Entre a causa e seu efeito - ANTÔNIO DELFIM NETO
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Entre a causa e seu efeito - ANTÔNIO DELFIM NETO


VALOR ECONÔMICO - 15/09

A presidente Dilma precisa deixar de dubiedade

Os economistas decidiram que o "contrato social" implícito na Constituição de 1988 é a "causa causans" dos nossos problemas. Há razões para relativizar tal proposição. É inegável que a Constituição contém exageros. São, principalmente, resultados do momento em que foi redigida: depois do maior estelionato eleitoral já promovido no universo (o Plano Cruzado) que deixa no chinelo o de Dilma 2!

Nada na Constituição é sagrado, além das cláusulas pétreas, sob o controle do Supremo Tribunal Federal. É preciso lembrar que ela só não é pior porque o festival de uma esquerda "infantilizada", que acreditava firmemente que a "vontade política" preteria a aritmética, acabou gerando, espontaneamente, a organização de um "centrão", que lhe devolveu algum realismo e racionalidade.

É preciso perguntar: por que a febre "vinculatória" - que reduz o poder do Legislativo e do Executivo - dominou o comportamento dos constituintes? Por que ela cresceu, quando ministros competentes, e politicamente fortes, "blindaram" seus ministérios, colocando-os acima das decisões orçamentárias? Hoje, elas já somam 92% da receita líquida corrente!

A resposta é a crença generalizada que qualquer Executivo e Legislativo eleitos não terão capacidade administrativa e sensibilidade política para dirigir os dispêndios às "verdadeiras" prioridades da nação. A minoria de bom senso sempre soube que elas mudam e que dependem das circunstâncias. Logo, "vinculações" engessam o futuro. São tolices muito caras! Não foi sem razão que, quando da sua promulgação, o dr. Ulysses gritou: "Esta é a Constituição da liberdade", o presidente Sarney murmurou baixinho: "E, também, a do Brasil inadministrável"...

A segunda razão para relativizar os inconvenientes da Constituição é que seu objetivo maior é a construção de uma sociedade "civilizada" definida como a que: 1) permita a plena liberdade de iniciativa dos seus membros e lhes garanta que poderão apropriar-se de seus benefícios obtidos por meios lícitos; 2) busque permanentemente uma crescente igualdade de oportunidades. A posição de cada cidadão deve depender, cada vez menos, do acidente do seu nascimento, o que implica: educação e saúde universais e pagas por todos (para a sociedade não há nada "grátis") e alguma mitigação da transferência intergeracional da riqueza acumulada; 3) estabeleça uma solidariedade social inclusiva, que ampare o menos favorecido e o estimule a conquistar, com seu próprio esforço, a plena cidadania; e 4) se organize economicamente de forma eficiente, mas compatível com a relativa liberdade e a relativa igualdade desejadas. Isso sugere uma organização através de mercados sujeitos a um Estado forte, limitado constitucionalmente, capaz de regular e controlar o seu poder econômico e político. Desregulados, eles oferecem riscos à qualidade dos resultados do "sufrágio universal", que é o garante da democracia e o mecanismo empoderador da cidadania. A organização pelos mercados é um instrumento, não um objetivo!

Pois bem. Nada na Constituição impede a construção de tal sociedade. Se estamos (e estamos!) numa situação econômica desastrosa, e politicamente difícil, não é apenas por culpa da Constituição. Têm ônus, ainda maior, os poderes incumbentes eleitos desde 1990 pelo sufrágio universal (e já são cinco!), que nunca tentaram, com firmeza e convicção, corrigir os seus excessos. Nem FHC, depois do merecido prestígio que lhe deu o Plano Real; nem Lula, nos píncaros da glória em 2008/10, quando comemorou o "grau de investimento", e nem Dilma, com a sua esplêndida aprovação de 2011, ousaram gastar seu patrimônio político para enfrentá-los. Preferiram acomodar-se, mas agora ditam regras para a "salvação nacional"...

Nada na Constituição os impediu. Nada, nela, impede, aliás, uma administração que estimule a segurança jurídica, o investimento e a exportação, vetores que produzem o crescimento econômico que sustenta o desenvolvimento social. Os erros mais recentes de diagnóstico e a má escolha dos instrumentos de política econômica produzidos pelo voluntarismo do governo, reduziram o crescimento médio anual do PIB de 4% entre 2003-10 (ajudado pelo setor externo) para 2,1% em 2011-14. No fundo, bem no fundo, não foi o "contrato social" que reduziu o ritmo de crescimento. Foi a covardia política continuada, que parece tê-lo tornado inviável.

É preciso enfrentar os problemas da Constituição, porque como está, com um crescimento médio do PIB abaixo de 4%, ela é mesmo uma bomba fiscal. E vai explodir no colo deste governo, se ele persistir em namorar com o equivocado diagnóstico que "falta demanda". Falta mesmo, mas os erros do passado transformaram em trágica ilusão a possibilidade de resolver o problema pelo aumento da relação dívida bruta/PIB que já beira à insustentabilidade.

A decisão de ajustar o Orçamento (que até então era impossível!) só depois de ter perdido o grau de investimento reforçou a perigosa incapacidade do governo de comparar custos e benefícios. Dilma precisa deixar de dubiedade. A sua última entrevista ao Valor deveria ter sido feita em dezembro de 2014. Deve confirmar, urgente e honestamente, sem recuos, suas novas "preferências" e, com elas, tentar cooptar o Congresso para aprovar as mudanças necessárias.





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