”, uma historinha de terror baseada num conto do Stephen King. O suspense segura as pontas até a metade, e depois desanda completamente, atrapalhado por uns cinco finais distintos. Vai entender.


P.S.: Sem falar que “Valente” leva a assinatura do conceituado diretor irlandês Neil Jordan, aquele de “Entrevista com o Vampiro”, que antes de ir pra Hollywood fez coisas mais alternativas como “Na Companhia dos Lobos”, “Mona Lisa”, e, acima de tudo, “Traídos pelo Desejo” (92). Preciso rever esse filme. Na época, eu tava tão espantada com a propaganda em volta dele (do tipo “não conte pra ninguém que a cantora sedutora é um homem”, o que se nota desde a primeira cena graças ao gogó), que nem percebi as qualidades da trama.

P.S.2: A subtrama toda do cachorro me fez pensar na afirmação de um presidente americano sobre cães brasileiros. Parece que o Teddy Roosevelt esteve na Amazônia no começo do século passado e reclamou da inutilidade dos cachorros, de como aqui eles não serviam pra nada. Em “Valente” eles seguem os mesmos passos.

P.S.3: E quem é o/a valente do título? É a Jodie Foster, ou o Terrence Howard, que à certa altura se declara corajoso o suficiente pra fazer justiça até contra as pessoas queridas? Ou nenhum dos dois, e o título é que é irônico? Só essa já é uma discussão interessante.





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