Gostei bastante da mais recente animação da Pixar, Wall-E. Achei o troço fofinho e meigo em várias partes, até porque ele discute, através de um robô, o que nos faz humanos – música, dança, e musicais antigos que ninguém vê mais, como Hello Dolly (é certamente a maior homenagem dos últimos tempos a musicais). E tem uma mensagem plenamente ecologista sobre a importância do verde. Espero que influencie toda uma nova geração. Mas vem cá, quem falou pra Pixar que baratas são bichinhos de estimação queridos? Tá certo que não é uma barata real, é uma animação estilizada, mas faz barulhinho de barata, tem a maior pinta de barata, é indestrutível como uma barata! Perdão, sou mulher, e toda vez que a melhor e única amiga do robô aparecia na tela, eu queria jogar uma sandália. E quando a barata entra dentro do robô e ele sente cócegas? Vão se catar! Vou ter pesadelos com isso. Pixar, é o seguinte: existem tabus que não deveriam ser desafiados. Mulheres e baratas não podem ser amigas, ok? Já é bem chato quando vocês colocam um rato cozinheiro como protagonista. Ratinho azul que anda em duas patas, vá lá, a gente deixa passar. Mas barata não. Tudo tem limites. E barata voadora, ainda por cima! Ninguém tinha me avisado que era um filme de terror.
Vou tentar falar das partes não baratísticas. É que é difícil, porque na primeira e melhor parte do filme, todo lugar que o Wall-E vai, a barata vai atrás. Mas fazendo um esforço supremo pra esquecer a asquerosa: o robôzinho que é o personagem-título é uma gracinha, apesar de ser idêntico não só ao de Short Circuit como também ao ET (a mesma voz, o mesmo pescoço que cresce). Ele não é lá muito trabalhador, o que acho ótimo. Num breve momento mais pro fim em que ele se centra no trabalho, fica irreconhecível. Ele prefere colecionar coisas. É estranho que um robôzinho no ano 2700 não encontre o dvd de, sei lá, Homem de Ferro, e sim o vídeo de Hello Dolly! Não um i-Pod, mas um cubo mágico da década de 80. Ele ganha meu coração quando descobre uma caixinha com um anel de diamantes dentro. Joga fora o anel, fica com a caixinha, numa mensagem claramente anti-consumista. Eu sempre achei isso também, que a caixinha é mais bonita e útil. E quem não gosta de fazer ploc em bolhas de plástico (espero que que as crianças de hoje ainda explodam bolhinhas de embalagens)?
Há muitos outros pontos interessantes. Por exemplo, a gente vê nos comerciais que passam na Terra abandonada que, daqui a 700 anos, o mundo ainda não terá relacionamentos interraciais. É incrível também que, mesmo com todos os sobreviventes sendo obesos, a propaganda continue mostrando pessoas magras. Até aí, me parece uma crítica relevante da Pixar ao sistema. Mas, por mais que a animação indique que a Terra foi estragada (e dá pra ver que o planeta não é mais azul), toda vez que eles mostram o mundo, só mostram o continente norte-americano. Tem uma nuvenzinha cobrindo o resto. Só eles importam. E os humanos que sobrevivem? Todos americanos. Todos só falam inglês (sem sotaque), e são tipicamente americanos, tanto brancos quanto negros. Não há orientais ou hispânicos, muito menos franceses e brasileiros. É chato que até críticos brasileiros se refiram aos americanos sobreviventes como “humanos”, sem notar que só os americanos sobrevivem. Parece que esses americanos, não mais satisfeitos em usarem o nome de todo um continente (América) como se fosse o país deles (EUA), agora chamam de Terra o que é América. Pensa só como é triste o nosso destino: os americanos, 5% da população mundial atual, consomem o referente a 30%. Eles destroem o nosso planeta... e só eles sobrevivem?!
Uma outra mensagem de Wall-E é exclamada pelo capitão da nave: “Não quero sobreviver, quero viver!”. É um bom recado - dependendo de onde vem. Se vem de americanos, é perigoso, e pode querer dizer: “Não ligo se estou consumindo demais e acabando com a Terra. Viver é jogar comida fora, dirigir pick-ups, e comprar de montão. Se isso acabar com o planeta, paciência. Viver é mais importante que sobreviver”. Se vem de países pobres, pode ser revolucionário, como: “Não quero fazer tudo que me mandam e ganhar uma miséria pra sobreviver. Quero viver, trabalhar menos, aproveitar a vida”. Espero que a gente capte mais esta mensagem do que eles, portanto.
O ponto realmente negativo do filme é que ele faz coro à gordofobia, reforçando preconceitos contra gordos. Mostra pessoas obesas que não se mexem mais, não conseguem nem andar de tão gordas, e que não fazem nada além de comprar, comer (comida líquida!), falar por celular e olhar pra uma tela. Como é uma trama infantil, Wall-E não entra em detalhes sobre como se dá a reprodução dos novos americanos cidadãos, mas não deve ser atráves de sexo. Ou seja, os gordos são pintados como preguiçosos e inúteis. Convenhamos que, num mundo que odeia gordos, onde crianças gordas são maltratadas na escola, e onde esse preconceito já está mais do que difundido, esta não é uma mensagem necessária. Entendo perfeitamente a defesa do “largue a TV e o celular e vem ver a vida lá fora”, mas é uma pena que venha junto a toda uma linha de pensamento discriminatória. Ah sim, também não entendo por que o capitão insiste em voltar prum planeta devastado como a Terra. E que ainda por cima tem barata.
Logo, nem tudo é poesia no filme. Vejo montes de críticos mencionando como a primeira parte é poética. Alguém me diga qual a poesia numa barata voadora passeando pelo seu corpo. E fico meio assim quando vejo tanta gente chamando Wall-E de obra-prima. Deixa eu explicar uma coisa: nenhum filme com barata pode ser uma obra-prima.As fotos de divulgação do filme escondem as baratas......e os americanos (essas são as únicas fotos que encontrei das respectivas espécies).