GUEST POST: MEU ESTUPRADOR NÃO SABE QUE ME ESTUPROU
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GUEST POST: MEU ESTUPRADOR NÃO SABE QUE ME ESTUPROU


A. me enviou este relato terrível, terrível.

Caí de paraquedas no seu blog há uns dias, e li dezenas de posts seguidos.
Eu sou o tipo de menina que teve a sua fase super feminista, mas que depois acabou deixando essas coisas de lado e aceitando o papo que ficam jogando na nossa cara de que já conseguimos igualdade e que somos exageradas e tal. Mas algumas coisas me fizeram cair nesse meio feminista de novo. A esposa de um amigo, que é antropóloga e que vive falando sobre isso, o pessoal da faculdade, a Marcha das Vadias... Tudo se juntou e voltei a pensar no feminismo.
E, entre os vários posts que eu li, alguns me tocaram de maneira muito profunda, principalmente os das "histórias de horror".
Ano passado aconteceu comigo uma coisa que ficou na minha cabeça por meses, mas que eu sempre espantava com aquela velha história do "você que provocou!", "ele é homem, e homens não aguentam mesmo", coisas do tipo... Bom, a história é a seguinte:
Conheci um rapaz no final do ano passado, fiquei interessada nele e comecei aquela paquera, ficava puxando assunto com ele, tentando estar por perto sempre, coisas do tipo. Até que um dia teve uma festa e um amigo dele, que sabia que eu estava interessada nele, me chamou pra ir, e disse "quem sabe não rola alguma coisa, né?". Fiquei empolgada, até porque esse amigo tinha "sondado o terreno" e me dito que ele me achava interessante.
Fui pra festa. Chegando lá encontrei o meu amigo, e depois o rapaz que eu estava interessada. Conversamos um pouco, percebi que tinha algum interesse da parte dele mesmo. Mas já era tarde, e pouco tempo depois eu disse que tinha que ir embora. Ele disse que me acompanharia até em casa, eu achei fofo e aceitei.
Ele também disse que era melhor ninguém ver a gente saindo junto porque era "proibido", já que ele era quase meu professor. Aceitei, não vi motivo pra não concordar.
Ele saiu na frente e eu fui atrás, guardando uma certa distância. Depois de um tempo, ele parou e eu o alcancei. Fomos conversando pelo caminho, falando pouco. Ele parecia do tipo mais quieto, eu era um pouco mais falante, mas depois de uns quarteirões fiquei até envergonhada por estar falando tanto, então comecei a reduzir também.
Quando chegamos em frente a minha casa ele me beijou. Ficamos um tempo ali em frente de casa nos beijando. Moro sozinha, e ele já tinha perguntado sobre isso no caminho, inclusive.
Aí ele ficou falando "Poxa, você não vai mesmo me convidar pra entrar? Não vai me oferecer nem uma água?" E eu respondia que não, meio rindo, mas certa de que não queria nada mais além naquele dia, e percebendo que o interesse dele era esse. Depois de um tempo ele pediu para usar apenas o banheiro então, já que tinha bebido muita cerveja.
Acabei permitindo. Entramos, ele foi ao banheiro e depois que saiu ficamos nos beijando um pouco, mas ele foi avançando e quando eu negava, eu pedia pra ele parar, ele dizia: "eu sei que você também quer".
Ficamos um tempo nessa, até que ele avançou com um certo grau de força. Eu não gritei. Não lutei fisicamente contra ele por muito tempo. Eu apenas resisti enquanto ele tentava tirar a minha calcinha. Pus força no braço, neguei. Disse que ele tinha que ir embora, que já era tarde, que eu queria dormir. Disse todo o tipo de coisas que vieram à mente.
Ele não parou e manteve o papo de "eu sei que você quer". Eu parei de lutar. Como algumas pessoas dizem, me afastei do meu corpo por um tempo. Era como se não fosse o meu corpo ali. Como se eu estivesse assistindo tudo de fora.
Depois de tudo ele ainda dormiu ali, na minha casa, como se fossemos um casal feliz. Eu não consegui fazer nada. Mal dormi.
Fui tomar um banho demorado e vesti a roupa para o dia seguinte. Fiquei ali parada.
Não conseguia visualizar aquilo como uma violência, por mais que de uma forma forte eu estivesse me sentindo violentada.
Tínhamos transado. Ele não me bateu. Não me xingou. E na minha cabeça bem inocente daquele momento, eu era sim culpada. Ele dizia o tempo todo esse "eu sei que você quer", e sinto como se a falta de luta tenha dito na cabeça maluca dele que eu de fato queria. Mas se eu quisesse realmente porque teria tentado me manter vestida enquanto ele tentava me despir? Por quê?
Não sei como julgar esse acontecimento até hoje. Sinto-o meio distante, ainda o sinto assim, como algo que eu não participei, como algo que vi de fora.
Hoje, depois de ler tantos posts do seu blog, sou capaz de ver que o que aconteceu foi muito errado. Mas ainda assim é difícil não me ver como absurdamente culpada pelo que aconteceu. Não sei... É como se a partir do momento que você beija o cara, troca abraços e carinhos, você estivesse dando permissão para o sexo. E não é isso! Muitas vezes estamos com um cara e não temos certeza de até onde queremos ir, mas é como se, no momento que você abraça e beija, você desse uma permissão para que ele faça o que bem entender.
É doloroso. É forte. É muito tenso.
Fico feliz de não ter ficado com trauma em relação a isso. O caso passou, e inacreditavelmente ele veio me procurar depois, querendo ficar como namoradinho comigo. Eu neguei. Neguei fortemente. Não. Uma vez basta. Não vou permitir que uma pessoa que fez isso comigo uma vez volte a minha vida.

Minha resposta: É terrível mesmo. O que vc sofreu é estupro. Vc sabe disso, só que o cara que te estuprou não sabe. Se vc tivesse dito pra ele depois, ele iria negar, ficar revoltado com a acusação, dizendo que vc queria... Há toda uma cultura muito forte de que o homem deve "insistir", "forçar a barra", de que quando a mulher diz não ela está dizendo sim. Esse cara provavelmente vai estuprar outras mulheres. Sua atitude é típica de um estuprador em série, um serial rapist. O fato d'ele não atacar mulheres desconhecidas na rua, na calada da noite, não faz dele menos estuprador. O fato de tantos homens acharem que forçar o sexo não é estupro é mais uma prova de que vivemos numa cultura de estupro.
Como perguntou a Feminista Cansada outro dia, qual a diferença entre um assaltante e um estuprador? É que ninguém defende o assaltante.
Que bom que vc não ficou traumatizada. O estupro que vc sofreu não precisa te definir. Cada pessoa tem um jeito de lidar com isso. Infelizmente, o que a maior parte das vítimas têm em comum é a culpa, a dúvida do "Será que ele me forçou?", e a tendência a ficar em silêncio, a não denunciar. Somos condicionadas a isso desde meninas. Somos educadas para ser passivas. Enquanto isso, os meninos são ensinados que a iniciativa tem que ser deles, e que sem um pouquinho de força a mulher não vai querer mesmo, que ela só está se fazendo de difícil. No fundo ela quer, como repetiu insistentemente seu estuprador.
Essa oposição forçada, essa história batida de "sexos opostos", esse exagero sobre a diferença entre os sexos, que é muito mais cultural que biológica, essa criação de que devemos educar meninos e meninas de formas distintas -- tudo isso só alimenta a cultura de estupro. E talvez seu estuprador jamais saiba.




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