GUEST POST: DUALIDADE. A VIDA NÃO É PRETO NO BRANCO
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GUEST POST: DUALIDADE. A VIDA NÃO É PRETO NO BRANCO


Niemi é uma comentarista frequente e querida por aqui. Quando a Aoi Ito publicou seu guest post, a Niemi perguntou se podia dar a sua visão. E claro que eu topei.

Antes de iniciar o texto, gostaria de agradecer primeiramente a Lola pelo espaço e em segundo lugar às queridas Larissa, Jac e Mia pelas suas valiosas considerações.
As pessoas de modo geral vêem o mundo claramente dividido em dualidades, bem e mal, homem e mulher, certo ou errado; a vida se resume a preto no branco e não há espaços para tons de cinza.
No meio de tudo isso está nossa sexualidade. As pessoas entendem que há duas opções a se seguir, homo ou hétero, mas quando alguém se manifesta 'bissexual' essa pessoa parece transgredir a dinâmica de 0 e 1. Numa alusão tosca, imagine um sorveteiro que pergunta se você quer sorvete de morango ou de chocolate. Ao responder que quer um pouco de cada um, ele se espanta e diz com petulância: “Como assim? Não tem como você gostar dos dois! Você precisa escolher um”. [Nota da Lola: essa conversa me lembra a cena deletada de Spartacus sobre gostar de ostras ou escargot].
Ser bi é ser guloso, desejar mais do que se tem para oferecer. A bissexualidade (ou biafetividade?) na maioria das vezes é percebida como a indecisão de alguém que só quer chamar a atenção, mas será mesmo?
Desde que me descobri biafetiva aos 14 anos, quando tive coragem para me declarar para a primeira garota, passei a me perguntar se isso não era apenas curtição, um ato de rebeldia adolescente. O tempo passou e eu percebi que não.
Creio que para a maioria das pessoas independente da sua orientação sexual o que importa mesmo em uma relação é a companhia da pessoa com quem você está; sexo é um complemento (muito bom aliás, mas não é tudo num relacionamento). A necessidade de se sentir amado e amar alguém é que nos atrai, isso não muda.
No meu caso que sou mulher, tenho que enfrentar a diminuição da minha sexualidade por homens que a reduzem a um fetiche. Eles pensam que beijo outras mulheres para ganhar pontos, mostrar que sou safada e que topo tudo, tudo para agradá-los. Fica difícil entenderem que a minha biafetividade é algo para mim. Eles ignoram a minha individualidade e acham que estou beijando outra mulher para atender a sexualidade deles.
Quando o homem se diz compreensivo, a dita compreensão vem quase sempre acompanhada de um interesse. O companheiro que se acha dono deixa claro: “Eu, seu dono, deixo você ficar com mulheres porque não fere meu orgulho de macho alfa e ainda satisfaz a minha sexualidade”. Outros perguntam se você topa uma brincadeira a três. Claro, ser bi é nunca dizer não, afinal, se está na dúvida, por que negar? Experimentar, experimentar, experimentar.
Isso sem contar que muitas vezes a pessoa biafetiva carrega a imagem de alguém que é promíscua e tem tendência a ter relações ‘clandestinas’. Não basta querer morango e chocolate -- enganar o sorveteiro e levar um pouquinho da calda de menta é a regra se você é bi.
Mas essa confusão da parte dos homens é culpa daquela visão de que a sexualidade feminina não existe, ou existe para ser objeto da sexualidade masculina. Para eles a vagina é um acessório que deve estar sempre acompanhada de um pênis. A nossa cultura mesmo fortifica isso demonizando meninas que sentem vontade de descobrir seu corpo. Uma bi resolvida com seu corpo e sexualidade para alguns machos é vista como uma mulher que aprendeu a gostar de sexo igual homem, já que mulher nunca descobre por si mesma que sexo é bom ,né? (e uma vez que ela aprendeu que gosta de sexo, automaticamente quer fazer sexo com qualquer pessoa, como um homem faria). A idéia de que bi é promiscua vem daí.
Deveríamos ter o direito de levar nossa vida sexual do jeito que bem entendermos, sem esse julgamento soberbo. Não importando nossa afetividade.
Nas baladas da vida há meninas que beijam esporadicamente outras meninas. Para algumas pessoas, essas meninas querem apenas provocar os homens, e aceitarão de bom grado se algum deles quiser se juntar na brincadeira. Não digo que algumas não estejam de fato experimentando, se descobrindo ou então fazendo isso por pressão social, acreditando que serão mais procuradas por rapazes, e isso as agrada.
Na minha humilde opinião não adianta ficar taxando essas garotas de falsas. Elas se envolvem com quem quiserem. Se a pessoa em questão procura uma relação séria, hétero ou homo, que seja, com uma mulher e detecta que a outra está apenas de curtição, acho que cabe o bom senso de seguir seu caminho. Falso ou verdadeiro é muito subjetivo e não serão esses rótulos que vão fortificar o movimento LGBTTT. Se pessoas héteros que se passam por bi contribuem para uma imagem estereotipada de lésbicas, cabe a nós continuarmos vivendo da nossa maneira e mostrar que somos diferentes do que nos pintam. Combater o nojo enrustido que as pessoas têm do sexo seria muito mais eficaz do que ir atrás de uma “falsa lésbica”, acreditem.
Agora contando um pouco da minha própria experiência como bi. Quando me relaciono com outras mulheres, costumo ouvir a constante ameaça: “ou você para de sair com homens ou nosso namoro acaba”. Vejo nessas palavras a dedução de que eu como bi não consigo controlar meu desejo insano, já que devo amputar minha gula. Infelizmente, vejo muita lésbica preocupada demais com extremismo, que não enxerga que só reforça a heteronormatividade copiando a sua dinâmica de ‘pureza’.
Muitas ainda acham que se estou em um relacionamento com uma menina não posso depois sair com um rapaz, pois isso significaria que mudei de lado e não apoio mais o “movimento”. Espera ai, não é porque uma pessoa biafetiva decide ter um relacionamento com alguém do sexo oposto que ela vai deixar de ter empatia pela causa LGBTTT e que vai esquecer todos os pesadelos que ela e outras pessoas vivem por conta do preconceito! Estamos apenas procurando afeto, carinho, atenção, sexo. Para ter empatia por alguém, acho que não é preciso necessariamente viver a mesma situação, correto?
Algumas pessoas biafetivas podem acabar estabelecendo uma relação hétero duradoura. Elas sabem que isso representa uma série de privilégios, acreditem. Mas a biafetividade não pode ser considerada algo ruim por representar uma zona de conforto para elas. E quem é definitivamente homoafetivo e não tem coragem de ‘sair do armário’? ‘Conforto’ é uma palavra de significado complicado neste contexto; tenho certeza que a pessoa não se sente realmente confortável em nenhuma dessas duas situações. Vamos culpá-las?
As pessoas não têm coragem ou vontade de discutir a biafetividade porque o próprio termo ‘bi’ parece surreal demais para ser discutido. Preferem inventar termos toscos como “Flex” do que se perguntar qual é a necessidade que leva uma pessoa a amar homens e mulheres.
Vão por mim: há pessoas que não têm dúvida alguma de que gostam de meninos E meninas.




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