GUEST POST: DEMOROU DOZE ANOS
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GUEST POST: DEMOROU DOZE ANOS


A N. me enviou este relato.

Estou mandando esse e-mail apenas como mais uma forma de desabafo! Mais uma, mesmo que depois de tanto tempo. Meu caso não é assustador (ou pelo menos não se compara ao de tantas meninas), nem sairia em jornal, nem nada do tipo. É só uma reflexão de que como o menor (se é que existe menor ou maior) dos abusos pode causar sim danos e traumas escondidos.
Pois é! Sou mais uma mulher nas estatísticas que foi abusada. Não houve penetração, não durou mais que alguns minutos. Mas demorou 12 ANOS para que eu aceitasse que fui abusada e finalmente falasse com alguém sobre o que me aconteceu!
Eu estava voltando da cidade da minha avó de ônibus. Era comum eu viajar sozinha nas férias para lá, e pegava o ônibus noturno para dormir. Eu devia ter 16 para 17 anos, sei disso, pois vestia uma calça que usava muito no meu segundo grau e jogava game-boy. 
O ônibus ia vazio como sempre, mas depois de umas três cidades, enchia. E nisso subiu um homem, cheio de bolsas de golfe, e sentou do meu lado. Me apertou um pouco com aquelas bolsas, mas eu era muito tímida e acabei me encolhendo no canto e voltei a jogar o game-boy. 
Ele conversava alto com um amigo que sentou na cadeira do outro lado do corredor. Nisso ficou virado quase de costas para mim. 
Com o passar da viagem, o ônibus foi ficando silencioso, e os dois também pararam de falar. Aí ele se ajeitou na cadeira. Quando sem querer a perna dele encostou na minha, tirei minha perna na hora e me encolhi mais. Rapidamente olhei para ele tentando lançar um olhar de desaprovação, já que eu estava cada vez mais me encolhendo no canto, mas lembro com perfeição do riso maldoso dele.
Na hora não me dei conta. A timidez me fez afastar e me resignar. Voltei para meu jogo, até perceber a mão dele perto da minha perna. Gelei! Me afastei ainda mais, só que não tinha mais para onde ir… e (putz, mesmo já tendo falado está difícil escrever) ele foi colocando a mão por baixo da minha bunda. 
Eu disse lá em cima que não passou de alguns minutos, mas eu realmente não tenho muita certeza. Eu quis tanto esquecer esse fato que apaguei muitas coisas. Mas o fato é que ele chegou com a mão até entre minhas pernas e me acariciou.
Para minha sorte a parada seguinte chegou. Saí o mais rápido que podia, fui ao banheiro, fiz meu lanche, voltei correndo para o ônibus e perguntei ao motorista se tinha lugar vazio para que eu trocasse de lugar. Até aí eu não chorei! Mas na hora que o motorista perguntou o porquê, e eu não consegui responder, ele olhou para o meu lugar e eu vi em seus olhos que ele percebeu o que era e não fez nada, falou que devia ter no fundo, e que eu me virasse. Aí eu chorei!
Cheguei na minha cidade, meus pais me esperando. Eu não fiz nada. Me sinto fraca, Lola! Meus pais, apesar de todos os defeitos, são protetores ferrenhos de mim e da minha irmã (e agora de nossas filhas). Sei que meu pai moveria o mundo para condenar aquele velho nojento! Mas eu me calei. Senti nojo de mim. Eu me senti exposta! 
Sabe, Lola, até agora, quando consegui contar para o meu namorado, pai da minha pequena, eu não tinha ideia do por que não fiz escândalo… Eu sabia que senti medo, mas não entendia exatamente todo o resto, o nojo, a fraqueza, a exposição.
Eu me tornei feminista depois de ter minha filha. Passei a ler muitas coisas e seu blog foi um deles. E isso me mostrou que aquele fato, que eu não considerava um abuso, foi sim de abuso.
E eu era menor de idade! Outro fato que me surpreendi ao contar para meu namorado, foi constatar que eu era menor. Por anos seguidos quando essa história voltava a minha mente eu jurava a mim mesma que eu já estava com 20 ou 21 anos. Mas quando contei me dei conta do game-boy e da calça. Foi assustador pensar nisso!
Eu tive vários problemas sexuais, não afirmo que tudo tem a ver com essa história, mas imagino que foi algo que ajudou a me travar sexualmente. 
Para minha sorte, estou há quatro anos com alguém que me respeita e tenta compreender todos meus traumas sexuais. Mas ainda fico indignada como levou doze anos para eu falar isso, para aceitar que fui abusada. Eu não admitia isso para mim, eu nem consigo saber o que eu achava. Sei lá, parece que eu insistia que foi sem querer, que ele não fez de propósito, tudo que nos fazem acreditar!
Obrigada, Lola! Obrigada a todas as feministas que lutam para que pessoas como eu não se escondam! Que a gente admita o que aconteceu para que não deixemos mais que aconteça! Poder finalmente chorar faz bem, lava a alma e me traz mais força para seguir em frente!

Meu comentário: N., querida, que bom que você aceitou que foi abuso, e que você conseguiu contar pra alguém. Por pra fora nos ajuda a entender o que aconteceu. E esse entendimento nos ajuda a superar e a querer lutar. 
Sabe, aprendi muitas coisas desde que comecei o blog, há seis anos. Uma delas, que eu nunca tinha ouvido falar, foi que são bastante comuns esses casos de abuso em viagens de ônibus mais compridas, em que supostamente todo mundo deveria estar dormindo. Eu nunca tinha imaginado isso!
O que me choca não é só a covardia desses caras, mas também a nossa passividade. Tem que fazer um escândalo na hora. Nada de ser educadinha, como somos condicionadas a ser desde crianças. Já é uma droga que tantos homens sejam tão espaçosos (eles devem achar que nascem sentando de pernas abertas, e que mulheres nascem cruzando as pernas! Surpresa: é tudo ensinado! Homens são ensinados a ocupar todo o espaço público que puderem!), e ainda mais essa.
Eu já contei a história de quando me dei conta que estava sendo boazinha demais e facilitando muito pra cara mau caráter. Faz mais ou menos uns sete anos, quando eu fazia com frequência o trajeto entre Floripa e Joinville (duas horas de ônibus). Eu não estava dormindo, mas o senhor ao meu lado decidiu conversar comigo. E eu, toda gentil e polida, respondendo numa boa, mesmo que eu quisesse dormir. 
Até perceber que o senhor estava me cantando. De repente, ele segurou minha mão; depois, beliscou a minha perna. E eu, feminista desde pequena, não fiz nada além de emudecer. Pouco depois, inventei uma desculpa para sentar em outro lugar no ônibus. 
Quer dizer... o cara que tá todo errado e eu que tenho que mudar de lugar?! Nada disso! Esse acontecimento foi muito importante pra mim, porque me fez refletir. Depois disso, eu virei uma nova Lolinha. Hoje é bem mais difícil eu levar desaforo pra casa.
Chega da gente se calar. Vamos ser gentis com quem nos trata com gentileza, mas vamos por a boca no trombone quando algum ser obsoleto invade o nosso espaço, o nosso corpo. E mais: vamos ser solidárias umas com as outras. Imagine a revolução que seria se agressores percebessem que não somos um meigo buffet a sua disposição. 




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