CURSINHOS FECHAM VAGAS PARA HUMORISTAS CONSERVADORES
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CURSINHOS FECHAM VAGAS PARA HUMORISTAS CONSERVADORES


Adorei a matéria que saiu ontem na Folha de SP, com o título "Reação de alunos faz professores pararem com piadas homofóbicas de cursinho". 
A matéria de Thais Bilenky afirma: "Alunos e especialmente alunas têm reclamado do que consideram machismo, homofobia e racismo aos pais, que cobram explicações". 
Nas palestras que costumo dar sobre preconceitos nas universidades, sempre tem estudante que pergunta o que se pode fazer quando um professor discrimina alguém ou manifesta machismo, racismo e homofobia (seja em tom de piada ou não) em sala de aula. Eu respondo que, em primeiro lugar, deve-se tentar falar com o professor. Como Polyanna Deslumbrette que sou, acredito que muitos professores não sabem que estão sendo preconceituosos e ofendendo alunxs. Se a conversa não resolver, aí sim deve-se levar o caso à coordenação, fazer abaixo-assinado, o escarcéu. 
A matéria conta que, numa turma de cursinho, os rapazes sortearam quem beijaria uma menina no seu aniversário. O professor deu a maior força, perguntou "Quem vai ser o felizardo?", até que outra aluna protestou: "Mulher não é objeto para ser sorteada". Diante disso, o professor se desculpou e repudiou a brincadeira. 
Hoje, em praticamente todas as universidades públicas, e em muitas das particulares também, há coletivos feministas. E eles não deixam barato: onde houver preconceito, essas ativistas vão lutar contra. A proliferação de coletivos é um fenômeno bastante recente. Não que não existissem uns tempos atrás, mas nos últimos cinco, dez anos, eles têm crescido muito, assim como o interesse por estudos de gênero. O machista de hoje nas universidades (professor ou aluno) ainda segue com seus trotes absurdos, com seu assédio sexual, com suas piadas. Mas ele tem cada vez mais que se explicar. Não recebe mais tapinhas congratulatórios nas costas, e sim críticas.
Mais bacana ainda é que esse clima de "Você deve se responsabilizar pelo que diz e faz" -- o "politicamente correto" pro qual tanta gente ainda torce o nariz -- já invadiu escolas de ensino médio e até cursinhos, geralmente vistos como lugares com pouco engajamento, centros de alienação (afinal, os estudantes ficam lá por pouco tempo; é um lugar de passagem). 
Um professor do cursinho Intergraus reclamou à reportagem que teve que cortar seu vasto repertório de piadas: "Virei chato. Não faço mais brincadeiras. Minhas aulas estão terminando mais cedo. Passo exercícios a mais".
Ô colega, chato é o seu preconceito. Você provavelmente já era chato pra um monte de gente antes ("Aquele é o tio que faz piadinha racista sem graça"), mas ninguém tinha coragem de avisar. 
A Valéria, professora de História, relatou ao me enviar o link pra matéria da Folha:
"Que dó desses professores que não podem mais debochar de mulheres, negros, gays etc para manter suas aulas interessantes. Agora, lembro bem que no meu terceiro ano (1992), o professor de História do Brasil fez umas piadas grosseiras usando Xica da Silva, e a única aluna negra da turma, que não vinha da mesma escola que nós (era novata), trouxe os responsáveis no outro dia e formalizou uma queixa. Não tivemos aula. Vestibulandos, ficamos zangados com ela, o professor deu uma de vítima e tal. Eu não verbalizei critica à menina, mas fui igualmente conivente. Tenho vergonha e lembro com admiração daquela colega adolescente que não aceitou que piadas machistas e racistas pudessem passar impunes."
De minha parte, eu só fiz cursinho (Anglo, na R. Sergipe, em SP) durante três meses, e faz tanto tempo (1986) que não me lembro de muita coisa. Só que eu gostava. Principalmente de um professor de História, evidentemente de esquerda, que era bem engraçado sem oprimir ninguém. Ele zoava dos poderosos, não dos alvos (fáceis) de sempre. Pessoas inteligentes sabem o valor da palavra e do humor, e o usam para criticar o sistema, não para perpetuá-lo. Zombam do racista, não do negro. 
A matéria entrevistou Clara, de 18 anos, atualmente aluna de arquitetura na USP, que disse: "O humor que oprime alguém não merece a risada de quem assiste à aula". Ela completou: "Não digo que não se deve fazer piadas, mas que elas sejam inteligentes o suficiente para tirar sarro do opressor, e não do oprimido".
Tá vendo? Em vez da mídia inventar factoides como "mulheres se rebelam contra o feminismo" (como se algumas meninas segurando plaquinha de "Não preciso do feminismo porque adoro ser cantada na rua" tivessem inventado o anti-feminismo), seria mais instigante analisar o que de fato tem mudado. 
Como disse um professor do Anglo entrevistado pela matéria: "O incrível é que, dez anos atrás, você podia contar piada de preto, de português. Ao mesmo tempo, era inimaginável ter dois meninos se beijando no cursinho como temos agora".
O coordenador-geral do Anglo pelo jeito concordou: "As piadas têm que ser adaptadas a seu tempo". Sinal de que, por mais que os conservadores chiem, a sociedade está mudando a passos rápidos. E não vai parar. 
Mas, claro, adivinha quem tomou as dores das "vítimas do politicamente correto"?

Pobre Danilinho. Se algum dia a boquinha na TV acabar, se seus shows de stand-up pararem de atrair pessoas acostumadas a piadas preconceituosas, ele não vai mais poder dar aulas de Introdução ao Humor Reacionário em cursinhos e universidades. 




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