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MARIDO QUER PARAR DE TRABALHAR PARA CUIDAR DOS FILHOS
"Uma colega minha está em um dilema; ela tentou me pedir ajuda mas eu não sei responder. Só tenho 18 anos, mas como sou conhecida como a conselheira das amigas, graças ao feminismo, essa colega veio recorrer a mim. Ela é casada, mãe de dois filhos pequenos, e trabalha num setor que lhe exige muito. Ela decidiu parar de trabalhar, ela quer tomar essa decisão em sua vida, mas não consegue. Há um empecilho: o marido dela. O marido dela adora os filhos, divide as tarefas e tudo mais. O marido quer largar o trabalho, sim, ele quer largar o trabalho estressante pra cuidar dos filhos. Ele treina pra ser escritor, quer se dedicar mais aos livros. Os dois são bem empregados. Ela diz que os filhos precisam mais da mãe do que do pai. É o argumento principal dela pra tentar convencê-lo. E diz que não quer sustentar homem, pois pode não ser um casamento pra sempre. Segundo ela, não quer ser sugada. Não quer ter a mínima lembrança que sustentou homem caso venha a terminar o casamento. Ela diz que mulher que banca homem logo se arrepende, porque é anti-natural, 'deveriam internar'. O marido diz que quer ser a exceção à regra, quer mostrar pra essa sociedade que homem ser sustentado por mulher não tem nada a ver com ser vagabundo. Quer ser um pai realmente presente. Não tem nada que tire isso da cabeça dele, pois o pai dele foi distante dos filhos, era apenas uma carteira ambulante e alguém que morava debaixo do mesmo teto que dava lição e carinho,como um amigo. Ele não gosta que a escola dos filhos não dê a mesma atençao ao dia dos pais que dá ao dia das maes, e se acha um peixe fora d'agua quando vai à reunião de pais e só encontra mães. Ele odeia o trabalho, e suplica à mulher que o deixe estar com os pimpolhos. Ela diz que se ele não ceder vai largá-lo e largar o emprego e tentar encontrar um outro marido. Confesso que nunca vi ou ouvi isso."
Minha resposta: É uma situação complicada porque os dois querem parar de trabalhar fora, se bem que o marido tem aspirações de escrever, o que não deixa de ser um trabalho. É complicado também porque sua amiga parece ser muito inflexível e tem ideias machistas, pelo que vc descreveu. Também não entendi bem sua posição nessa história. Existe algo chamado divisão sexual do trabalho. Numa sociedade patriarcal como a que vivemos, os homens trabalham fora e ganham dinheiro por isso, enquanto as mulheres ficam em casa cuidando dos filhos, e não são remuneradas. Até pouco tempo esse era o modelo familiar, se bem que mulheres pobres nunca tiveram escolha e sempre trabalharam fora. Note que eu não digo "nunca trabalharam". Digo "nunca trabalharam fora", porque o trabalho doméstico não deixa de ser um trabalho. Só porque não é valorizado, só porque não tem plano de carreira, só porque não se recebe dinheiro, não faz dele menos trabalho, ou menos cansativo e estressante. Os dois trabalhos, dentro e fora de casa, são importantes. Sem comida não se vive, e é necessário para a pessoa que trabalha fora ter comida pronta, roupa lavada, casa limpinha, filhos alimentados, quando volta do emprego remunerado. Com a revolução sexual e o feminismo -- que mostrou que muitas mulheres não se realizavam ficando em casa cuidando dos filhos --, e, talvez principalmente, com o arrocho salarial promovido por governos de direita no início dos anos 1980 (como o de Margaret Thatcher na Grã Bretanha e Ronald Reagan nos EUA), a família de classe média viu que não conseguiria manter seu padrão de consumo com apenas uma das partes do casal ganhando dinheiro. Assim, mais e mais mulheres tiveram, e têm, que trabalhar fora. Hoje 37% dos lares no Brasil têm a mulher como chefe de família. Só que, como a sociedade continua machista, os cuidados com a casa e com os filhos seguem sendo vistos como obrigação feminina. E as mulheres acabam sendo obrigadas a fazer dupla jornada, trabalhando fora e dentro de casa, enquanto os homens só trabalham fora. Isso vem mudando em países ricos, mas aqui as mudanças são muito lentas. Nos últimos dez anos, os homens só aumentaram sua participação nos serviços domésticos em 8 minutos. É muito pouco. Junto a este cenário, temos um estado ausente, que quase não oferece creches e educação em tempo integral. Mães que trabalham fora precisam pagar alguém para ficar cuidando dos filhos. Como ainda usamos a biologia como justificativa pra tudo, todos os trabalhos com cuidado de pessoas (seja de crianças ou de idosos) são vistos como "naturalmente" femininos. Babás, empregadas domésticas, professoras de ensino fundamental, enfermeiras -- são todas profissões tidas como "de mulher". Não por coincidência, também são profissões que pagam mal, ou ao menos muito pior do que pagam as profissões "de homem" (nomenclatura que está indo por água abaixo; é só ver a "feminização" da medicina). No Brasil a jornada de trabalho é longa. Ainda se discute a redução da carga horária para 40 horas semanais! São poucas as empresas que contratam alguém pra trabalhar meio período.
Se uma das partes do casal ganha bem o suficiente para que a outra não precise trabalhar fora, e essa outra parte topar ficar em casa cuidando dos filhos, a família deve decidir junto o que fazer. E é um privilégio poder escolher. Ter várias escolhas é um privilégio, não um fardo. Imagine quantos casais gostariam de estar na posição da sua colega! Outra coisa pra se pensar é que largar a carreira pra cuidar dos filhos não precisa ser pra sempre. Pode ser por alguns anos, até que as crianças cresçam. Claro que depois não é fácil retornar ao mercado de trabalho. Bom, diante de tudo isso, não está escrito em lugar nenhum que quem deve abdicar do trabalho remunerado é a mulher. É verdade, ainda são pouquíssimos os homens que ficam em casa cuidando dos filhos. O preconceito social contra esses homens é muito forte, e às vezes vem das próprias companheiras. Há uma série americana, que ainda não vi, que trata disso com humor: Up All Night. O preconceito da sua amiga está também em pensar que a pessoa que não trabalha fora é "sustentada" pela outra parte do casal. Não é. As duas pessoas trabalham, só que um trabalho é remunerado e o outro não. Mas ambos os trabalhos são importantes, e a família inteira é "sustentada" por esses trabalhos. Sua amiga chama de vagabunda a mulher que fica em casa cuidando dos filhos? Espero que não! Então por que insinuar que homem que cuida dos filhos é vagabundo, parasita, "sugador"?Eles certamente precisam conversar, porque os dois não parecem querer ceder. Já que os dois querem parar de trabalhar fora, que tal fazer uma espécie de rodízio? Ele fica dois ou três anos em casa, cuidando dos filhos, e depois volta ao mercado de trabalho. Aí ela fica em casa. Mas, pra isso, ela precisa deixar os preconceitos de lado. Explique pra ela que quase tudo no nosso dia a dia é "anti-natural". Este computador é anti-natural. O telefone celular que ela tem é anti-natural. A fralda descartável dos filhos é anti-natural. O carro é anti-natural. A lista é longa. E sua colega que se prepare: o mundo está se tornando cada vez mais "anti-natural". Ainda bem.
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