GUEST POST: FUI ESTUPRADA E PRECISO DE AJUDA
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GUEST POST: FUI ESTUPRADA E PRECISO DE AJUDA


Ontem recebi um email desesperado de A. Eu ainda não sei se A, que me mandou os emails, é que foi estuprada, ou se foi uma amiga dela. Mas não importa, o desespero e o desamparo são iguais. Tenho recebido vários emails deste tipo recentemente. Acompanhem e digam como podemos ajudar.

A: Uma das piadas dele durante a viagem foi relacionada a um post na internet de um assunto que envolvia estupro.
Ele tentou me agarrar uma vez no começo da noite, mas não correspondi, fiquei dura e me afastei. Mantive um certo nível de consciência a noite toda, somente perdi a noção quando estava voltando pra casa, no carro dele. Ele me ofereceu bebidas a noite toda.
Acordei com a pior dor que já senti, dentro do carro dele, mas ainda assim não consegui distinguir exatamente o que estava acontecendo, há quanto tempo ele estava ali. Lembro que saí do carro com tudo e que tive um ataque dos nervos em casa. Atirei todas as minhas coisas no chão, andei em círculos, chorei, gritei.
Após acordar no domingo, não conseguia entender ainda o que estava acontecendo. Sentia perfeitamente que havia sido abusada, mas me mantive na cama quase o dia todo. Com dores por todo o corpo, especialmente no ânus.
No dia seguinte ainda não sabia o que devia fazer, me esforcei para fazer o que tinha que fazer, mas passei o dia todo com muita dor por todo o corpo, principalmente para andar. Tive crises de raiva e de choro, enjoo e vômito. Mas ainda não havia me tocado o que realmente poderia ser essa situação.
Passei todo esse tempo sentindo culpa. Qualquer pessoa que eu dividisse isso consideraria que a culpada da situação sou eu, que bebi. Tive hoje um dia de muita dor e humilhação, sofrimento solitário que eu tenho certeza que pode durar pra sempre. Agora percebi que ele pode ter feito tudo isso de propósito, que já havia premeditado que se aproveitaria de mim. Ele praticamente me obrigou a sair com ele, disse que passaria em casa e ficou me rondando para ver se eu estava me arrumando. A princípio eu não tinha a intenção de sair, tentei desconversar, mas ele insistiu. Já conversávamos a um tempo pela internet, porém nunca havíamos saído, tínhamos amigos e eu não tinha planos. Acabei cedendo.
Estou desesperada, passei o dia de hoje me esforçando a fazer minhas coisas. Esta semana era uma semana crucial para minha vida profissional. Apesar de todas as crises que tive e dor, eu tentei de alguma forma não perder o foco. Sentia que isso não ia dar em nada e botaria tudo a perder se me rendesse. Sou alguém que sofre de depressão e de certa forma já está acostumada a viver em meio a dias cinzentos. Mas conforme o dia ia passando a dor só ia piorando. Tudo que vejo agora é que perdi o dia útil seguinte ao abuso e com isso se foram provas e tempo. Como vou conseguir resolver qualquer coisa no feriado?
Só preciso saber se eu posso ter razão. Não estou conseguindo me comunicar com ninguém no momento. Passei o dia fingindo estar cansada, doente, sumida, quieta. Só sei que de uma forma ou de outra estou entrando em profunda depressão. Tenho renda para cobrir um advogad@, preciso de ajuda.
Escrevo em meio a lágrimas.

Eu respondi:  Não conheço muitos advogad@s, muito menos que lidem com estupro. Mas posso perguntar. Em que cidade do Brasil isso aconteceu? Acho que seria melhor ter um advogado da mesma cidade.
Não sei se esse relato aconteceu contigo, mas é importantíssimo que a vítima faça um exame de corpo de delito e denuncie. Não deixe o caso "pra lá". O estuprador precisa ser criminalizado e punido. Já recebi vários emails com relatos quase idênticos e em todos as vítimas não denunciaram, por estarem com medo e não terem certeza do que aconteceu. E em todo os casos o estuprador entrou em contato com elas pouco depois para dizer que não sabe o que aconteceu, o que deu nele... Parece que é mais pra checar mesmo se a vítima vai ou não denunciá-lo, porque o cara SABE que foi estupro. Isso daí vale como prova também. Portanto, se ele entrar em contato por email, msm ou telefone (ao vivo é perigoso), a vítima pode tentar fazer perguntas, tirar mais informações, para que ele chegue perto de uma confissão. Grave a conversa, que ela pode ajudar no processo.
É importante também que a vítima não culpe a si mesma. Isso podia ter acontecido -- e acontece -- com qualquer mulher. Aliás, este tipo de estupro, cometido por conhecidos da vítima, é muito mais comum do que o clichê do estupro que todas somos ensinadas a temer (o estuprador desconhecido numa rua escura e deserta). E é também o tipo de estupro que raramente é denunciado, porque a mulher se sente culpada e com medo, já que conhece o estuprador. Esse tipo de estuprador não costuma estuprar apenas uma conhecida ou amiga, mas várias. Vou publicar um artigo na semana que vem que fala desse tipo de estuprador.
Toda força a você ou sua amiga.

Ela continuou: Ele entrou em contato, tentou ligar uma vez, mas não foi atendido. Tirando isso enviou várias msms, mesmo sem eu responder. Não sei se é possível realizar exame de corpo e delito mais. Até ontem tinham algumas marcas claras, mas nenhum procedimento foi realizado, as marcas já melhoraram.
O caso é de São Paulo.
[Mais tarde]. Foi realizado o exame de corpo e delito, assim como a denúncia. Espero que eu possa te ajudar com esse texto, sinta-se livre para usar meus relatos.
Ainda houve a dificuldade de ser um feriado, as Delegacias da Mulher de São Paulo estavam todas fechadas. Liguei e fui aconselhada a ir numa DP. Chegando lá a falta de um delegado fez com que eles simplesmente me mandassem voltar para casa. Fiquei um tempo na frente da DP, com um amigo, decidindo o que eu deveria fazer. Desespero, medo de não dar em nada, mais a preocupação com a vida cotidiana, se deveria interrompê-la por conta de um caso que nem sei se seria levado a sério.
Felizmente, a escrivã teve empatia, entrou em contato com o delegado contando o que eu já havia relatado. Ele autorizou o BO e ela me chamou novamente para dentro da DP. Feito o BO fui encaminhada para o Hospital Pérola Byington - Centro de Referência da Saúde da Mulher, e fui atendida pelo Projeto Bem Querer Mulher. Realizei o exame sexológico (corpo de delito) e recebi todo o coquetel de retrovirais, algo que irá ocupar minha vida ainda durante meses. Ainda tive de ouvir de uma enfermeira que se fosse filha dela ia tomar uma injeção de um lado e um tapa de um outro (se referindo ao fato de eu estar bêbada durante o abuso).
Aguardo agora quando for chamada novamente para prestar depoimento, além do laudo dos exames. Procuro ainda por um advogad@, pois acho que será necessário futuramente. Mesmo uma mulher que tem informação não sabe como se comportar diante de uma situação dessas. O medo e o julgamento da sociedade é o que primeiramente nos vem a cabeça, sentimos o peso da impunidade antes mesmo que ela aconteça.
A internet pouco ajuda na informação para a mulher nesses casos. São tópicos confusos e notícias aleatórias. Espero que possamos fazer um guia para instruir outras fiquem desnorteadas em meio a essas situações.

Eu de novo: Nos outros pedidos de ajuda que recebi por email, entrei em contato com uma promotora de Brasília. Mas tanto eu quanto ela sentimos falta de um blog ou site na internet que responda dúvidas e oriente vítimas em casos de estupro. Cursos de Direito, mobilizem-se! Que tal algumas universidades entrarem com um projeto de extensão para poderem oferecer este importante serviço? E vamos criar uma lista de advogad@s que tenham experiência em condenações de casos de estupro? Podemos ver claramente que vivemos numa cultura de estupro quando é mais fácil encontrar filmes pornô simulando estupro e piadas de estupro e anúncios estimulando o estupro do que ajuda a vítimas reais de estupro. Até quando?


Recapitulando...O que este post gerou, além de vários comentários cheios de ódio de mascutrolls, já deletados: Duas advogadas de SP me passaram seus emails, que eu passei pra A. Tamara, uma estudante de Direito da Universidade Federal do Pará, se pôs à disposição para, em seu blog, orientar vítimas de violência sexual. Dandara, o coletivo feminista de Direito da USP, informou que mulheres da região de SP podem procurar a União de Mulheres ou a SOF (Sempreviva Organização Feminista). A Su passou um guia de assistência a mulheres e adolescentes das regiões metropolitanas de SP, Recife e Porto Alegre. Virginia criou um bloge um grupo de apoio no Google para que sobreviventes de qualquer tipo de violência possam ajudar umas às outras. Conceição, Amanda e outras blogueiras já tinham iniciado um blog de suporte. E isto é só o começo. Espero, de coração, que as mulheres desesperadas que venham à internet saber o que fazer em casos de estupro tenham um pouco mais de apoio. Porque isso é o mínimo que se pode esperar de um mundo que se diz igualitário e humano.




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