DE QUEM É O ABUSO DE AUTORIDADE?
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DE QUEM É O ABUSO DE AUTORIDADE?


Uma leitora me enviou um email recomendando duas notícias do Zero Hora sobre um caso que aconteceu numa praça de Santa Maria, RS, no dia 6 de dezembro. Pelo relato do jornal, um homem de 41 passou por duas policiais militares numa praça, e fez algum tipo de piadinha, chamando uma delas de “gostosa”. A PM não gostou, o abordou, e o sujeito, ao invés de pedir desculpas (pelo jeito ser homem é nunca ter que pedir perdão), pôs a mão dentro da bermuda e fez gestos obscenos. Em seguida, ao notar que seria preso, fugiu. Foi alcançado, levado à delegacia, e lá constatou-se que estava em liberdade provisória há dois anos. Esta última parte não é importante, já que a vida das mulheres seria uma maravilha se apenas detentos fizessem gracinhas com a gente.
Além de narrar o que houve, o jornal reproduziu a entrevista curtinha que a policial militar (não identificada) deu a um jornal local de Santa Maria (que, imagino, deve ser filiado a RBS, senão eles não dariam destaque), em que ela afirma: “Eu e minha colega pensamos: vamos detê-lo para que isso não se repita. Se conosco, que estávamos de farda, ele fez isso, imagina com quem não está de farda. A ideia é coibir isso”. Os poucos comentários no site, todos de homens, estavam indignados ou perplexos, desde “Abuso de autoridade! Não foram ofendidas, foram elogiadas, ainda que de forma obscena. Se não gostou, ignora” e “Não se pode mais elogiar agora? Que palhaçada!”, ao ingênuo “Qual crime ele cometeu?”.
O jornal publicou uma outra notícia (meio superficial, mas melhor do que nada) chamada “Saiba como reagir às 'gracinhas' ditas por homens nas ruas e punir os suspeitos”. Uma delegada recomenda que a mulher ofendida dê voz de prisão a quem a insultou. Na prática, obviamente, isso é quase impossível. Alguém precisaria segurar o agressor até a polícia chegar. E duvido que uma moça desperte muita solidariedade por ter de escutar o que escutamos desde pequenas, e que é visto como absolutamente natural no nosso mundo (aprendemos até que a gente adora isso!). Mas, se um homem passar a mão, é diferente. Nesse caso sim creio que devemos tentar prendê-lo, porque outras pessoas podem empatizar e querer ajudar. Claro que dificilmente vai funcionar. Lembra do caso de uma moça numa van em Brasília, que deu socos e tapas num rapaz que tentou beijá-la, e o levou à delegacia? Depois ela o processou, que é o que se deve fazer. Mas o juiz, metido a engraçadinho, não só deu razão ao agressor como ainda emitiu uma sentença irônica criticando a “donzela” (palavras dele) que ousou incomodar o judiciário com uma besteira.
Pois é, esse terrorismo institucional que faz parte da criação de toda mulher, e que começa quando somos meninas de 8, 10 anos, pros homens é besteira. Eles também são educados, geralmente pelo pai, a dispararem grosserias a qualquer gatinha que passa. Faz parte da sua masculinidade. Opa, você achou exagerado eu chamar grosserias na rua de terrorismo? Então você só pode ser homem. Pergunte pra sua mãe, pra sua irmã, pra sua filha, que idade ela tinha quando ouviu a primeira cantada, e como se sentiu. Sei que a sociedade ou faz pouco caso desse nosso martírio do dia a dia, ou inventa que nós mulheres adoramos ouvir elogios como “Quero ser seu absorvente interno”, porque faz bem pra nossa autoestima. Todas as pesquisas mostram o contrário: que mulher não gosta de ouvir cantada na rua (as que gostam, e devem existir, são uma minoria). E, pior pro gênero masculino: um estudo americano provou que não só as mulheres não gostam, como ainda ficam com raiva dos homens em geral quando isso acontece, não apenas daquele paspalho em particular. Ou seja, diga uma besteira a uma desconhecida, e você estará queimando o filme de toda a espécie dos barbudos.
Acho que temos que reagir ao ser alvo de uma grosseria, mas com cuidado. Assim como não deve existir mulher que não passou por isso, não deve haver quem não conheça algum caso de uma mulher que reagiu (verbalmente!), e foi agredida fisicamente por ousar reclamar.
O princípio da cantada na rua não é o elogio. Não é a proposta, o convite. Pelo contrário, é o insulto. É a dominação. É lembrar quem manda aqui. Só quem está numa posição de poder pode avaliar. Quem é subordinado é avaliado. O “abuso de autoridade”, portanto, não foi da policial de Santa Maria, mas de todos os homens que se acham no sagrado direito de avaliar o corpo de uma mulher. Só porque ele é homem, ela é mulher, e uma sociedade patriarcal totalmente ultrapassada decidiu que ele pode.




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