MEU PRIMEIRO PLANO DE SAÚDE
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MEU PRIMEIRO PLANO DE SAÚDE


Tive uma experiência surreal, acho. Começando pelo início: faz muito, muito tempo que não tenho plano de saúde. Quando minha família teve um pouco de dinheiro, contratou um (da Amil) por pouco tempo. Não funcionou direito, ou meu pai deixou de ter dinheiro, não lembro. Em Joinville sempre dependi do SUS. Bom, como eu era jovem e saudável, felizmente foram poucas as vezes que realmente precisei ir ao médico. Mais check-ups de rotina (alguma vez em quinze anos que não foi pra exame de rotina? Acho que não!). Mas o maridão teve um problema bastante sério, um tumor maligno nas costas – câncer de pele – e precisou tirar. E tudo foi feito pelo SUS, sem problema algum.
Só que pouco depois de chegar a Fortaleza, peguei uma gripe forte, fiquei surda de uma orelha por alguns dias e, preocupada, decidi procurar ajuda médica. Já contei minha via crucis aqui. Enfim, fiquei com uma má impressão da saúde pública de Fortaleza. E também, como praticamente todo mundo na minha classe social tem plano de saúde, decidi fazer um. A UFC não oferece um plano. O que acontece é o seguinte: a ADUFC, uma espécie de sindicato dos professores (que cobra mensalidade de 70 reais por mês! Acho caríssimo, mas já que 90% dos professores da UFC fazem parte da associação, e como me atenderam muito bem, decidi entrar), tem um convênio com a Unimed. Vem com algum desconto, e não há carência. Pra mim e pro maridão, custa R$ 344 por mês (pros dois). Não pode entrar ascendente, como minha mãe, só cônjuge e descendente (o que inclui sobrinho, neto etc. Muito estranho que sobrinho seja mais importante do que mãe!). Bom, fora o desconto, há um benefício na folha de pagamento: R$ 83 por mês pra mim, e a mesma quantia pro maridão, pra pagar o plano de saúde (pra ter direito, precisa primeiro fazer o tal plano. E também apresentar documentação comprovando o plano todo ano). Então, no fundo, pagamos apenas uns 180. Eu digo “apenas”, mas é muito mais que pagávamos em Joinville (que era zero). Na minha vida adulta é a primeira vez que tenho plano, e na do maridão, também. Portanto, pensávamos que agora teríamos acesso à saúde de certa qualidade.
Vaga ilusão. Precisei agora do plano. Faz uns quinze dias que estou com um tipo de alergia, umas bolinhas vermelhas na pele, na região dos braços, barriga e peito, que pioram e coçam bastante à noite. Não faço a menor ideia do que possa ser. Eu tava esperando que passasse, mas não passou. Logo, marquei consulta com um dermatologista. Pelo telefone, explicaram que o dermatologista mais próximo de casa era na Bezerra de Menezes (uma avenida largona de que gosto muito, porque tem tudo lá), e que o atendimento seria por ordem de chegada, das 12 às 14 horas. Bom, cheguei lá às 12:30, e estranhei de cara. Do alto da minha ingenuidade, eu imaginava que seria uma clínica, com poucas cadeiras e vários médicos. Afinal, eu passei o último semestre inteiro de 2009 indo a vários médicos de especialidades diferentes, sempre pagando consulta social, pra apresentar exame médico na admissão da faculdade. E todos os consultórios eram bem assim. Mas aqui não. Aqui é um núcleo da Unimed. Você entra e vê um monte de gente, mais gente que cadeiras, aliás. E três atendentes atrás de um balcão. Sem cadeira ou convite pra você sentar e falar com alguma delas. Você só chega, entrega seu cartãozinho Unimed, a sua carteira de identidade, e senta aonde der, porque é pra aguardar. Uns quarenta minutos depois, meu nome foi chamado. Um segurança me devolveu as duas carteiras e me deu um número – 24. Eu perguntei: “Eles [médico e enfermeira, perhaps?] chamam pelo número?”. Não. “Chamam pelo nome?”. Também não. “Tem alguem painel indicando o próximo número?” Claro que não! Não, o número é só pra eu saber que entrarei imediatamente após o 23. E quem é o 23? Só deus sabe.
Sentei e calmamente tratei de ler o livro de teoria da literatura do Terry Eagleton que tinha levado (nunca saio de casa sem um livro!). Mas, após uma meia hora e muitas dúvidas, decidi perguntar pro rapaz ao meu lado quem ele veio consultar. Dermatologista, foi a resposta. Ele era número 19. Imediatamente descobri que, no tal núcleo, havia apenas dermatologia, e apenas um dermatologista. Juntos, descobrimos que a fila estava no número 5 ainda. Era 13:45. O rapaz me contou que “é sempre essa bagunça mesmo”. Tentamos calcular quanto tempo em média levava uma consulta. O rapaz chutou 10, no máximo 15 minutos, pois “em geral o médico nem olha pra você”. Ele disse que era normal vir, pegar a tal senha, e voltar dentro de algumas horas. O problema é que o médico ia embora às 14. Eu não acreditei: como que ele iria atender mais trinta pessoas (chutando) em quinze minutos?
Fui falar com uma das três atendentes que, pelo descaso com que me olharam, obviamente não estão lá para atender. Uma estava testando carimbos. Peguei a única cadeira livre que vi e me sentei diante de uma atendente, olhando fixamente pra ela. Depois de alguns minutos, ela, sem desviar os olhos do computador, disse “Pode falar”. E me explicou que, pra agendar consulta (isso depois de marcar consulta pelo telefone), só mesmo das 12 às 14, ou das 16 às 18. Mas que o médico ficava lá até atender todo mundo. E que sim, só tinha aquele dermatologista. Eu quis saber como era aquele negócio de você escolher um médico, ver se ele é conveniado com o maior plano de saúde do Brasil (e que garante ser o melhor), e marcar diretamente com aquele consultório. Seria lenda urbana? Ela disse que isso existe sim, mas que, pra ter direito a isso, só pagando um plano com um valor “muito mais superior”.
Saí de lá às 14 pra voltar pra casa e almoçar. Pelos meus cálculos, só seria atendida às 17 horas. Pensa só: a 10 minutos por consulta, são 6 pacientes por hora. E tava no número 5. Fui pra casa, comi, li os comentários do blog, e voltei pro núcleo. Era 15:45. Agora estava no número 29. Meu número já havia passado!
Fui falar com as atendentes, que não me atenderam, mas um segurança do lado disse que eu tinha que falar com o pessoal esperando, que se eles permitissem que eu fosse a próxima a entrar, tudo bem, mas dependia deles. Fui lá, expus a situação pra uma sala inteira, e ninguém se manifestou. Insisti, até que finalmente um ou outro fez algum gesto com a cabeça. E, óbvio, ficou todo mundo olhando pra mim nos minutos em que fiquei esperando. A essa altura eu já estava bufando. E, aproveitando que eu já era o centro das atenções mesmo (não havia TV ou revistas, e poucos levam livros pra ler), perguntei: “Como que isso aqui é diferente do SUS?”
Uma mulher respondeu: “Aqui os médicos são particulares”.
Eu: “Sim, mas é tudo médico, né? Então, não entendo a diferença. Aqui também temos que ficar horas numa fila, perder quase um dia inteiro de trabalho. Como é diferente?”
A mesma mulher: “No SUS temos que chegar na fila de madrugada”.
Finalmente a porta abriu, eu entrei, e o médico, de fato, mal olhou pra mim. Pediu meu nome, achou no computador, perguntou como poderia me ajudar, eu mostrei as manchinhas, ele quis saber se eu tinha alguma doença, eu disse que não, e os minutos seguintes foram gastos entre ele e o cut and paste do computador. Quando ele se dignou a voltar a falar comigo, foi pra perguntar se eu conhecia alguma farmácia de manipulação, e recomendou que eu contactasse aquela que ele indicaria, “você não precisa nem ir lá, é só ligar”, e pronto, me entregou a receita. Eu ainda disse que eu tinha vários sinais de pele, e um deles estava incomodando, e ele: “Você vem para uma outra consulta daqui a 40 dias, quando estiver curada. Daí a gente marca pra tirar os sinais”. Fini! Levou 7 minutos.
Quando narrei os breves diálogos entre médico e eu pro maridão, na hora de contar o “Você vem para uma outra consulta daqui a 40 dias”, o maridão interrompeu com um “Você não precisa nem vir, é só ligar!”. Outra pérola de sabedoria maridística foi atestar que, numa hora dessas, a gente nem liga mais pra um bom atendimento. Só quer ser atendida.
Ah, mandei fazer os remédios! Os comprimidos deu 20 reais; o sabonete, 11. Mas a loção custaria 75 reais,
um roubo, então desisti. Aí tomo o primeiro comprimido... e fico completamente derrubada! É um narcoléptico, só pode. Dá um sono mortal, não tem como tomar aquilo, a menos que eu não queira fazer mais nada além de dormir durante um mês. O médico mandou que eu tomasse um comprimido pela manhã e um à noite. Vou tomar só o da noite, e ver no que que dá. E não é um sono tranquilo, não. É daqueles com montes de pesadelos. Acho que sonho até com o atendimento da Unimedo.
Mais aqui.




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