Jovens anarquistas
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Jovens anarquistas



Rodrigo Constantino

Quando nasceu oficialmente o partido Liber, uma iniciativa de jovens cansados de tanta intervenção estatal na economia e em nossas vidas, eu cheguei a escrever um comentário aplaudindo a empreitada. Conheço vários membros do Liber, muitos pessoalmente, e tenho admiração por eles. Sei que são pessoas sinceras na defesa da liberdade, e há muito que ser feito para o Brasil caminhar na direção mais liberal. Falta justamente um partido político para erguer esta bandeira.

Mas eu nunca dei mais do que meu apoio informal, e jamais quis aderir oficialmente ao Liber. Entre os motivos, um dos principais era justamente o desconforto com certas figuras que fazem parte do projeto. Estes jovens defendem bandeiras claramente anarquistas, e pior ainda, de uma forma totalmente radical e intransigente. Não apenas o conteúdo em si merece sérias críticas, mas principalmente a forma com a qual pregam suas crenças utópicas.

Como é característico da juventude, essa turma “sabe tudo”, quer derrubar o “sistema”, não está disposta a nenhuma contemporização, pois somente eles defendem a Verdadeira Liberdade. Os “donos da Verdade” sempre me incomodaram, pois parecem claramente em busca de uma religião dogmática, com uma postura tribal de seita fanática, que os coloca como os únicos “puros”, contra uma legião de seres imorais, alienados, ímpios e hereges.

Estão em busca de uma sensação de superioridade moral, de alguma “vibe” entorpecente que lhes fornece um propósito na vida. Mas não parecem tão preocupados de fato com os resultados concretos no mundo real. Habitam uma Torre de Marfim covarde, que condena o Estado ou o “sistema” por qualquer imperfeição da realidade, oferecendo em troca uma utopia. É muito fácil – e também desonesto – atacar os problemas reais de um não-lugar, monopolizando assim as virtudes e os fins nobres. Os socialistas são mestres nisso!

Todo “pacifista”, por exemplo, faz isso, alegando que é contra qualquer guerra. Ora, e quem seria contra a paz enquanto finalidade, à exceção de sádicos e psicopatas? Mas vamos condenar Churchill por ter liderado seu povo na luta contra o nazismo? Vamos condenar o governo americano por ter se colocado, com amplo apoio popular, contra o avanço do império soviético no mundo? Como fica claro, esta postura cômoda é também hipócrita: somente graças aos “belicosos” estes “pacifistas” podem continuar livres e em segurança, inclusive para atacar os “belicosos” e todas as guerras.

Outra postura infantil desses jovens que são contra “tudo que está aí” ficou evidente durante as eleições. Para eles, tanto faz como tanto fez petistas ou tucanos, até mesmo socialistas do PSOL, pois são todos “socialistas” segundo seus parâmetros simplistas e absurdos. Alguns chegaram a defender o voto em Tiririca, para desmoralizar de vez o Congresso, algo que lhes parece ótimo. A via política, afinal, é rejeitada por eles, que só aceitam as “trocas voluntárias” entre indivíduos. Se cada cidadão não tiver sua assinatura lá, então a Constituição é sempre ilegítima.

Trata-se de uma postura bastante boba, em minha opinião. E caberia lembrar a eles que os filhos não assinam documento algum aceitando voluntariamente as obrigações impostas pelos seus pais. Em breve eles estarão defendendo a revolução dos filhos “escravizados” que têm direito à “liberdade plena”. Talvez seja isso que está no cerne da questão mesmo: uma rebeldia adolescente contra toda forma de autoridade. É preciso “matar” o Pai. Os jovens anarquistas não aceitam nenhuma lei democrática, apenas a Lei, esta com L maiúsculo que eles descobriram com o uso da Razão infalível. Esta mentalidade pode justificar as maiores atrocidades, tudo em nome da “liberdade”.

Até aqui, nada muito novo. Jovens sempre estiveram no epicentro de movimentos revolucionários que vieram para derrubar o sistema corrupto e colocar em seu lugar as maravilhas da utopia. A diferença é que estes falam em nome do liberalismo, do capitalismo, e usam até mesmo o nome de pensadores que foram veementemente contra a anarquia, como o caso de Mises. Eles não parecem compreender que a anarquia é um meio, ou seja, a abolição do Estado, e o que vai sair disso permanece uma incógnita. Os anarquistas socialistas acham que será uma linda sociedade coletivista e igualitária, e os anarquistas “capitalistas” juram que será um maravilhoso sistema de trocas voluntárias com agências privadas ofertando segurança e vendendo leis no mercado, que obviamente serão leis jusnaturalistas, ou seja, garantidoras do direito natural e do princípio absoluto de não-agressão, a “pedra filosofal” dessa gente. Sonhar é barato. Já o pesadelo das vítimas de carne e osso de tais experimentos custa muito caro...

E por que resolvi escrever isso agora? Porque fiquei perplexo com um cartaz que alguns desses anarquistas criaram, usando o nome do Liber, e divulgaram pelo Facebook. Esse cartaz, como o leitor pode ver na foto acima, é extremamente parecido com os cartazes soviéticos que os socialistas espalharam, inspirados também nos nazistas. Ele incita a violência, ele dá vazão ao instinto básico de destruição (pulsão de morte para os freudianos) presente em todos nós, especialmente nos jovens. O que quer dizer “aniquilar o Estado”? Será que espancar um policial seria legítima defesa então, uma vez que ele representa a força oficial do Estado ilegítimo? Anarquistas sempre foram bons em disseminar a revolta e ajudar a destruir o que existe; o complicado sempre foi o que colocaram no lugar...

Portanto, eu me senti no dever de expor abertamente meu repúdio a estas iniciativas, pois também elogiei o Liber no começo. Não quero meu nome atrelado, nem indiretamente, a este tipo de pregação. Sei que tem muita gente boa ali, muito liberal decente em busca de um modelo mais eficiente e livre. Mas enquanto um grupo de anarquistas liderar este tipo de campanha, o Liber jamais deixará de ser uma simples aventura juvenil, que pode produzir uma sensação de euforia em seus membros, pois estão espalhando a Verdade, mas que não terá resultado prático algum.

PS: Talvez esses jovens devessem ler um pouco menos de Rothbard e Hoppe, e passar para leituras de pensadores como Isaiah Berlin, Karl Popper, Hayek, Thomas Sowell, e sim, também o ilustre Mises, que sabia que a polícia não deve funcionar com base na busca do lucro e que leis não são bananas para serem ofertadas no supermercado.




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