GUEST POST: MULHER QUE ESTUPROU UM HOMEM
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GUEST POST: MULHER QUE ESTUPROU UM HOMEM


A S. me enviou este email:

Minha história não deixa de ser uma história de machismo, e de extrema tolerância quanto ao estupro de homens. Sim, ele acontece, e aconteceu comigo.
Estou fazendo faculdade, e um tempo atrás eu e a minha turma viajamos juntos e ficamos todos hospedados no mesmo albergue.
Desde o começo, eu estava interessada em um dos meus colegas, alguns anos mais jovem. Ele tem namorada, e eu tenho namorado, mas ignorei tudo isso e botei na cabeça que tinha que ficar com ele. Minhas primeiras tentativas foram ainda durante as aulas, antes da viagem. Eu percebi que ele era daqueles tipos que dão mole e fazem piadinhas com todas as meninas, inclusive comigo, e como sou muito pró-ativa, apareci um dia na casa dele, com uma desculpa qualquer, apenas para ver se alguma coisa rolava. Conversamos por algum tempo e vi que aquela faceta de Don Juan dele sumiu quando estávamos juntos. Fiquei um pouco decepcionada, mas tudo bem, fui embora conformada.
Alguns dias depois tivemos uma conversinha picante pela internet. Fizemos sexo virtual, mas estávamos ambos bêbados (e sabíamos disso), e ele disse que não queria se lembrar disso no dia seguinte porque éramos colegas e comprometidos. Mas eu ignorei esse pedido e no dia seguinte apareci de novo na casa dele, deixando claro logo de cara que o meu propósito era o de transar com ele. 
Ele me recebeu muito bem, foi muito fofo e delicado, mas disse que não queria trair a namorada, que eu também deveria pensar nisso, que ele quer fazer as coisas direito e não queria estragar a amizade. Confesso que fiquei confusa mas ao mesmo tempo feliz por não ter levado um fora muito feio e vergonhoso. Nossa relação mudou depois disso, ficamos mais amigos, mais próximos e relaxados. Toda aquela tensão parecia ter ido embora.
Mas isso durou apenas até a nossa viagem. Tínhamos que passar alguns dias juntos, e eu já fui pensando em seduzi-lo. Na primeira noite em que ficamos todos bêbados, eu o segui até o banheiro do albergue durante uma festa (o banheiro era unissex) e, quando ele estava saindo, comecei a empurrá-lo para um dos toaletes. Ele repetia "não posso, não posso", e eu só dizia "pode sim". Resultado: entramos no banheiro, abri a calça dele e fizemos sexo. Ele deixou, mas logo depois parou e saiu do banheiro, visivelmente nervoso. Me disse que tinha que ir embora e desapareceu.
Me senti muito mal no dia seguinte, principalmente porque acompanho seu blog e sei exatamente que se fosse com o sexo oposto, isso seria um estupro e ponto. Contei para uma amiga feminista e ela disse que não foi estupro, mas nada me tira da cabeça que foi sim e que sou uma estupradora.
Já tive esse tipo de comportamento (mais agressivo, digamos assim) com outros parceiros, mas estava claro que eles gostavam de mim e estavam curtindo a situação. Essa foi a primeira vez que isso saiu do meu controle, e claro, não posso culpar a bebida, mas acho que estar alcoolizada ajudou para que isso aflorasse em mim.
Nos outros dias continuamos a nos falar e ele ficou incrivelmente carinhoso comigo. Como nunca foi. Uns dias depois ficamos bêbados novamente e dessa vez foi ele quem pediu para fazermos sexo. Fomos ao mesmo banheiro e fizemos tudo novamente, mas dessa vez consentido. E acabou tudo por aí. Voltamos para a nossa cidade e não se falou mais disso.
O problema é que eu continuo achando que fiz algo muito errado, que forcei alguém a fazer algo que não queria. Só porque ele é homem não significa que não possa ser estuprado. Pelo contrário, acho que homens têm a cultura do macho que faz com que sintam que eles precisam aceitar, que não podem reagir a um tipo de ataque desses, que serão frouxos se não fizerem isso. O pior é que tínhamos conversado e ele tinha deixado claro que isso não aconteceria, que não era o desejo dele, mas acabei forçando a barra, simplesmente porque não queria aceitar a rejeição. 
Lola, estou muito confusa. Todas as pessoas para as quais contei isso dizem que não foi estupro, mas no fundo eu sinto que foi, e me sinto péssima. Quero saber a sua opinião e a dxs leitorxs do blog, porque isso está me consumindo. Não sei exatamente como agir com ele, se devo pedir desculpas, tentar corrigir a situação de alguma forma. Estou totalmente sem ação e cada vez mais introspectiva, coisa que não sou.
Me ajude, por favor.

Minha resposta: Muito corajoso seu depoimento, S.
É, eu acho que você tem razão. Creio que foi estupro sim. Se algo muito parecido tivesse acontecido com uma mulher, a gente acharia que foi estupro, certo? Quer dizer, é difícil comparar, porque há uma falsa simetria. De modo geral, homens crescem ouvindo que têm que transar com qualquer coisa do sexo feminino que se mexa (ou até que não se mexa, caso de rapazes que decidem transar com mulheres que capotaram após beber demais). Se rejeitarem alguém, sua masculinidade será posta em dúvida. Quanto mais parceiras sexuais, melhor. 
E pra mulheres é bem diferente. Primeiro que estupro é um medo constante pra gente desde pequenas. Segundo que somos educadas a "nos valorizar" (argh, que termo horrível!), ou seja, a só "liberar" (argh! argh!) sexo pro rapaz certo, quando estivermos apaixonadas ou com o pé no altar. E um monte de mulheres quer fazer -- e faz -- sexo casual, sem compromisso, sem envolvimento amoroso, com um monte de caras. Mas somos severamente julgadas (às vezes pelos mesmos caras com que transamos!) por um comportamento que, no homem, é valorizado. Em outras palavras, é complicado simplesmente reverter a situação.
Mas isso não tira o fato que seu amigo não queria, que ele disse não, que ele já havia dito não antes, e que ele tinha motivos pra não querer transar contigo. A ereção não representa consentimento, a meu ver. Uma mulher pode ficar excitada mesmo sem consentir fazer sexo. Seu amigo até pode ser mais forte que você, mas adotar esse argumento da força não faz muito sentido. Muitos estupros acontecem sem ameaça física, só com ameaças verbais.
O estupro de homens existe, só que quase sempre os estupradores também são homens. Obviamente, pode ser uma situação tão horrível quanto o estupro de mulheres. Por ser muito mais incomum, homens que são vítimas de estupro têm dificuldade em procurar e encontrar ajuda. E, num caso como o seu, a maior parte das pessoas vai pensar que não foi estupro, porque "homem que é homem" sempre quer transar. Essa é uma visão machista. Tão machista quanto achar que mulher feia não é e nem pode ser estuprada, porque trata-se apenas de uma oportunidade de sexo pra ela.
Já é um passo positivo que você esteja arrependida e sentindo-se mal com isso tudo. Eu recomendo conversar com seu amigo e pedir muitas desculpas. Ele provavelmente vai dizer que não foi estupro, porque ele foi condicionado a pensar que homem não pode dizer não. E, se ele quiser encarar o que aconteceu como não-estupro, respeite sua decisão. Ele é a vítima. Ele é quem decide.
Se a conversa com ele não aliviar sua culpa, faça terapia. Eu não quero que você seja punida. Não te vejo como um perigo pra sociedade. Acredito que você nunca mais estuprará alguém de novo. Só espero que você e seu amigo possam se recuperar deste trauma.
E nem quero que você mude seu jeito de ser. É ótimo que mulheres tomem a iniciativa, que vão atrás de sexo (se bem que a opinião do seu namorado está faltando aqui -- espero que vocês tenham um relacionamento aberto). Mas sempre com consentimento.




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