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Internet: A nova guerra dos EUA
Por João Novaes, no sítio Opera Mundi:
A grande ofensiva lançada nesta sexta-feira (20/01) pelo grupo de hackers Anonymous contra o governo dos Estados Unidos, que conseguiu derrubar sites como o do FBI, do Departamento de Justiça, além das gigantes Universal e Warner, pode ser só o começo de uma longa guerra que pode durar décadas. A opinião não é só do grupo, como também de especialistas em cultura digital como o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do ABC.
Para Amadeu, a ação do governo norte-americano contra o site de armazenamento de arquivos Megaupload é, em sua opinião, uma compensação para o recuo dos projetos de Lei SOPA (Lei de Combate à Pirataria online) e PIPA (Lei de Proteção ao IP), que saíram da pauta do Congresso nesta semana. O interesse do governo norte-americano seria, nesse caso, proteger a sua indústria mais atrativa do momento, a do copyright. A intenção dos Estados Unidos com essas ações seria uma iniciativa semelhante à guerra às drogas, iniciada na segunda metade do século XX. Uma guerra que, como os próprios norte-americanos já estão admitindo, foi perdida. E Amadeu garante: perderão de novo, de maneira ainda mais retumbante.
Ex-presidente do ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação) e fervoroso defensor do software livre, Amadeu defendeu o compartilhamento digital como um direito, e nunca como um crime, como querem os EUA.
Como o sr. vê o fechamento do Megaupload e a prisão de seu fundador?
O governo norte-americano, a partir de seus segmentos mais retrógrados, fará do combate da pirataria nos próximos anos uma nova guerra contra as drogas. Eles irão buscar criminalizar a infraestrutura da rede e tentar, com isso, mover os interesses de sua maior indústria, que hoje é a indústria da propriedade intelectual, construída ainda no mundo industrial. Se somarmos o que os Estados Unidos ganham com copyright, patente ou marcas, supera-se o ganho da indústria do petróleo ou qualquer outra. Esse modelo de negócio em torno da propriedade intelectual está fracassando nas redes digitais. Porque elas são tecnologias que incentivam o compartilhamento.
O próprio computador é uma máquina de copiar algarismos. Ele trabalha com replicações constantes. Imagine uma máquina de copiar em alta velocidade em uma rede cada vez mais rápida. Esse é o cenário esquizofrênico que temos hoje. Quer-se ampliar as redes digitais e, ao mesmo tempo, impedir a cópia. Montam uma megaoperação de compartilhamento e depois dizem que compartilhar é crime.
Por que o Megaupload?
Na semana passada, usei o site para mandar um vídeo pesado, que fiz do meu celular, de 54 megabytes. Assim como há pessoas que usam o site para muitas coisas, tem gente que usa para reproduzir CDs de músicas, pegar vídeos e passar para amigos e colegas. O que acabou acontecendo? Logo depois do grande protesto contra as leis SOPA e PIPA, fizeram o que é típico da extrema-direita norte-americana. Foram atuar contra sites extremamente populares mostrando a força da ação deles em solo norte-americano. O recado é esse: “nós não precisamos de SOPA e PIPA para acabar com a ‘festa da ilegalidade’”. Ora, esse método truculento deles, que já havia sido aplicado no passado contra o Napster e o Kazaa, gerou o grande sucesso das redes peer to peer, das redes bit torrent. Não é viável a ação desses segmentos.
Mas essa não é a primeira vez que esse tipo de ação ocorre.
Não. É bom lembrar que Jack Valenti, o lendário presidente da MPAA (Motion Picture Association of America), uma das principais associações por trás desses dois projetos de lei, acionou as autoridades norte-americanas contra a Sony para impedir que a empresa japonesa lançasse o copiador de DVDs, dizendo que esse reprodutor de DVDs acabaria com a indústria cinematográfica norte-americana. Isso tanto não era verdade que a maior parte do lucro da indústria de Hollywood vem de games e depois de aparelhos reprodutores de DVDs. Se as autoridades seguissem a intenção obscura desses segmentos retrógrados, estaríamos privados de uma tecnologia, ou pelo menos atrasaríamos muito seu lançamento, para que ele fosse lançado em outro país, e não nos Estados Unidos.
É uma situação muito perigosa a que vivemos hoje. Esses segmentos, principalmente as indústrias cinematográfica e fonográfica, para manter um controle sobre a criatividade e sua lucratividade obtida no mundo industrial, querem conter o avanço tecnológico e subordinar todos os outros direitos das pessoas, de privacidade, liberdade de expressão, navegação, ao direito deles de serem proprietários de um bem ou mercadoria cultural. É um momento delicado, mas não inesperado. Sabemos já há algum tempo que as principais batalhas econômicas do século XXI certamente serão em torno da propriedade intelectual, não tenha dúvida.
Argumenta-se que pessoas que usam sites de compartilhamento somente para baixar músicas ou livros ou filmes e acabam por prejudicar os autores dessas obras. O que fazer para garantir os direitos deles e os lucros sobre os seus produtos? O site Megaupload lucrava e muito com assinaturas, estava longe de ser uma atividade filantrópica.
É verdade, não era uma rede peer do peer. Mas sabemos claramente que, nestas redes, a maioria das pessoas compartilha vídeos, filmes, textos, sem ganhar praticamente nada. Compartilham porque essa ideia de trocar bens culturais é antiquíssima. Antes de existir rede, por isso é tão difícil impedir que isso continue.
É uma ideia que existe mesmo antes da escrita.
Claro. Não fazia qualquer sentido no século XVIII alguém ser dono de uma música. Historicamente, essa questão não se colocava. Porque a música não tinha uma tecnologia que permitia a sua apropriação privada. Então, é a tecnologia de gravação que vai viabilizar um tipo de apropriação privada daquilo que sempre foi uma criação baseada na cultura coletiva. Existe a gravação, o suporte e a venda desse suporte. E a indústria cultural se organiza fundamentalmente em cima disso. Mas a tecnologia mudou. O digital liberou o texto do papel; a música do vinil; a imagem da película. E colocou sons, textos e imagens em uma única metalinguagem, que é a metalinguagem musical.
Essa mudança tecnológica vem reforçar as ações de compartilhamento que sempre foram comuns. No Brasil mesmo, que não tem banda larga estável de qualidade, que ainda tem exclusão digital profunda. Nesse país aqui, 44% dos brasileiros, compartilham músicas. Não me venham dizer que temos mais de 40 milhões de criminosos! O que as pessoas fazem é usar o potencial da tecnologia de compartilhamento. Assim como na época em que se comprava vinil, vazavam duas ou três músicas para a minha fita cassete, e eu emprestava ela para minha prima ou um amigo, e todos emprestavam para todo mundo. Ninguém chamava isso de pirataria. Os EUA, motivados pela indústria do copyright está transformando o compartilhamento em crime, na nova droga do século XXI, que vai gerar uma nova guerra.
Qual será o resultado dessa guerra?
Eles vão perder. De uma maneira mais vergonhosa do que perderam a guerra das drogas. Claro, na guerra das drogas estão envolvidas questões religiosas, preconceitos, é mais complicado. Mas é claro que a política de criminalização delas fracassou também. Há muito tempo. Isso não é sou eu que estou dizendo isso. Milton Friedman nos anos 1960 já dizia economicamente que aquela postura era um equívoco.
No caso da comunicação em rede, há outro problema. A indústria de copyright está se transformando em traficante do copyright. Está agindo de maneira truculenta. O que eles querem impedir agora é a relação direta entre o artista e o seu fã diretamente na rede. Os grandes sucesso da música sertaneja no Brasil já não se incomodam com o que essa indústria chama de pirataria. Porque eles ficam mais famosos e ganham mais dinheiro quando se copiam suas músicas.
Como instrumento de divulgação.
Sim, como o caso típico do (grupo musical) Teatro Mágico no Brasil. Estão famosos, lotam shows no norte no Brasil. E demoraram pra voltar a tocar na rádio. Porque? O que leva a música deles é a cópia. E há livros que estão disponíveis na internet que vendem no papel. As pessoas ainda querem ter livros, querem ter vínculos com o papel. O que acontece é que estão divulgando cada vez mais esse livro. Paulo Coelho [escritor que vendeu mais de 100 milhões de livros] fez ele mesmo um site para copiarem seus livros na rede. Porque ele sabe que quanto mais baixam um livro dele, mais ele fica em evidência.
O que o sr. acha da proposta de Jean-Luc Mélenchon, candidato à Presidência da França pelo Frente de Esquerda, que defendeu a criação de um site público de compartilhamento, onde todos os autores pudessem colocar suas obras gratuitamente, sem exceção – sem serem pagos por isso, teriam seus trabalhos divulgados em condições iguais.
Me parece uma iniciativa interessante que tem que levar em conta os modelos das redes. Pode dar certo, talvez não. Pode não ter um único modelo. Aliás, certamente não haverá um único modelo de produção, distribuição e remuneração da cultura. Mas acho válidas todas as tentativas, como essa, que não sejam obscuras. Agora, querer impor a todo mundo um único modelo não funcionará.
Os projetos de lei SOPA e PIPA sofreram mesmo um recuo – com o Senado adiando a votação e seus defensores no Congresso norte-americano pedindo para rever as posições? Ou elas podem ser modificadas alterando apenas detalhes da redação da lei e voltarem com mais força?
Os congressistas perceberam que não era o momento certo de votação e me parece que optaram por um acordo. Daí que veio a ideia das prisões, como a do fundador do Megaupload, e de fechar sites. Um acordo que envolveu o próprio governo de Barack Obama. Porque se essas leis passassem no Congresso, caberia a ele o poder de sancionar e vetar. E, nesse momento, ele não tem uma condição política tranquila para decidir. E, sim, é bem possível que elas (SOPA e PIPA) voltem modificadas, disfarçadamente mais brandas.
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