Demanda agregada
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Demanda agregada



Rodrigo Constantino*

“As estatísticas são como o biquíni: o que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial.” (Roberto Campos)

Não sei quanto ao leitor, mas eu demandaria um iate, um helicóptero e um jatinho se eu tivesse bilhões de dólares sobrando. Minha demanda tende ao infinito. Se não desfruto de tais bens materiais, isso se deve à falta de recursos, não de demanda. Esta conclusão pode parecer extremamente óbvia, e deveria. Infelizmente, a obviedade é algo em escassez quando se trata da economia keynesiana.
O foco obsessivo dos keynesianos em dados agregados acabou deturpando sua visão de mundo. Em vez de compreenderem que tais agregados servem, no máximo, como modelos simplificadores imperfeitos, esses economistas acabaram aceitando que a abstração era a realidade, gerando muita confusão teórica. O exemplo mais claro desta inversão é o tratamento dado ao PIB. A fórmula conhecida, Y = C + I + G + (X – M), produziu na cabeça dos mais desatentos uma crença absurda, qual seja, a de que o aumento dos gastos públicos é algo positivo para o crescimento econômico.
Como o governo não pode dar nada sem tirar do setor privado, pois suas fontes de recursos são os impostos, a inflação (que não passa de um imposto disfarçado) e o endividamento (que terá de ser pago eventualmente), claro que o aumento dos gastos públicos terá como contrapartida, inevitavelmente, a redução ou dos investimentos privados ou do consumo privado. Mas o foco demasiado no curto prazo, fruto de uma visão míope, faz com que os keynesianos negligenciem esses impactos negativos ao longo do tempo. Se o governo quer estimular o crescimento econômico e, portanto, a criação de empregos, basta ele expandir seus gastos.
Em Os pecados do capital, Robert Murphy dá um exemplo politicamente incorreto de falha no cálculo do PIB. Ele cita o caso de um homem que se casa com sua governanta, e explica: “Antes do casamento, os serviços dela (lavar, aspirar e cozinhar) eram comprados no mercado aberto e, portanto, contribuíam para o PIB oficial. Mas, depois do casamento, a nova dona-de-casa realiza essas mesmas tarefas ‘de graça’, fazendo o PIB oficial diminuir em função de seu salário anual anterior”. Da mesma forma, as operações no mercado negro, enormes em um país burocrático como o Brasil, não são computadas nos números oficiais do PIB. Ao excluir os gastos “intermediários” do cálculo, para evitar dupla contagem, o PIB “minimiza a importância dos capitalistas e exagera o papel dos consumidores finais e os gastos do governo”.
O economista Mark Skousen aponta outro exemplo dessas falhas:

Especialmente durante as festas natalinas, a mídia informa quase diariamente sobre as perspectivas das vendas a varejo, sugerindo que, se as vendas do Natal subirem, a economia está saudável e sólida. Por trás desses relatórios está a noção de que, se as festas natalinas durassem o ano inteiro, a economia poderia se expandir ainda mais

Entre vários problemas no cálculo do PIB, talvez o mais importante seja esse foco excessivo nos gastos, tanto dos consumidores como do governo. Isso passa a ideia de que são os gastos que geram a produção e, portanto, o crescimento econômico.
Keynes argumentava que, em períodos de insuficiente demanda agregada, caberia ao governo compensar esta queda com o aumento dos gastos. É a famosa política anticíclica. Foi a justificativa teórica perfeita para políticos ansiosos para torrar o dinheiro da “viúva” e conquistar votos pelas vias populistas. Claro que, na época da bonança e do forte crescimento econômico, o termo “anticíclico” era ignorado. A política acabava unidirecional, como se feita por economistas manetas. Mas o próprio conceito de demanda agregada insuficiente é falacioso. Parece que o rabo é que balança o cachorro, e não o contrário.
A lógica, de forma simplificada, funciona assim: a crise econômica ocorre como reação a uma queda da demanda agregada, sabe-se lá por qual motivo. Os empreendedores perderam seu “espírito animal” de repente. E cabe ao governo estimular a economia com aumento de gastos. Isso fará a demanda agregada subir, empregos serão criados e o consumo poderá retomar sua trajetória. Com mais consumo, as empresas produzem mais, empregando mais gente. Os salários podem aumentar, gerando um ciclo virtuoso. Parece tão simples que toda a miséria do mundo fica parecendo apenas resultado da falta de “vontade política”.
Claro que isso tudo não passa de uma grande falácia econômica. Os keynesianos trocam a ordem dos fatores, alterando o produto final. Basta pensar em Robinson Crusoé e Sexta-Feira em uma ilha. Seria absurdo supor que é a demanda de algum deles que produz o crescimento econômico. Robinson Crusoé pode demandar uma enorme casa, mas esta só será produzida se houver recursos disponíveis. E estes dependem da poupança e da produtividade. Logo, é a poupança efetiva que permite o investimento produtivo, que, por sua vez, possibilita mais consumo depois. É preciso fazer o bolo para depois comê-lo. Keynesianos pensam que podem ter e comer o bolo ao mesmo tempo.
Se alguém questiona quais fatores permitem o aumento da “renda nacional”, a resposta deverá ser: a melhoria dos equipamentos, das ferramentas e máquinas empregadas na produção, por um lado, e o avanço na utilização dos equipamentos disponíveis para a melhor satisfação possível das demandas individuais, por outro lado. O primeiro caso depende da poupança e da acumulação de capital; o segundo, das habilidades tecnológicas e das atividades empresariais. Se o aumento da renda nacional em termos reais é chamado de progresso, devemos aceitar que este é fruto das conquistas dos poupadores, investidores e empreendedores.
Os gastos do governo costumam desviar recursos destes fins mais produtivos. Keynes chegou no ponto absurdo de defender que seria justificável o governo, durante uma crise, contratar gente para cavar buracos e mais gente para tampá-los. Evidentemente que o fantástico desta proposta não passou despercebido na época. Questionado sobre o efeito de tais medidas no longo prazo, Keynes cunhou sua famosa frase: “No longo prazo estaremos todos mortos”. O longo prazo, porém, inexoravelmente chega, por razões cronológicas. Hoje, nada mais é que o longo prazo de algum tempo atrás. E, para aqueles vivos, o custo desta mentalidade keynesiana costuma ser bastante elevado.
Com esta ferramenta equivocada, os keynesianos conseguiram até mesmo creditar guerras pela recuperação econômica. Paul Krugman, laureado com o Prêmio Nobel de Economia e um dos maiores ícones do keynesianismo moderno, repete o tempo todo que foi a Segunda Guerra Mundial que salvou os Estados Unidos da Grande Depressão. Mais recentemente, ele chegou a defender que gastos públicos para criar um mecanismo de defesa contra a hipotética invasão alienígena seria uma medida sensata para conter a crise. Eis o grau de absurdo que chega à lógica keynesiana. Qualquer reflexão mais atenta mostraria que jamais pode ser favorável para a economia desviar recursos escassos para fins inúteis. Qual o ganho social em utilizar aço e trabalho escasso para produzir navios que serão afundados na guerra? Como dizia Mises, a prosperidade que a guerra traz para a economia é a mesma dos furacões e terremotos.
Na verdade, esta falácia é bem antiga, e já tinha sido refutada por Bastiat em seu exemplo da janela quebrada. Algum vândalo joga uma pedra que estilhaça a janela de uma loja. Em seguida, algumas pessoas tentam consolar o dono da loja alegando que, ao menos, ele estará gerando emprego ao consertar a janela. Afinal, se janelas nunca fossem quebradas, de que iriam viver os reparadores de janelas? Esta linha de raciocínio cai justamente na falácia anteriormente citada, pois ignora aquilo que não se vê de imediato. Sim, o conserto da janela iria propiciar um ganho para o vidraceiro. Mas o que seria feito desse dinheiro gasto caso a janela não tivesse sido quebrada? Eis a pergunta que nem todos fazem, porém crucial para o entendimento da economia.
Existem várias alternativas de uso que o dono da loja poderia dar ao dinheiro. Ele poderia investi-lo para aumentar a produção, poderia poupá-lo ou poderia gastar com qualquer outra coisa. Supondo que ele gastasse a mesma quantia na compra de um terno, o alfaiate teria sido beneficiado, mas agora que o dinheiro foi usado para consertar a janela, esse terno deixou de ser vendido. Isso é aquilo que não se vê, ao menos de imediato. O alfaiate do exemplo é ignorado, é o homem esquecido na análise superficial da coisa. Parece ridículo de tão óbvio este caso, mas o leitor mais leigo ficaria chocado com os demais casos, que são apenas variações dessa mesma falácia.
Como espero ter deixado claro, as recessões econômicas não são resultado de ausência de demanda agregada, pois esta nada mais é que o somatório da demanda de todos os agentes econômicos, que tende ao infinito. O buraco é bem mais embaixo. E quando o governo tenta estimular a economia gastando mais, endividando-se e contratando trabalhadores para tarefas improdutivas, isso apenas agrava o problema estrutural. Os consumidores e empresários sabem que terão de pagar a conta mais cedo ou mais tarde, e isso afeta suas decisões. Consumo estimulado artificialmente produz apenas inflação, se financiado pela emissão de moeda sem lastro. E o tiro keynesiano sai pela culatra, pois os investidores ficam receosos com o futuro aumento de impostos, necessário para honrar os gastos mais elevados do governo.
A hiperatividade do governo durante as crises costuma afetar negativamente a economia, ao contrário do que pensam os keynesianos. Manipular a “demanda agregada” jamais foi ou será uma política sensata de crescimento econômico sustentável. Os keynesianos são como alquimistas modernos, que acreditam poder transformar chumbo em ouro por meio da magia. Como os alquimistas antigos, estão fadados ao fracasso, sempre. Infelizmente, aprendemos com a história que poucos aprendem com a história.
A despeito dos inúmeros fracassos das políticas keynesianas no passado, eles sempre dão um jeito de ignorar as lições históricas e reinterpretar os fatos de forma a jogar a culpa dos erros em ombros alheios. O governo gastou trilhões em estímulos e, ainda assim, a economia ameaça nova recessão? Então, claro que o problema só pode ter sido falta de estímulo! Insanidade, já alertava Einstein, é fazer tudo igual novamente e esperar resultados diferentes. Os insanos estão no poder.

* Artigo inédito do livro "Liberal com orgulho" (Ed. Lacre, 2011)




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