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Análise: aliança de GM e PSA começa a cumprir 'profecia dos seis grupos'

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  • Aliança em ação: Journey e Freemont são um só carro com nomes e badges diferentes para levar a Dodge à Europa e, na mão oposta, dar um inédito crossover familiar à Fiat
    Aliança em ação: Journey e Freemont são um só carro com nomes e badges diferentes para levar a Dodge à Europa e, na mão oposta, dar um inédito crossover familiar à Fiat
O anúncio da aliança entre a General Motors e o grupo PSA Peugeot Citroën, na semana passada, é mais um sinal de que a indústria automotiva corre contra o tempo para se adaptar a um ambiente econômico e geopolítico em transformação.

De uma discreta participação acionária de 7% da GM na Peugeot, e de corriqueiras estratégias conjuntas para economizar US$ 2 bilhões anualmente em custos diversos, o chefão da PSA, Phillipe Varin, já fala em compartilhar linhas de montagem (Peugeot usa Opel, Opel usa Peugeot), enquanto um jornal alemão aponta até a plataforma que seria aproveitada para novos modelos médios da aliança -- a do Insignia, premiado sedã da Opel.

Fica comprovado o tino de Sergio Marchionne, chefão de outra aliança, a de Fiat e Chrysler, que vem repetindo acreditar numa indústria automotiva com até seis grandes grupos industriais, sem "players" menores -- estes seriam gradualmente absorvidos pelos maiores, ou simplesmente fechariam as portas.

PRINCIPAIS ALIANÇAS AUTOMOTIVAS



Desde: 1999
Quem manda: Carlos Ghosn, brasileiro
Como funciona: Há compartilhamento de fábricas, plataformas e pontos de venda. Atualmente, a prioridade é fortalecer a japonesa, enquanto a francesa aproveita cada vez mais os produtos de sua subsidiária romena, a Dacia, nos mercados emergentes. O sistema da parceria é de troca de ações, ou seja, nenhuma é dona da outra.
O que você vê nas ruas: Renault Fluence usa o trem de força do Nissan Sentra. Lá fora, Nissan Qashqai e Renault Koleos são o mesmo carro.
Vendas globais em 2011: 8 milhões
Posição no mercado: 3º maior do mundo


Desde: 2010
Quem manda: Sergio Marchionne
Como funciona: A Chrysler foi sendo incorporada pela Fiat aos poucos desde a catástrofe financeira de 2009, e hoje o grupo italiano detém 58,5% das ações (o resto é do sindicato United Auto Workers). A operação foi incentivada por Barack Obama. A Chrysler reabre as portas dos EUA para a Fiat (e sua marca premium, Alfa Romeo), e a Fiat leva a Chrysler à Europa, onde atua como Lancia.
O que você vê nas ruas: Dodge Journey e Fiat Freemont, Cinquecento mexicano (e mais barato).
Vendas globais em 2011: 4 milhões
Posição no mercado: 7º maior grupo


Desde: 2012
Quem manda: Alguém da General Motors e/ou do governo Obama
Como funciona: A GM comprou 7% da Peugeot, garantindo capitalização de curto prazo ao grupo francês; em médio prazo, a ideia é cortar custos em logística e na criação de carros, além de compartilhar linhas de montagem.
O que você vê nas ruas: Nada, ainda. Só em 2016.
Vendas globais em 2011: 12,5 milhões
Posição no mercado: Maior do mundo
Cada um desses megagrupos terá várias marcas, boa parte delas competidoras entre si. No entanto, cada vez mais os carros serão variações sobre plataformas compartilhadas. No Brasil, o caso mais conspícuo é o da própria PSA, que mantém Citroën e Peugeot como rivais, e de Hyundai e Kia, que brigam até na publicidade. Seus produtos, no entanto, usam os mesmos motores, transmissões e demais partes. Mudam as cascas e o status, a depender da imagem da marca.

As alianças GM-PSA e Fiat-Chrysler e o vaticínio de Marchionne dão musculatura a especulações sobre quais seriam os seis grandes grupos automotivos do futuro. Hoje, as empresas candidatas a nave-mãe, por ordem de vendas em 2011, sãoGeneral Motors, Volkswagen, Renault-Nissan, Toyota, Hyundai-Kia e Ford.

Todas as demais, inclusive a própria Fiat-Chrysler (sétimo lugar no ranking de 2011), acabariam -- de um modo ou outro -- recorrendo a estas para sobreviver. A lista tem nomes fortes como Honda, Suzuki, Mitsubishi, Peugeot, Citroën... A ver.

TEMPO DE MUDAR
A reformulação da indústria automotiva parece inevitável quando alguns dos chamados "mercados maduros", de países desenvolvidos, parecem ter passado ao próximo estágio -- o apodrecimento. É o que se vê na Europa.

Ao mesmo tempo, os chamados países emergentes consomem cada vez mais carros. A China é o maior mercado do mundo, e o Brasil, o quarto, à frente da poderosa Alemanha, sede de várias fabricantes de peso.

A questão energética é global, assim como o da poluição. Nesse cenário tenso e de frágil equilíbrio entre as várias peças dispostas no tabuleiro automotivo (grandes corporações, governos, investidores, marcas, distribuidores, consumidores etc.), jogadas que antes poderiam parecer impensáveis (ou impossíveis) são encetadas.

Por exemplo, aquela que levou uma tradicional fabricante de carros, talvez a mais "ianque delas", acostumada a vender "barcas" a um consumidor fanático por beberrões motores V8, oferecer-se toda a uma italiana especlalista em carros pequenos, econômicos e com histórico de fracasso nos EUA. Foi assim com Chrysler e Fiat.

Outro lance ousado foi confiar o desenvolvimento de produto globais a equipes estrangeiras à matriz, e depois iniciar a produção deles em mercados robustos, mas fora do eixo EUA-Europa. Aconteceu com a nova geração da Chevrolet S10, projetada por brasileiros e lançada na Tailândia, e com o novo Ford EcoSport, outro projeto brasileiro, este apresentado em janeiro passado na Índia.

O objetivo último, evidentemente, é adequar-se à nova realidade dos mercados para cortar custos e, na ponta da operação, aumentar a lucratividade. Além de quem ganha, é preciso ver quem vai perder nesse processo. A boa notícia é que pode não ser o Brasil.

Autolatina e DaimlerChrysler: fracassos históricos


Juergen Schrempp (Daimler) e Robert Eaton (Chrysler) anunciam a união das empresas, em 1998

Sem querer agourar as atuais, não se deve esquecer que a história da indústria automotiva assistiu a várias alianças que não deram certo. No Brasil, as operações conjuntas de Volkswagen e Ford sob o nome Autolatina, iniciadas em 1987 e encerradas em 1996, foram um desastre completo. A joint-venture em nível local, que buscava proteger as duas fabricantes do avanço de Fiat e General Motors, não agradou às matrizes -- que continuaram concorrentes e aparentemente, perceberam que a Autolatina era mais ou menos o mesmo que tentar unificar Corinthians e Palmeiras para enfrentar o São Paulo.

Com investimentos escassos, a Autolatina deixou como herança nos ferro-velhos modelos compartilhados absolutamente medíocres, como Volkswagen Apollo e Ford Verona, e uma Ford em crise e hoje com menos de metade da participação no mercado que possuía em 1987. Fora que, neste século, a Fiat é a líder inconteste no Brasil.

Em âmbito internacional, outra aliança que deu errado foi a entre Chrysler e Daimler, controladora da Mercedes-Benz. Como narra o jornalista Paul Ingrassia no livro "Crash Course" (Random House, 2010), logo após um começo festivo e otimista em 1998, começaram os estranhamentos, primeiro pelos motivos mais absurdos. Executivos americanos e alemães passaram horas discutindo um novo padrão para os cartões de visita da DaimlerChrysler (os europeus eram maiores que os dos EUA); depois, executivos da Daimler protestaram ao ver que a logomarca da nova empresa estava em guardanapos e copos descartáveis, destinados a irem para o lixo após o uso. Já os americanos logo se encheram das viagens aéreas bate-e-volta entre Detroit e Stuttgart para comparecer a reuniões no QG da DaimlerChrysler.

PREJUÍZO FINAL
Os desentendimentos evoluíram para questões mais importantes. Os executivos americanos, por exemplo, ganhavam muito mais que os alemães. Estes não entendiam porque seus colegas dos EUA davam tantas satisfações a Wall Street, com relatórios financeiros públicos trimestrais (não obrigatórios na Alemanha).

Quando a Chrysler começou a perder dinheiro, o bigodudo Dieter Zetsche foi enviado a Detroit para, numa intervenção branca determinada pela Daimler (que sempre foi a verdadeira dona do negócio), pôr ordem na casa ianque. O lançamento do sedã 300C em 2004 injetou ânimo na companhia, mas bastou o preço da gasolina voltar a subir para que suas vendas caíssem. Ao final daquele mesmo ano, 41% dos carros vendidos nos EUA eram de origem estrangeira (especialmente asiáticos).

Em 2007, a Daimler vendeu 80% da Chrysler para uma firma de investidores com o simpático nome de Cerberus, por módicos US$ 7,4 bilhões -- em 1998, havia entrado com US$ 36 bilhões para controlar a parceira. Três anos depois, sem Zetsche (hoje chefão da Daimler) e com Sergio Marchionne, sem a Daimler e com a Fiat, a Chrysler segue à procura de um rumo.





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