LONGA VIAGEM DE ÔNIBUS À NOITE
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LONGA VIAGEM DE ÔNIBUS À NOITE


Lá estava eu voltando de São José do Rio Preto, onde fui a um congresso internacional, excelente (do qual ainda preciso falar). São quase doze horas de ônibus de Rio Preto a Curitiba. E eu no começo da viagem. Quanto mais pro sul o ônibus ia, com mais frio eu ficava. Meus pés quase entraram em processo de congelamento. Falando sério! Eu pensava que perderia os pés, gangrena ou algo assim. Mas então, era ainda o início da viagem. A gente só tinha andado umas três ou quatro horas, e o ônibus deu uma parada. Não tinha ninguém sentado do meu lado, aleluia, e eu estava na janela. Então observei o que parecia ser uma lagartixa na minha janela. Meu cérebro funciona devagar, em etapas. Demorei alguns milésimos de segundos pra notar que aquele bicho não era uma lagartixa, e sim um inseto enorme, com antenas e patas peludas e meio cascudo. Mais milésimos de segundos pra registrar que, apesar do parentesco de primeiro grau, aquilo não era uma barata, mas um grilo (ou até podia ser um gafanhoto. Meu cérebro não registra a diferença). E mais uns milésimos pra pensar que, fosse lá o que fosse, eu não ia querer amizade. E aí a última etapa do meu raciocínio: o asqueroso inseto não estava na janela do lado de fora, mas de dentro. Acho que ele percebeu isso ao mesmo tempo que eu, porque começou a pular. E fazia barulhos cascudos ao pular. Os barulhos produzidos por mim ao pular são bem mais macios. O ônibus estava escuro, as pessoas dormindo, e eu não gritei. Só decidi que o mínimo que poderia fazer era me mudar do assento da janela pro corredor. Pra piorar a situação, eu me lembrei que, um pouco antes, eu tinha tido a sensação de algum bicho passear pelo meu cabelo. Lógico que não dormi muito mais. Enquanto isso, o bicho decidiu pular para o meu assento na janela. Eu só olhava, apavorada, imóvel, pedindo pra que ele fosse incomodar uma mulher mais pra frente, que ria e falava alto no meio da madrugada e comentava sobre o “cheiro de m****” que vinha do banheiro do ônibus (e que eu nem havia reparado antes da muié dizer). Vai lá, grilo. Fale com ela.
O grilo sumiu por algum tempo, o que nem sempre é um bom sinal. Mas, na parada seguinte, lá estava ele a postos novamente, desta vez na cortininha da minha janela. Desta vez fiquei de pé e anunciei: “Tem um grilo gigante aqui dentro”. A menina na frente, a única a compreender a seriedade da situação, tremeu e disse: “Ai meu Deus, nem brinca”. A mulher que ria alto riu, ainda mais depois que eu expliquei que grilo é parente de barata (porque é, gente). O sujeito atrás de mim perguntou, respeitosamente: “A senhora tem medo, é isso?”. Eu respondi que sim, e o carinha, meu herói, quis saber onde estava o bicho pra poder pegá-lo. Eu apontei pra cortininha e o homem o pegou na mão. Aí era só se levantar, dar uns passos pra frente, aproveitar que a porta do ônibus estava aberta, e soltar o grilo lá fora, certo? Errado. O sujeito decidiu libertar o bicho no meio do corredor, a alguns centimetros de onde eu estava. Alguém brincou: “Este não pagou passagem”. A menina da frente gritou: “O quê? Ele soltou o grilo aqui dentro?!”. E o infeliz ao lado da mulher que ria disse: “Grilos são bonzinhos, não fazem nada”. Meu filho, você também não faz nada e nem por isso eu gosto de você, ok?
Minha viagem de volta não foi boa. Teve uma hora em que decidi me sufocar com o encosto inflável que o maridão me emprestou. É um daqueles travesseirinhos infláveis, sabe? O detalhe é que ele é cor de rosa choque. O maridão explicou por que optou por aquela cor, e não pelo cinza disponível: “Eu pensei entre comprar um travesseirinho discreto e um que a gente nunca vai esquecer no ônibus”. Eu emendei: “E em caso de acidente, você provavelmente será o primeiro a ser salvo também”. Acho que foi o rosa que atraiu o grilo. Mais uma vez, culpa do maridão.




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