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LIBERDADE, LIBERDADE, ABRE AS ASAS SOBRE NÓS
Meu leitor João Neto, assumidamente de direita, escreveu ontem este comentário no meu post sobre eu ser forçada a ser "do lar". Como é tudo longo demais, vou responder aqui. Primeiro, o comentário dele, um pouquinho editado:"Eu acho que a gente estuda para aprender e produzir e dar retorno à sociedade com o que aprendemos com esse estudo. Sinceramente eu não entendo essa de eterno estudante. Eu já tive alguns amigos assim. Você tem quarenta anos e ainda é estudante? Não tá na hora de trabalhar? Por isso seu blog é sempre excelentemente atualizado. Seu marido é desempregado? Como assim? Isso é o retrato da esquerda. Plano de saúde de graça, transporte de graça, educação de graça. Mas quem paga? Quem trabalha e quem produz. Você [...nem pode pagar o aluguel de um carro], e se diz de classe média? Que classe média é essa? A classe média trabalha e paga os desmandos desse país, dessa esquerda que distribui o que não é dela. Classe média não vive de bolsa de estudos para estudar eternamente, pelo contrario, paga estudo para seu filho para não depender da caridade insolente desse governo obtuso, e ainda banca estudo de quem só estuda. Se você fosse 'do lar' seria mil vezes mais digna do que uma doutora sem profissão, ou seja, sem contribuir para a sociedade. [...] Minha mãe foi um dona de casa, ou seja, 'do lar', e eu tenho certeza que ela era muito, mas muito mais realizada que você! Não insulte essas mulheres com suas idéias preconceituosas! Ser 'do lar' pode, e na maioria das vezes é, tudo o que uma mulher quer, para criar seus filhos e ser feliz. Se você tivesse filhos saberia disso. [...] A direta faz, a esquerda implora e tenta distribuir o que não é dela. Produza! Viva e deixe viver!"Bom, João, seu comentário é tipicamente de direita. Impressionante como vocês são previsíveis! Olha, eu também sou um clichê. Nós de esquerda também somos previsíveis. E depois vem gente falar que não existe mais diferença entre esquerda e direita...Por que seu comentário é de direita? Pela insistência em “produzir”, em “ser útil”. E pelo que você acha que todas as mulheres querem, o que é altamente ofensivo a... bem, a todas as mulheres!Se você acha que 6 anos de estudo é demais, então você tá dizendo que não deveriam existir mestres e doutores. Porque esse é o tempo que se leva pra fazer um mestrado (2 anos) e um doutorado (4 anos). E eu fico confusa: o capitalismo atual não prega que “nunca se deve parar de estudar”? As empresas não querem profissionais cada vez mais capacitados? Ah sim, mas capacitar-se pra trabalhar pruma empresa é uma coisa. Estudar por prazer é outra. Não tem utilidade.Mas quem determina o que é útil ou não pra sociedade? Você? O governo? As empresas? Ué, se dependesse de gente como você, o meu curso, Literatura em Língua Inglesa, nem existiria. Porque eu não estou encontrando a cura pro câncer, certo? Nem estou construindo pontes pra carros, esses pilares ambulantes do capitalismo. Outros cursos que, se o critério fosse “produtividade” (medida em dinheiro), não existiriam, além de Letras: Filosofia e Sociologia. Psicologia, Jornalismo e Pedagogia pode? São úteis? Olha, na dúvida, melhor acabar com todas as ciências humanas e deixar só os cursos que produzem coisas concretas: Engenharia, Medicina, Arquitetura. Direito é importante também, pra defender a propriedade privada dos poucos que têm alguma propriedade, e pra mandar pra cadeia quem levantar um dedinho contra os poucos que têm propriedade. E depois o pessoal de extrema direita critica o socialismo, que não nos permite liberdade de opções... Se dependesse de você e do seu critério de produtividade, que opção eu teria?Você, que é de direita, tem uma visão de ver as coisas. Eu, de esquerda, tenho outra. Eu nunca falaria de saúde e educação como algo “de graça”, porque pra mim são direitos de todo cidadão. Pra você, as pessoas deveriam pagar empresas privadas por esses direitos. E quem não tiver dinheiro pra pagar, azar! Como é nos EUA: é melhor que os 50 milhões de americanos sem plano de saúde não fiquem doentes, porque senão morrerão. E, se americano quiser cursar faculdade, melhor se endividar pro resto da vida (porque todas as universidades são pagas), ou servir numa das inúmeras guerras que eles promovem pra manter o sistema (aí o exército custeia os estudos), e torcer pra não levar um tiro. Incrível como esse mesmo país tão rico e poderoso, que despreza seus próprios cidadãos mais pobres, “menos úteis”, tem dinheiro pra gastar em guerras.Sobre a parte que me toca, eu trabalho desde os 19 anos. Não estou trabalhando agora (aliás, faz 5,5 anos) porque cursei mestrado e estou terminando o doutorado, dois cursos puxados, que exigem muito tempo. O maridão está desempregado porque voltamos dos EUA em agosto, e sabíamos que iria ser difícil pra ele, que é professor de xadrez, encontrar um outro emprego ainda este semestre. Não estamos muito preocupados porque somos responsáveis, sempre gastamos menos que ganhamos, e temos dinheiro guardado pro nosso sustento. Quando eu terminar o doutorado, vou prestar concurso pra tentar ser professora em alguma universidade federal (hoje mesmo fiquei sabendo de três concursos: um em Marabá, PA, um em Garanhuns, PE, outro na região de Diamantina, MG - opa, será que essas cidades merecem ter universidades públicas? Ou só as capitais?). Mas, se o que estou cursando já é inútil, eu deveria também ser proibida de lecionar algo tão sem valor, não? Imagina, discutir Shakespeare com alguém nascido na terra do Lula! Como é que pode? Onde esse mundo vai parar?Agora, mesmo que eu nunca tivesse trabalhado na vida, por que eu não poderia fazer uma pós aos 40 anos? E por que não poderia receber uma bolsa pra isso? Quem decide que eu não posso, você? Na Pós-Graduação em Inglês da UFSC, onde estudo, é assim: há mais ou menos umas oito bolsas de mestrado por ano, e umas quatro de doutorado. Todos passamos por um processo de seleção. No meu curso ninguém tem privilégios e não existe isso de panelinha. Eu tive a sorte (e, talvez, o talento? O esforço? Vocês de direita apreciam muito esses termos) de passar entre os primeiros, e recebi bolsa. Em contrapartida, quem tem bolsa deve se dedicar integralmente. Não pode trabalhar, e tem que fazer estágio-docência (ou seja, dividir um curso com o orientador/a). Se eu não terminar o doutorado, precisarei devolver ao governo todo o dinheiro investido em mim, com juros e correção monetária. É uma grande responsabilidade. Ah, sabe o que mais? Todos meus colegas da pós são de classe média também. O governo Lula, com sua política de cotas (que você certamente é contra), está tentando fazer com que pessoas com menos recursos também possam cursar universidades públicas. Por ora, é só classe média. Como eu.Sobre a sua mãe ser mais ou menos realizada do que eu, eu não a conheço, e, lamento desapontá-lo, mas nem tudo na vida é uma competição. Não sei se é possível medir graus de realização pessoal. Só posso dizer que gosto muito da minha vida, e gostarei ainda mais quando terminar o doutorado (porque estou exausta). Não sou eu que estou insultando as mulheres. É você, ao proclamar que ser “do lar” é “tudo que uma mulher quer para criar seus filhos e ser feliz”. Que coisa, João! Falar isso em pleno século 21! Nós, feministas, defendemos o direito de escolha. Se uma mulher quiser ser dona de casa, maravilha. Se quiser trabalhar, ótimo. Se um homem quiser ser “do lar” enquanto a mulher trabalha, ótimo também. É isso que queremos: liberdade de escolha. Justamente o que você parece não querer.E, já que estamos falando em liberdade, permita-me o direito de não ter filhos. E de não querer ter filhos. Afinal, da última vez que chequei, a gente ainda vivia num estado não-totalitário.
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