Mas a semana seguinte foi pior. Já lá em Floripa sentou um velho hediondo do meu lado. Eu costumo ser muito tolerante. Não é do meu feitio chamar alguém nem de velho, nem de horrendo. Mas esse era. Ele disse ter 64 anos mas parecia ter no mínimo 10 anos mais. E era feio, coitado. Mas claro que eu não deixaria de conversar com alguém por ser feio ou bonito, ainda mais no começo da viagem, então eu, muito educada, respondia a todas as perguntas que o tio fazia. Era desses caras espaçosos, que falam super alto, todo mundo ouve. Bom, dá cinco minutos e o cara pega a minha mãozinha com as duas mãos dele e fica segurando! E eu lá, desesperadamente tentando soltar a minha pobre e sufocada mão, enquanto o velho usa a desculpa de que quer ver se minha mão é boa pra música (porque ele diz que toca violino). Detalhe: eu já tinha falado que era casada. Logo em seguida o sujeito belisca a minha perna e pergunta: "Você gosta de usar preto, é?". Nesse momento eu começo a arquitetar um plano pra sair dali rapidinho e nem presto mais atenção no que o sujeito diz. Acho que ele perguntou se eu tinha 22 anos - além de velho, cego! -, sendo que faz no mínimo uma década e meia que ninguém mais pensa que eu tenho 22. Acho que ele também disse que eu era linda e que mulher só com osso não tá com nada, mas não tenho certeza. Lembra daquele filme do Hitchcock em que uma senhora fala um monte de besteiras, mas a vítima só ouve a palavra “faca”? Foi assim que eu me senti. O velho falando sem parar e eu só pensando, “Segurou a minha mão! Beliscou a minha perna! Acho que tá dando em cima de mim. Quero dar o fora daqui!”.
E eis que, no meio do meu processamento de dados, o tio começa a explicar como são os movimentos do violino. Ele faz um gesto com as mãos, desses que fazem quando querem descrever o tamanho do pênis, e fala em movimento, velocidade, potência, e sei lá que mais, e aí eu penso: Não, esse cara tá de sacanagem comigo! Tem de ser alguma pegadinha. Deve ter alguma câmera de TV filmando a minha reação. Tentei ver se o cara tava fazendo algum chiste, falando ironicamente, mas não, ele tava seríssimo no seu plano de sedução. Notei que não seria seguro eu tentar dormir lá do lado dele, e pedi licença pra me sentar na cadeira da frente (usando como desculpa que havia dois ingleses lá com quem eu queria conversar). Daí eu fui, né?
Agora, não é chocante a minha reação? Olha só como a educação repressora que a mulherada recebe funciona! Obviamente o que eu deveria ter feito desde o começo, no episódio desesperador do sequestro da minha pobre mão, era dizer pro tio, em voz tão alta quanto a dele, pro ônibus inteiro admirar: "AHHHHHH! Solta a minha mão, seu asqueroso! Tá pensando o quê? Eu sou casada! E mesmo que não fosse, você é trinta anos mais velho que eu! Vai procurar sua turma! Mereço coisa melhor! Sai daqui, seu velho tarado!" Etc etc etc. E eu fico lá meio mortificada, mas toda educada, e ainda invento desculpinha pra sentar em outro lugar. E isso que eu me considero feminista desde os oito anos. Não é uma tristeza a nossa condição feminina? Esses velhos, e um monte de homens mais jovens, devem encarar a população feminina como um enorme buffet self service a seu dispor. Eles podem atacar à vontade, que o máximo de ruim que pode acontecer é alguma estúpida educadamente mudar de lugar num ônibus!