"O QUE ME DÓI É ESSA IMPOTÊNCIA"
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"O QUE ME DÓI É ESSA IMPOTÊNCIA"


A S. me mandou este email:

"Fui numa festa aqui em Brasília, chamada criolina. Muito boa, boa companhia, bom ambiente. Eu estava com meu namorado, um amigo dele e uma amiga do amigo dele.
O que me irritou aconteceu quando entramos na fila pra pagar nossa consumação. O amigo do meu namorado e a amiga estavam na frente, eu e meu namorado atrás. Estávamos lá esperando quando vi um homem passar no meio da gente e passar a mão nessa amiga que estava conosco. Eu fiquei assustada na hora e minha primeira reação foi falar pra ela: "Eu vi quem foi!", mas o cara já tinha entrado no banheiro. Então ela me disse que não tinha sido a primeira vez. Ela estava muito irritada.
Eu fiquei realmente nervosa com o que tinha acontecido e quando paguei a minha parte vi que o cara também estava na fila. Falei para a amiga: "foi ele?", ela confirmou. Então eu perguntei: "Vc se importa se eu for falar com ele?" Ela respondeu que não.
Nesse momento eu já não era a pessoa mais calma da festa. Cheguei no cara e disse: "Eu vi o que vc fez! Eu vi que vc passou a mão na minha amiga! Vc tem noção de que esse tipo de coisa, na lei atual, é estupro?!" Ele tentou responder, mas não consegui formular uma frase. Eu continuei: "Vc quer ir pra delegacia comigo agora só porque vc é um babaca e acha que isso é aceitável?! Vamos pra delagacia comigo, senhor estuprador? Vamos?". Nisso meu namorado chegou, me tirou de lá e disse pro cara: "A gente tá vendo o que vc tá fazendo e isso não tá certo! Fica na sua!", e então saímos da festa.
Quando meu namorado foi me deixar em casa, nós brigamos. Ele disse que a minha abordagem está errada, que eu não vou mudar o mundo assim, que eu me arrisquei demais, que ele sabe que mesmo se eu estivesse sem nenhum homem por perto pra me defender, eu teria agido da mesma maneira. Que eu estava errada, que eu deveria ter convencido a amiga a denunciar o cara ao invés de tentar mudá-lo. Que se eu quero fazer a diferença que eu entrasse pra uma ONG, fizesse um blog e o c*ralho a quatro.
Ele tava bem irritado com a minha atitude e foi um tanto agressivo. Depois se desculpou e disse que concorda comigo em tudo, mas era um risco muito grande a se correr.
O que me dói também é o seguinte: no início do ano passado, eu fui atacada em um banheiro da UnB em dia que rolava festa lá. Eu já fiz boxe (por quatro meses, muito pouco tempo) e consegui dar uns três socos no cara e me livrar dele. Eu tinha um amigo me esperando do lado de fora do banheiro, e os seguranças da UnB já tinham sido avisados porque uma menina tinha sido ataca cinco minutos antes no mesmo banheiro. Então os seguranças aparaceram antes que o cara pensasse em sair do banheiro. Seguraram o cara até a polícia chegar.
OK, a polícia chegou. Eu, a outra guria que foi atacada e o cara que nos atacou, na mesma viatura. Na primeira metade do caminho, a gente escutou o cara pedindo desculpas. Na segunda metade, foi ele falando que ia nos matar, que ia nos perseguir e matar nossos amigos também.
No nosso depoimento, a gente citou isso e a policial (era na delegacia da mulher) perguntou se alguém poderia confirmar. Falamos dos policiais que conduziam o veículo, ela perguntou pra eles, e a resposta foi: "Não me recordo muito bem [não faziam nem dez min], mas ele pediu desculpas."
O meu ponto é: se nosso apoio na lei é falho, que segurança temos de procurá-la? Não digo que é errado! NUNCA! Sempre que sei que a lei está ao meu favor eu corro atrás, sendo fazendo BO, indo no Procon, etc. Mas eu entendo quem não tem total confiança. Eu entendo quem não se sente à vontade pra denunciar.
Acho que eu devia ter incentivado a amiga a denunciar de fato! Mas eu também penso... eu entro em muitos blogs que fazem a conscientização contra o estupro, acho linda essa divulgação. Mas os estupradores leem isso? Eles não querem saber disso, eles não pesquisam isso, eles não se interessam por isso, porque o que eles acreditam é outra coisa! Lola, me diz que estou erradíssima! Me diz que estou sendo extremamente radical. Por favor, estou frustrada demais com isso tudo! Me sentindo totalmente impotente!
Outro dia me ligaram a respeito do meu processo contra o cara que me atacou no banheiro. Perguntaram: "Vc que propor um acordo?", eu: "Como assim? Ele propôs algo?", responderam: "Não...", eu: "Vc quer que eu proponha que ele se arrependa, me peça desculpas e diga que isso nunca mais vai acontecer com ninguém?", do outro lado da linha: "Err...", eu: "Eu não tenho absolutamente nada pra propor, se ele tiver, me avise que eu penso a respeito." E desliguei.
É muita impotência. Um sentimento de impotência que parece não ter fim. Sinto que não tenho braços nem pernas, que não posso fazer nada, apesar da violência ter sido contra mim!"

Minha resposta: Esse sentimento de impotência é muito comum pra qualquer pessoa que já foi atacada (verbal ou fisicamente), que denunciou o agressor, e viu que nada foi feito. Dá muita raiva mesmo. Mas acho que temos que denunciar sempre.
É verdade, estupradores não leem blogs feministas. Mas há vários tipos de estupradores. Quem sabe esse cara que acha que tudo bem passar a mão numa menina leia blogs e reflita? (Sou otimista.) Já recebi várias mensagens de rapazes que achavam até engraçado aterrorizar uma mulher numa rua à noite, gritando-lhe "elogios", e que se arrependeram desse comportamento. E tem os caras que acham que "forçar um pouco" não têm nada de mais. Esses podem muito bem ser leitores de blogs. Além do mais, vai que o sujeito que passou a mão na sua amiga ficou completamente apavorado e nunca mais faça algo assim novamente? Pode acontecer.
Quer dizer, se dependesse da vontade de blogs feministas pra erradicar o estupro no mundo, acredite, o estupro não existiria mais. Mas nossa incapacidade de erradicar o estupro não quer dizer que não devemos falar sobre ele. Ademais, creio que falamos muito mais de cultura de estupro que de casos individuais.
Não acho que você está errada. Temos mais é que nos revoltar com a situação mesmo. E precisamos reagir, como vc reagiu: você foi pra cima do cara que passou a mão na sua amiga, você, em legítima defesa, socou um homem que queria te agarrar no banheiro, e ainda abriu processo contra ele. Isso é reação. Isso é a gente dizendo que os dias fáceis em que um sujeito nos agarrava e a gente só ficava com vergonha acabaram. Esses caras vão pensar duas vezes antes de tentarem repetir o feito.




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