É XENOFOBIA SER CONTRA COREANO COMER CARNE DE CACHORRO?
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É XENOFOBIA SER CONTRA COREANO COMER CARNE DE CACHORRO?


A Mayara me enviou um email (que dialoga um pouco com o último guest post) cheio de questões interessantes. Reproduzo só parte dele e, embaixo, respondo. Lá vai a parte da Mayara:

Tenho visto, ultimamente, notícias sobre apreensão de cães em freezers de restaurantes, geralmente coreanos, aqui no Brasil. Minha família é da região de Piracicaba-SP, onde há grande fábrica de uma montadora coreana. Essa montadora utiliza mão-de-obra de muitos coreanos que foram se instalar ali pela região. Pois bem, obviamente, alguns restaurantes coreanos foram abertos por lá. E a polícia de Piracicaba tem feito blitzes em alguns deles, encontrado cães mortos acondicionados em freezers, para serem servidos como alimento para os coreanos da região. Parece que mais 8 mil famílias de coreanos chegarão a Piracicaba para reforçar o trabalho na fábrica e, claro, vão precisar de mais cães.
Em São Paulo, há muitos restaurantes coreanos e vi uma reportagem, há alguns meses, que mostrava que várias famílias estavam pegando cães de rua para vender a esses restaurantes. Inclusive, uma cena triste, que mostrou a polícia entrando em uma casa de pessoas simples, mas não miseráveis, apreendendo todos os cães que ali se encontravam, porque essa família foi denunciada por recolher cães de rua para vender aos coreanos. No meio dos cães, havia dois deles que não eram para venda, mas de estimação da família. A reportagem mostrou as crianças, filhas dos donos da casa, chorando muito, desesperadas, pois aqueles dois cães, no meio dos outros apreendidos por serem destinado a comida em restaurantes, eram deles há alguns anos.
Acho que já deu pra vc entender que, agora, no Brasil, temos esse tipo de comércio que é clandestino. Há leis que punem esse tipo de coisa. É proibido por lei servir animais de estimação em restaurantes. Maus tratos são punidos com multa e cadeia, se matarem o animal, a pena é maior. Há distinção entre bichos de estimação e animais criados para abate e alimentação.
No CQC da semana passada, na bancada, o Marcelo Tas fez uma encenação, como era reestreia, de que a Globo havia mandado um presente para eles. Abriu uma grande caixa, e de lá saiu um gato preto, com cara de assutado, e eles riram, dizendo que a Globo havia mandado um gato preto como "mau agouro", desejando má sorte a eles, na reestreia. Depois, apareceram comendo churrasquinho, como se tivessem matado o gato preto azarado e o comido.
Muita gente protestou. Eu não sou de nenhuma entidade de proteção aos animais, mas achei de péssimo gosto, pra variar. O CQC sempre se superando...
Vi muita gente dizendo que quem reclama dessas coisas, sobre matar cães pra comer e servir em restaurantes coreanos ou contra esse tipo de "piada" com os bichos, é gente hipócrita, pois "come carne". E que se queremos que certos tabus caiam, por exemplo, contra homofobia, contra o machismo, não podemos alimentar outros tabus. Nossa! Fiquei meio passada. É isso mesmo? Uma coisa pode ser misturada no mesmo balaio de outra?
E fui xingada de xenófoba, assim como alguns amigos meus, por nos indignarmos que sirvam cães em restaurantes, vendam-nos para esse fim, e por dizermos que, se no Brasil é proibido fazer isso por lei, que esta deve ser cumprida.
Lola, não sou legalista dessa forma, claro que sei que há leis que devem ser peitadas, até porque, se não fossem, não teríamos nem saído da ditadura. Mas essa sobre matar bichos que são de estimação, para os brasileiros, não acho que deva ser "peitada". Se eu vou a outro país, há certos costumes que devo observar por lá, não é?
É mesmo xenofobia ser contra restaurante coreano servir carne de cachorro? Xenofobia é isso? Quebrar tabus não seria quebrar para coisas "boas", para boas causas? Enfim, eu sou contra coreanos virem ao Brasil e se acharem no direito de comer cães! Estou errada? Preciso mudar minha mentalidade?

MINHA RESPOSTA: Eu não sou a pessoa mais adequada para falar de tradições, rituais e costumes, porque estou me lixando pra eles. Modelo patriarcal de casamento (aquele em que o pai entrega a filha pro noivo) é tradição, e eu quero que acabe. Touradas, farras do boi, rinhas de galo, tudo muito tradicional -- e já deviam ter sido proibidas há décadas. Mutilação feminina para que a mulher seja aceita na sociedade? Super tradicional, e daí? Quero mais é que esses costumes morram. Eu não respeito muitas das tradições da minha própria cultura, e não vou respeitar as dos outros.
Não nasci pra ser diplomata. E quando digo isso, não é só porque não tenho apreço às tradições, mas também porque nem morta que eu iria comer alguma coisa que não gosto só pra ser educada.
Comida é algo cultural. Desde as primeiras semanas de nossas vidas, nos ensinam o que nossa cultura considera comestível e o que não considera. Bebê vai levar tudo pra boca, e é nossa cultura que vai dizer que aquele gafanhoto (pra não pensar em inseto pior) que a criança pegou não é pra ser mastigado (trocando em miúdos: "Argh! Tira isso da boca, menin@!").
É especismo sim, e também é cultural, que alguns animais sejam vistos como comida, outros como de estimação, outros como bichos nojentos. E é terrível quando a mesma cultura considera o mesmo animal comestível e de estimação. A cena mais chocante de Roger e Eu, documentário de Michael Moore sobre a falência de toda uma cidade de Michigan quando uma montadora de automóveis vai embora pra se instalar num país mais baratinho, é aquela em que uma americana pobre vende coelhos. Ela vende os mesmos coelhos para servirem de estimação ou de comida, o comprador que decide.
Eu não como coelho porque, na minha cabeça, antes de serem carne, são bichos fofinhos, orelhudos e saltitantes. Mas sei que é hipocrisia minha, porque também considero bois, vacas, porcos e galinhas -- todos bichos que eu como -- animais bonitos e queridos. Só que aí a solução, a meu ver, não é sair por aí comendo todos os bichos que encontro pela frente, e sim deixar de comer carne. Ponto. Estou ciente de como o ser humano explora os animais, odeio isso, e gostaria de ser vegana, ou pelo menos vegetariana. Mas ainda não estou pronta. Meus hábitos alimentares são ruins o suficiente pra eu não ter muito que comer se eu fosse vegana. E eu ainda adoro o gosto da carne. O que tento fazer é reduzir o consumo de carne o máximo possível. E nunca, jamais, criticar quem é mais nobre e altruísta que eu porque conseguiu deixar de comer carne. Tenho grande admiração por vegetarianos, veganos, defensores de animais em geral.
Eu contribuo com cem reais por mês com uma ONG de Fortaleza que ajuda animais abandonados. Amo cães e gatos igualmente, e jamais poderia me imaginar comendo esses animais (espero nunca ter comido churrasquinho de gato na vida). Se eu visse uma vaca antes de ser abatida, não poderia comê-la. Quando eu era bem novinha, presenciei uma vizinha matando uma galinha -- e fiquei sem comer frango por um ano. Depois de ver Babe, o Porquinho Atrapalhado, não comi presunto e afins durante meses. Creio, sinceramente, que a maior parte de nós só é capaz de comer carne se não pensar de onde vem essa carne. Imaginar animais levando uma vida infernal, confinados e explorados, e depois sendo degolados com requintes de crueldade, é de estragar qualquer apetite. Somos hipócritas.
Não acho, de jeito nenhum, que coreanos ou quem quer que seja deva poder comer cachorro. Nem aqui nem na Coreia. Como eu já disse, não é por alguma coisa ser tradição que a gente tenha que falar "amém" pra ela. Mas acho que a xenofobia não está em querer proibir coreanos de comer carne, e sim em associarmos coreanos com comedores de cães. Isso está muito longe de ser verdade. Na escola (internacional) onde estudei, em SP, convivi durante anos com um monte de coreanos. Tudo gente boa, com algumas tradições problemáticas (tipo coreano só poder se casar com coreano, e outras visões bem conservadoras), mas eram amigos simpáticos e perspicazes. Ninguém comia cachorro. Aliás, eles se ofendiam com a sugestão.
Eu comi comida coreana (que é excelente, apimentada, gostosa) inúmeras vezes, e não havia qualquer menção de
carne de cachorro no cardápio. Não sei se você lembra das matérias sobre a Copa do Mundo de 2002, realizada na Coreia do Sul. Os jornalistas de toda parte, não muito criativos, insistiam na pauta da carne canina. E os coreanos cansavam de falar que, embora aquele fosse um costume milenar, estava caindo. Jovens coreanos acham horrível a ideia de se comer cachorro, que é animal de estimação pra eles. Em Seul é praticamente impossível encontrar prato feito com cachorro. Em algumas províncias isso ainda existe, mas é cada vez mais raro. Se já na Copa de dez anos atrás os coreanos se apressavam em dizer que não comiam cães, imagina hoje...
Portanto, há várias questões. Primeiro que é exagero pensar que coreanos comem cachorro desenfreadamente, ou que todo restaurante coreano serve carne canina. São casos isolados. Segundo que, se comer carne de cão está por baixo na Coreia, não é nada legal que coreanos queiram consumi-la no Brasil -- um país que só aceita cães como animais domésticos (e que mesmo assim os trata muito mal). Vamos supor que uma família da Somália se mude pra cá, e queira continuar o costume de mutilar os genitais de suas filhas. A família deve poder fazer isso em nome da tradição? Óbvio que não! Nem na Somália, nem aqui. Mas é xenofobia pensar que todas somalis sofrem mutilação genital.
Um terceiro ponto é que o consumo de carne canina no Brasil está relacionado a status. É coisa pra coreano rico, assim como brasileiro rico vai a churrascarias chiques pra comer carne de caça. Ricos fazem essas coisas como demonstração de poder. Pra se diferenciar da gentalha. Pra provar que são especiais e que o dinheiro compra tudo. Se eu já detesto tradições, vou gostar de tradição de rico esnobe e sem empatia? Pra mim, rico querer comer carne proibida é como gostar de snuff film (aquele tipo de filme pornô que é meio lenda urbana, em que mulheres são estupradas, torturadas e mortas de verdade diante de uma câmera). Snuff film é coisa de rico. Só eles podem pagar uma vida. Só eles pra financiarem a impunidade.




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