GUEST POST: NÃO MEXA EM MULHER INCONSCIENTE
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GUEST POST: NÃO MEXA EM MULHER INCONSCIENTE


Na história original da Bela Adormecida, o príncipe a estupra

A R. me enviou este relato, que é tão comum quanto doloroso.

Olá, Lola. Li este guest post de uma leitora sobre o estuprador que não sabe que a estuprou e decidi contar meu caso também. Mas já digo de antemão que só faço isso porque me sinto relativamente bem resolvida com o caso, graças à terapia. Do contrário, eu não ia me arriscar a ter meu caso julgado por comentaristas, a ter minha dor diminuída. Eu sei que isso ocorrerá de qualquer maneira, mas tenho certeza do que passei, e é isso que importa.
Eu também fui estuprada. E meu estuprador não sabe que foi um estupro. Mas é possível que saiba que fez algo errado, embora não se arrependa.
Conheci o rapaz de vista no restaurante universitário, e o achei atraente. Pelas camisetas, descobri qual era seu curso e não foi difícil encontrá-lo nas redes sociais. Vi que tínhamos uma amiga em comum, e pedi a ela que nos apresentasse qualquer dia.
Foi num final de semestre. Eu tinha acabado de sair de uma prova, e estava indo a uma festa de despedida de um amigo que desistiu do curso. Encontrei a tal amiga em comum. Como o rapaz estava presente, ela nos apresentou. Ele me ofereceu uma bebida artesanal muito forte, comum nessas festas. Fiquei bastante alterada, nunca tinha tomado aquela bebida, mas conhecia sua fama.
Conversei com o rapaz quando a confraternização já estava no fim. 
Nesse momento a história começa a ficar um pouco confusa porque a bebida que eu tomei era muito forte, e eu apaguei alguns detalhes da memória. Acho que trocamos uns beijos, mas não lembro ao certo. Também lembro que aceitei uma carona. Aqui eu não posso falar com certeza, mas lembro bem da minha intenção: eu queria dormir em casa. Minha mãe iria chegar no outro dia de manhã. Não lembro se ele ofereceu me levar na minha casa, ou se me convidou pra ir para a república dele. Só sei que jamais pretendi dormir lá, no máximo passar um tempinho.
E lembro de ter entrado no carro, de ter outras pessoas junto. Eu devo até ter cochilado, porque não lembro do trajeto. A bebida tinha me derrubado. Lembro até que fiquei surpresa quando me vi chegando na garagem da república, não esperando estar lá. E aí vai ficando mais e mais obscuro, porque não me lembro como entrei lá, se as luzes estavam acesas... Eu estava embriagada de verdade! Lembro de ter entrado num quarto e trocado uns beijos, quase sem forças. E logo depois um apagão.
E aí eu acordo com a cabeça virada para o lado. Havia um computador ligado bem do meu lado, e a luz me incomodou. E quando eu olho para a frente, lá estava o cara! Foi aí que recobrei os sentidos; eu estava com a calça jeans e a calcinha abaixadas, e o cara estava me penetrando.
Tomei um susto, mas fiquei imóvel. não sabia o que fazer, achei surreal. E aí meio que me desliguei da cena. Parecido com que a A. do guest post falou, eu me desliguei do corpo. Nem sentia ele me penetrar.
Aquele quarto não deveria ser dele, porque logo apareceu um cara, e saímos de lá. Essa parte eu ainda lembro em flashes. Não lembro direito do que aconteceu no segundo quarto. Mas lembro ter pensado algo do tipo "putz, agora que comecei"...
A partir daí fiz sexo consentido com o cara. Muito bêbada ainda, mas sabia o que tava rolando. Acabei dormindo lá, e acordei com aquela sensação de ter levado um balde de água fria. Porque além de tudo durante a noite eu percebi que o cara era um mala, meio grosseiro às vezes. Não diria violento, mas rude, frio.
Fui embora de manhã, com uma ressaca absurda. Me lembro bem do meu primeiro xixi da manha: ardeu muito! Mas não dei muita bola pro fato. Fiquei com a sensação que tinha algo bem errado, mas não sabia nomear. Me sentia mal, mas não tinha raiva do cara nem nada. Me sentia mal comigo mesma.
Saí de ferias, e mais uma bomba: mesmo tomando pílula, minha menstruação estava atrasada três semanas. Foi quando cogitei que algo estava muito errado MESMO! Discutindo com minha melhor amiga, percebi que na parte que eu estava mais consciente, eu sabia ter usado camisinha. Mas na parte que aconteceu no primeiro quarto, não fazia ideia! Não lembrava de jeito nenhum. E a história se tornou ainda mais insuportável, porque eu podia estar grávida. Me senti extremamente impotente.
Fiz o teste de gravidez, que deu negativo. Dois dias depois minha menstruação desceu, e eu decidi não contar nada pro cara. Durante as férias até nos comunicamos pela internet, mas ele era frio. Achei que não valia a pena.
Essa história aconteceu em 2008. Eu descobri que o que sofri foi um estupro de vulnerável no seu blog, Lola, na postagem relativa à suspeita de estupro no BBB, em janeiro do ano passado. E não foi de imediato. Foi quase no centésimo comentário, com várias garotas contando histórias parecidas, e/ou dizendo como aquele tipo de coisa era naturalizada.
Meu mundo caiu por um tempo. Senti culpa, muita culpa. Principalmente por não ter reconhecido, por ter consentido fazer sexo com o cara depois, por nunca tê-lo denunciado. 
Talvez, no fundo, eu até soubesse que era um estupro, porque eu nunca havia contado para minha  melhor amiga o detalhe importantíssimo de ter acordado sem a parte debaixo da roupa. Assim que ela soube disso ela tipificou na hora como estupro de vulnerável. Mas não foi assim com outras pessoas.
Contei para algumas pessoas que eu achava confiáveis, e a maioria disse que "não era como eu pensava". Primeiro porque "o caso do BBB não era estupro" (isso antes da Monique sair da casa e fazer qualquer declaração a respeito), porque "ela se mexia no vídeo". Outros disseram que era um certo exagero, porque eu deixei depois. Ou que ia ser preciso assinar um contrato de consensualidade antes de transar. Coisas do tipo, acho que você já conhece bem.
Eu sofri TANTO com essas críticas... porque o que martelava na minha cabeça era: por que eu não reagi? Por que não o mandei parar? A culpa era minha, eu não demonstrei o suficiente que eu não queria. Aliás, será que eu não queria mesmo?
Aí foi preciso conversar com minha terapeuta pra perceber algumas coisas. Eu mentalizei muito minhas intenções no dia, embora fosse um passado distante e eu estivesse bêbada. Em nenhum momento eu tive intenção de transar com ele. Eu queria uns amassos e nada mais. Não tenho problema nenhum em transar na primeira noite, mas não estava a fim, não planejava, não tive tesão. Então em nenhuma hipótese aconteceu de eu consentir, mas não lembrar. Não podia consentir algo que eu não queria, mesmo bêbada. Isso é uma coisa que me atormentou um bocado, mas hoje tenho certeza e faz todo o sentido. Ainda mais pelo susto que levei quando vi o cara me penetrando.
E não se pode negar que embora eu tenha beijado o cara e tudo mais, houve um momento em que eu apaguei em cima de uma cama, e enquanto eu estava de olhos fechados, o cara tirou minha roupa. Com meu corpo inerte. Duvido muito que o cara achasse que uma desacordada estava "querendo". É por isso que eu acho que ele de certa forma saiba que agiu errado. Ou não, graças à cultura de estupro.
Na terapia descobri porque não neguei depois que retomei a consciência, e até consenti. Posso adiantar que já vem história de horror novamente.
Pelo menos dos 5 aos 7 anos (a época que eu lembro), fui abusada sexualmente por um parente de 12 anos. Nós ficávamos nus, e ele me pedia para masturbá-lo. Não com essas palavras. Não me lembro de tê-lo visto ter um orgasmo alguma vez. Não sabia pra que aquilo servia, só que não devia ser muito correto, porque não podia contar pra ninguém.
Minha terapeuta explicou que através desses abusos eu naturalizei agir passivamente frente a situações sexuais desconfortáveis. Porque pra mim, era importante não decepcionar meu parente tão querido, embora eu me sentisse mal. Então de certa forma eu desaprendi a dizer "não". Isso se refletiu diversas vezes na minha vida, como em passadas de mão indiscretas, e até em consentir fantasias do meu namorado que eu não curtia.
Hoje estou bem, tive um bom suporte emocional, vindo de alguns poucos amigos mais empático e do meu atual namorado. Ainda tenho pensamentos de como fazer o cara que me estuprou se sentir mal pelo que fez, mas não vejo como. Entrar na justiça não está nos meus planos, porque é um caso difícil de provar. Me contento em fazer a minha parte contando minha história.
Ninguém na minha família sabe. Sou filha, irmã, prima, neta de tanta gente, e nem passa pela cabeça deles as violências que passei. Pode ter um caso assim na sua família também. Ou com uma amiga de trabalho. Somos muitas, e a imensa maioria de nossos algozes estão impunes, fazendo mais e mais vítimas.
E o que se pode fazer? Educar! Falar pro seu amigo no bar que não é legal embebedar a garota pra ela ficar mais soltinha. Dizer pro seu filho que "não" quer dizer "não". E que não se mexe em pessoa inconsciente, a não ser pra ajudar. Parece tão óbvio, mas no nosso mundo doente infelizmente não é.




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