“Sua experiência de ter sido estuprada é absolutamente irrelevante”.
“Ninguém no programa de rádio usou a palavra 'estupro'. Falaram de segurar a mulher e do horror no seu rosto, mas isso não tem nada a ver com estuprar”. [Não, claro, isso é fazer amor].
“Você é uma vaca gorda sem senso de humor”.
“Você é uma mentirosa. Inventou essa história pra promover o seu feminismo. Mas se por acaso você não estiver mentindo, pelo menos uma vez na sua vida patética você conseguiu ser útil”.
“'Estuprar alguém até à morte' é apenas uma expressão. Significa f**** uma fêmea tão bem que ser f***da de novo é a única coisa importante pra ela. E isso é basicamente o que toda garota quer, transar tão gostoso que ela tem que idolatrar o pênis. Você sabe que é verdade”.
“Ouça, sua vadia, você obviamente não faz a menor idéia do que está dizendo. Você é uma imbecil irracional e emotiva incapaz de raciocinar sobre qualquer coisa. Você não deveria estragar a vida de outras pessoas à sua volta”.
“Não minta só porque ele te abandonou depois de ter acabado. Foi a melhor transa que você já teve”.
“Espero que você pegue AIDS quando for estuprada por um sem-teto nos becos de NY, sua vadia”.
“A única tragédia é que um tiro não acabou com você depois de ter sido usada pra única utilidade que você tem no mundo. Você deveria se considerar sortuda que algum homem achou uma ogra horrorosa como você 'estuprável'”.
“Uma pena que o estuprador não te matou, sua vaca”.
“Alguém deveria jogar todas essas vadias fracassadas numa máquina de lavar com o Magic Johnson [porque ele tem AIDS] e um monte de navalhas junto”.
“Feminazis como você estão arruinando este país [EUA]”. [Já é a terceira vez que ouço esse termo, mistura de feministas com nazistas. Deve estar na moda. Se você ainda não está convencido(a) do horror desses comentários, tem mais aqui].
O que tenho dificuldade pra entender é o porquê de tanto ódio. Me impressiona que, onde houver um relato de uma mulher violentada, haverá dúzias de homens que sentem-se no dever de deixar claro que aquela mulher é uma mentirosa e/ou teve sorte de algum cara se interessar por ela. Tá, sei que há muitos adolescentes na internet que adoram redigir as bobagens mais atrozes apenas para chocar. Mas ninguém destila tanto ódio no vácuo. É impossível escrever “uma pena que o estuprador não te matou” ou declarar a famosa “estupra, mas não mata” do Maluf sem estar expressando uma parte do que você acredita. E certamente nem todos os trogloditas que mandaram as observações acima eram teens brincando de ofender. Tem adulto no meio, e aí eu volto a minha hipótese dos bullies que sentem saudades dos seus tempos de escola, quando podiam pisar nas suas vítimas. Ao crescer, esses bullies se aproveitam do anonimato da internet. Mas por que tantos homens odeiam as mulheres?
Eu sou feminista, ou feminazi, se preferir, desde que me conheço por gente. Tenho desenhos meus de quando eu mal sabia escrever defendendo o “poder da mulher”. Não li tantos livros feministas como devia. Mas recentemente li um clássico da década de 70, The Female Eunuch (A Mulher Eunuco) da Germaine Greer, que diz, com todas as letras, uma frase com a qual concordo 100%: “nós mulheres precisamos deixar de ser as maiores aliadas do capitalismo”. Há vários outros pontos válidos nesse livro obrigatório (e pouco datado). Mas o que mais me devastou foi quando ela cita uma passagem inteira do romance Última Saída para Brooklyn, do Hubert Selby Jr. É a passagem terrível em que a prostituta Tralala é violentada por dezenas de homens, que fazem fila não apenas para estuprá-la, mas também para bater-lhe no rosto, quebrando seus dentes, e para enfiar-lhe uma garrafa na vagina (o filme de 1989, Noites Violentas no Brooklyn, com Jennifer Jason Leigh, felizmente é menos explícito). Germaine Greer usa essa passagem para apontar que ninguém odeia as mulheres mais do que nós mesmas. Hmm, tenho dúvidas. Podemos abominar nossos corpos, é verdade, mas alguma mulher escreveria pra uma vítima de estupro chamando-a de mentirosa e dirigindo-lhe todos os abusos acima? Não acredito. O que vejo é como o que somos determina o que acreditamos. Por exemplo, fico chocada ao ver críticos homens aparentemente bem-intencionados, pouco parecidos com os trogloditas de plantão, que quando falam sobre Última Saída para Brooklyn “resvalam” em observações como “Tralala provocou os homens e sabia o que ia acontecer”. Pois é, só tem uma coisa que prostitutas gostam de fazer mais do que transar – serem violentadas.