GUEST POST: O HORROR DAS ESCRAVAS SEXUAIS
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GUEST POST: O HORROR DAS ESCRAVAS SEXUAIS


Semana passada publiquei um texto da Camila Ribeiro sobre prostituição. Desta vez ela colabora com um post sobre uma temática relacionada. 
Camila é formada em jornalismo, viaja muito, e passou sete meses no sudeste asiático. Escreveu um texto sobre escravas sexuais, algo bastante comum por lá (e, obviamente, não só por lá. Incluí algumas imagens daqui e de outros países ocidentais).  

Ao ler o livro Escravas Sexuais (Sexual Slaves) de Louise Brown, fiquei perplexa com a imensa rentabilidade desse mercado!
O tráfico de mulheres é um problema que atinge dimensões titânicas. Segundo dados da Organização Mundial do Trabalho, quase um milhão de pessoas são traficadas anualmente, com a finalidade de exploração sexual. Em 98% dos casos as vítimas são mulheres.
Pagar por sexo ou comprar
sexo aumenta o tráfico
humano, diz campanha
O tráfico chega a movimentar 32 bilhões de dólares por ano, sendo apontado como uma das atividades criminosas mais lucrativas.
Confesso que durante a leitura desse livro fiquei bastante perturbada. Tráfico de mulheres até então para mim se limitava à novela da Glória Peres, onde a mocinha é traficada para a Turquia e obrigada a se prostituir. Resolvi ir a fundo nesse tema ao visitar países muito pobres e ver de perto a prostituição, não podendo assim me furtar dessa realidade que me saltava aos olhos, permeando os aspectos cotidianos ao meu redor.
O mais cruel de tudo isso é que esse é um tráfico caracteristicamente silencioso, de difícil captura, velado, escamoteado, disfarçado, que passa despercebido pelos noticiários, por sua vez inundados com notícias sobre o tráfico de drogas e outras ilegalidades.
A máquina que move esse mercado é eficiente e silenciosa, a engrenagem funciona com precisão e o combustível é feito geralmente de meninas muito, mas muito pobres, que são facilmente esquecidas pela sociedade. Muitas moram em vilarejos miseráveis e não têm nem RG ou qualquer certidão.
Cartazes como o da foto ao lado são corriqueiros nos hotéis em Camboja: "Stop human trafficking and exploitation" (pare com o tráfico humano e a exploração).
Entendendo a engrenagem:
Tudo começa pela compreensão de que o casamento em boa parte da Ásia não tem nada a ver com amor e muito menos com empatia sexual, química, ou seja lá o que for. 
Trata-se de uma instituição secular: constituir família. E dentro desse acordo o homem tem uma espécie de aval para ser infiel, até porque a vida sexual com sua esposa muitas vezes é enfadonha ou inexistente.
No entanto, é preferível que o marido procure uma prostituta para aliviar suas vontades à uma amante, pois a segunda poderia extraviar o dinheiro destinado ao sustento do lar. Ainda assim a busca por esse tipo de serviço tem que ser feita à maneira asiática, com total discrição e zelo, em clubes fechados, muitas vezes camuflados como karaokês, dificilmente notados a olhos nus.
Campanha contra tráfico sexual em
Cingapura (bastante gráfico, clique
para ampliar)
O combustível desse mercado perverso é onde mora o problema, ou melhor, o tráfico. Agentes espalhados pela Ásia procuram pelas presas perfeitas, na maioria das vezes jovens virgens e muito pobres, que moram em pequenas vilas no interior da Índia ou do Camboja, mal têm dinheiro para comer, e sonham com condições melhores.
Campanha em Luxemburgo
Suas famílias as vendem para os agentes, que na maioria das vezes prometem que serão empregadas em casa de família, só que na verdade são trancafiadas em bordéis até se "acostumarem" com o novo ofício.
Outras vezes são ludibriadas com promessas de casamento e fogem com o noivo, que após um mês de pseudo matrimônio as vende ou vira uma espécie de cafetão.
Essas mulheres, muitas vezes crianças, são tudo, menos senhoras do seu destino. Esquecidas pelo governo, subnutridas, muitas vezes um estorvo para as famílias que, além da obrigação de alimentá-las, precisa pagar o dote para que elas se casem, sendo consideradas um fardo por terem nascido com dois cromossomos x,  acabam sendo alvo do tráfico de mulheres, tornando-se escravas sexuais.
Campanha na África do Sul: ela não
pode pedir ajuda
Uma das partes mais complicadas é o transporte dessas mulheres. Muitas vezes os agentes têm esquemas com os guardas das fronteiras e um preço é acertado, ou melhor, uma propina; outras vezes as meninas acabam passando despercebidas. Algumas vão por livre e espontânea vontade, acreditando que serão empregadas como garçonetes.
Em alguns casos vão sabendo que trabalharão como prostitutas, principalmente no Japão, só que chegando lá são exploradas e ameaçadas pela Yakuza, diluindo o sonho de autonomia profissional e ganhando muito aquém do combinado.
Outra maneira asquerosa de induzir uma mulher à prostituição, sobretudo na Índia, é através do estupro. É impensável nesta parte da Ásia que uma mulher se case não sendo mais virgem, quando vítima de estupro então, perde completamente sua honra, não existindo outra solução senão aderir ao mercado da prostituição, já que dificilmente irá se casar ou constituir família.
Vou traduzir aqui um dos depoimentos do livro sobre escravas sexuais de uma mulher de Bangladesh.
Campanha israelense pede
para que não sejamos
cúmplices do tráfico sexual
“Trabalhei num fábrica durante três meses e ganhei aproximadamente 50 reais. Eu dividia o quarto com uma garota, mas ela me disse que não queria mais dividir o quarto comigo porque eu não ganhava dinheiro suficiente. A partir de então eu não tinha mais onde dormir. Estava muito triste e andando pelas ruas quando uma mulher começou a falar comigo. Ela disse que poderia me arranjar um emprego, então eu a acompanhei. Ela me levou até um quarto e me deu comida, então duas outras mulheres chegaram e ela me disse para acompanhá-las, que elas me mostrariam a cidade. 
"Estava escuro e elas me colocaram numa moto. Nós fomos para um lugar bem movimentado com muitas garotas vestindo roupas estranhas e maquiadas. Quando saímos de lá uma mulher puxou o meu sari e disse que não precisaria mais usar aquele tipo de roupa. Então elas me levaram até um prédio e ficaram falando com uma outra mulher sobre mim. Eu estava muito assustada. Elas me deram uma pílula e perguntaram se eu estava me sentindo zonza. Eu não estava, mas elas me levaram para dormir.
"Na manhã seguinte um monte de meninas vieram falar comigo e disseram que eu estaria bem se fizesse o que me mandassem e acabaria me acostumando. Não entendi muito bem o que elas queriam dizer. Me disseram também que aquele lugar era bom e que eles me dariam roupa e comida.
"Naquela noite uma mulher me trancou num quarto pequeno e um homem veio e tentou me estuprar. Eu briguei com ele e ele ficou muito bravo e me disse que pagou por mim e tinha direito de fazer o que bem entendesse. A madame ficou tão brava que me bateu com cabo até meu braço ficar cheio de hematomas. Alguns clientes eram bons, quando eu dizia que não queria fazer sexo com eles, eles prometiam não contar nada a madame. Mas outros não, eles contavam para ela, que vinha e me batia de novo. Depois de cinco dias apanhando eu acabei aceitando isso″.
Em outro depoimento uma nepalesa conta: “Eu fiquei no lugar por 3 anos e durante 2 deles eu nunca saí para ver o sol. Eles nunca me deixavam. Ficava num quarto pequeno com outras duas garotas e não tinha janela. Era sempre escuro. Frequentemente nós conversávamos e gostávamos de imaginar como era lá fora com o luz do sol. Eu pensava na minha casa, mas isso só me deixava mais deprimida.”
Essa história faz parte da aclimatação da mulher no mundo da prostituição, é assim que elas acabam se conformando com o destino que lhes foi forçado. Se não bastasse isso, acumulam dívidas com os donos do bordéis, como roupas e comida, e dessa maneira entram num círculo vicioso e nunca conseguem pagar o que devem para se verem livres. Muitas vezes quando conseguem quitar suas dívidas já estão em idade avançada e não têm a mesma facilidade para atrair clientes.
Da campanha "Nenhuma criança à
venda": Crianças a partir dos 6 anos
são vendidas para o tráfico sexual"
Aliás, o fator idade é fundamental no mercado asiático de prostituição. Enquanto os homens ocidentais priorizam uma mulher experiente, os asiáticos preferem as mais novas, inexperientes, que assegurem que sua performance será satisfatória, não provocando insegurança. Aos 23 anos a carreira de uma prostituta já está quase no fim. As mais caras e cobiçadas são as virgens de pele clara, que podem valer uma nota preta.
Muitos japoneses ricos ou chineses pagam uma bagatela para tirar a virgindade de uma menina, ainda mais com a certeza de que ela é livre de doenças sexuais. Essa obsessão por virgens acaba freando alguns estupros, pois se uma virgem é prometida e sofre estupro, a reputação do traficante é manchada.
Algumas prostitutas acabam conseguindo juntar dinheiro e abrem um salão de beleza ou algo de gênero. Outro número representativo acaba contaminado por HIV ou outras doenças sexualmente transmissíveis.
Uma prostituta de Bangladesh revela: “Nós temos comida boa aqui no bordel, mesmo assim eu continuo perdendo peso por que eu sempre tenho alguma doença sexual. Me sinto doente e não consigo comer. Alguém nos traz um monte de remédios diferentes porque nós não podemos ir a um médico.”
A maioria não consegue voltar para a vila da onde foram tiradas, pois serão humilhadas e sofrerão preconceito, só encontrando aceitação no mundo da prostituição, sua "nova família". Como narra essa mulher: “Eu não gosto desse trabalho, mas não existe nada além disso que eu possa fazer, eu não tenho marido nem família. Sou uma mulher ignorante. Esse trabalho, entreter homem, é a única coisa que eu sei fazer.″
Como se reinventa uma mulher vítima do tráfico? Quais oportunidades lhe são dadas? Para a grande maioria o fim é triste. Isoladas da família, muitas com DSTs, procuram ONGs ou algum tipo de ajuda para não morrerem de fome. 
Outras, a minoria, acabam se tornando agentes e são promovidas de vítimas a algozes, perpetuando assim esse ciclo malévolo, usando sua experiência para encontrar as presas perfeitas e tornarem-se "madames" dos bordéis. 
E assim o mercado continua aquecido.
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Campanha contra o turismo sexual
Saiba mais sobre tráfico humano usado na prostituição: neste post de 2012, comento alguns números aterrorizantes no mundo. Este texto em inglês trata da colonização do corpo feminino.
Esta campanha alemã de 2009 colocou uma loira numa mala para mostrar o terror do tráfico sexual. 
Este comercial britânico diz: 
"A cada minuto, uma pessoa é usada para tráfico sexual. Não feche os olhos para os perigos do tráfico humano. A cada minuto, outra jovem é traficada pela exploração sexual. Você pode parar isso". 
Há campanhas mais recentes, como a Nenhuma Criança à Venda. Nesta matéria há vários outros exemplos.
Aqui há uma lista de filmes e documentários sobre tráfico humano e escravidão moderna. O mais famoso talvez seja Nascidos nos Bordéis, da Índia. Outra lista aqui.
O filme Desaparecidos, de 2007, não é muito bom, mas trata de um assunto terrível que poucos conhecem: todo ano, 50 mil mulheres e crianças são trazidas ilegalmente pros EUA para serem escravizadas sexualmente. Ou seja, o tráfico humano para exploração sexual está longe de acontecer apenas no sudeste asiático...




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