MINHA OPINIÃO SOBRE O FEMEN
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MINHA OPINIÃO SOBRE O FEMEN


Sara Winter na Marcha das Vadias SP, em maio deste ano

Passei a maior parte da semana longe de Fortaleza e, consequentemente, da internet. Mas já na segunda me chegou este email da R., de 27 anos: “Estou escrevendo pra pedir sua opinião sobre o Femen. O grupo está recrutando aliadas no Brasil e o 'processo seletivo' inclui postar uma foto de topless no facebook e depois fazer um protesto sozinha também sem blusa. Explicação aqui. Pensei seriamente em me candidatar, mas tenho dúvidas enormes. O corpo é meu, eu mostro pra quem eu quiser... Mas esses protestos não acabam chamando a atenção pelo motivo errado?
Muita gente tem me perguntado sobre o Femen de modo geral, e anteontem o número de “pedidos de opinião” explodiu, devido à polêmica envolvendo sua integrante mais conhecida no Brasil.
Bom, vamos por partes. O Femen é um grupo de ativismo fundado na Ucrânia, e que consegue um bocado de mídia em todo o globo por um único motivo: ele reúne moças loiras e magras protestando com os seios à mostra. Mulheres seminuas na rua sempre vão atrair a mídia (e isso explica também, em parte, a repercussão que a Marcha das Vadias consegue). Quanto a esse ponto, que eu considero ponto pacífico (ou alguém conhece algum outro grupo feminista que ganhe tanto destaque da mídia internacional quanto o Femen? Ou alguém vai querer dizer que esse destaque é pelos temas escolhidos, e não pelos seios desnudos?), a crítica maior vai pro comportamento da mídia, não pro grupo de ativistas em si. É triste que ideias que questionem a situação ganhem tão pouco espaço na imprensa tradicional, e que é preciso tirar a roupa pra que os guardiões da ordem percebam que feministas existem.
O Femen sem dúvida joga esse jogo. Ele põe em sua linha de frente mulheres dentro do padrão, sabendo que moças de beleza convencional geram clicks e vendem (lembrando que a mídia quase sempre noticia qualquer protesto sob a ótica do “atrapalhou o trânsito"). Nesse tipo de jornalismo há muitas fotos, mas pouquíssimo espaço pra causas. Lendo as breves notinhas, é difícil entender por que o Femen está protestando na maior parte das vezes (e elas não vão às ruas apenas por causas feministas).
Isso sem falar que o Femen também rende comentários típicos dos machistas, como “dessas feministas eu gosto”. E vira mais um pretexto pra um bando de manés que condenam todo e qualquer tipo de ativismo ficar babando e avaliando o corpo de mulheres. Mas isso é problema do machismo, não do feminismo (ou neofeminismo, como o Femen se autointitula, sem explicar o que faz de tão novo). Pra mim, toda forma de protesto é válida, e não considero errado se aproveitar da sede da mídia por corpos bonitos para chamar a atenção e passar uma mensagem. Mas seria pedir demais que o que querem passar esteja bem definido? Porque, pra mim, o que pega é que não parece haver mensagem.
Por isso, como forma de realmente mudar o mundo, de fazer uma revolução, a forma de protesto do Femen me soa pouco eficaz. Como forma de chamar a atenção, o grupo faz isso melhor do que ninguém. Mas sem profundidade. Nem o motivo de protestar mostrando os seios é bem explicado (imagino que seja reivindicar que uma parte do corpo feminino não seja vista apenas sexualmente, e que, se os homens -– que também têm mamilos –- podem andar de peito descoberto, por que as mulheres não poderiam?). Alguém realmente sabe o posicionamento do Femen a respeito de várias questões importantes pro feminismo?
O grupo já recebia vasto destaque da mídia quando era só ucraniano. Quando chegou ao Brasil, representado por sua (até então) única participante brasileira, foi um auê. Sara Winter vem dando várias entrevistas e sendo fotografada a cada protesto. O recrutamento que promove (aparentemente não limitado a loiras magras) foi matéria no Superpop. Porém, a imagem que fica, infelizmente, é que Sara não parece ser coerente no que diz nem demonstra saber muito sobre feminismo.
Sara é jovem, 20 anos, e essa pode ser uma explicação pra sua imaturidade. Mas soa irresponsável o Femen lançar uma menina pra ser sua porta-voz. Não é nada fácil lidar com o estrelato, e Sara visivelmente não está preparada. É temerário trazer um movimento prum outro país sem preparar sua principal representante e sem conhecer o passado muito recente dela.
Esta semana descobriu-se que Sara é ou foi integralista nacionalista (fascismo mesmo) e que ela tem uma tatuagem nazista perto do pescoço. Seus ídolos são, ou foram, Plínio Salgado (fundador do integralismo brasileiro) e Ronald Reagan (presidente americano nos anos 80, eterno símbolo dos conservadores e do backlash). Há dúvidas se o nome que Sara adotou é uma homenagem à cantora Emilie Autumn, como ela diz, ou à alemã nazista Sarah Winter. E tem também um post de menos de um ano atrás em que Sara fala mal da Marcha das Vadias, dizendo coisas altamente incoerentes para uma ativista do Femen:
"Eu fico me perguntando aqui, porque diabos, essas meninas não fizeram uma marcha normal, quero dizer, COM ROUPAS NORMAIS, reinvindicando o direito das mulheres, a igualdade sexual, o respeito, o 'não' à violência doméstica. [...] Vocês acham mesmo que [os participantes homens] estão lá em defesa dos direitos femininos? Aham, tá, pra mim isso é uma grande hipocrisia, não querem ser estupradas, mas querem deixar homens desconhecidos visualizarem suas coxas, seios. [...] A grande verdade é que tudo isso se trata de 'ipobe'. Algumas meninas se sentiram ofendidas em Toronto e criaram essa porcaria, outras mulheres envolta do mundo que quiseram chamar a atenção de uma maneira promíscua, ou que simplesmente queriam se divertir, adoraram copiar, e como no Brasil agora a moda é marcha polêmica, todo mundo adorou. [...] dá pra fazer melhor com roupa e sem orgulho puta!"
Ou seja, Sara dizia contra a Marcha das Vadias (que, ao contrário do Femen, é organizada sem hierarquias, sem recrutamento, sem ritos de passagem, de um modo horizontal) tudo que é dito contra o Femen. É possível mudar de opinião? Claro, eu acredito nisso e vivo convidando todo mundo a deixar o preconceito pra trás. Mas é mudança demais pra tão pouco tempo. E, pelo embaralhamento de suas ideias atuais, não fica claro que ela realmente mudou.
Seu perfil no orkut ainda está disponível, e as comunidades que ela segue vão do “Odeio o PT” à “Resistência Anti-Comunista”, passando por inúmeras comus integralistas e nacionalistas. Tem também amor pela ROTA e pelo uso de força policial (sério, ativista ser fã da polícia que vai prendê-la é uma contradição em termos), fascínio por armas, e uma “Sou fã de Jair Bolsonaro”.
Sara se defende, diz que mudou, que não gosta mais de Plínio Salgado, e que toda a relação que teve com carecas e nazistas “foi mantida pela internet principalmente entre [s]eus 15 e 17 anos”. Ela também conta que foi prostituta durante dez meses, aos 17 anos. E que vai fazer uma twitcam hoje às 19 horas para se explicar: “Eu não devo explicação nenhuma pela minha parte, mas como envolveram a Femen, é nada mais agora, do que minha obrigação”.
Repetindo: é possível que ela tenha mudado. Todo mundo já derrapou feio. Mas ela ainda insiste que não tem “posição política definida, pois acredito que tenho muito a estudar, a aprender antes de me definir, aliás, me definir pra que?” Bom, Sara, se definir pra que as pessoas não pensem que você é eleitora de um Bolsonaro já seria de bom tamanho. Pra que não pensem que você continua fascista.
Não tenho o menor interesse em linchar uma menina de 20 anos, e nem um grupo de ativistas. Quero mais é que elas continuem protestando, de preferência dialogando com outros grupos feministas. Mas minha opinião é que o Femen foi irresponsável ao não oferecer o mínimo de instrução e treinamento a sua única integrante. As ucranianas jogaram Sara aos leões. Para um grupo acostumado a lidar com a mídia, o Femen foi de um amadorismo tremendo. Antes de tornar pública sua representante, poderia ter apagado (embora seja impossível apagar tudo na internet) as besteiras que ela falava. Fico pensando na seriedade de um grupo que escolhe sua porta-voz no Brasil sem nem querer saber de seu passado, de suas tatuagens, de suas posições políticas.
Por outro lado, temos que ver a importância que estamos dando pra Sara e pro Femen. Elas não representam o feminismo. Elas representam um tipo de feminismo, que talvez a gente possa chamar de ativismo midiático. Nessas horas de discordância eu vejo muita gente dizer “Ah, Fulana não me representa”. E daí? Quem disse que Fulana precisa te representar? Só porque você não se identifica com Fulana faz dela menos feminista?
De repente parece que Sara é a grande líder feminista brasileira -– o que ela nunca disse ser. Creio ser possível criticá-la sem entrar nessas paranoias de “ela presta um desserviço ao feminismo”. Digo isso porque já ouvi essa bobagem ser usada muitas vezes contra mim. Desserviço pro feminismo quem presta não sou eu, ou a Sara, ou o Femen, ou qualquer feminista de quem a gente discorde. Desserviço pro feminismo quem presta são os reaças, que juram que protestar contra o patriarcado é sinônimo de histeria e de falta do que fazer. E, adivinhe? Se eu ou Sara sumirmos, esses mesmos reaças continuarão incansavelmente prestando um desserviço ao feminismo.
Além do velho “é um desserviço pro feminismo”, outra acusação frequente a mim, que agora vejo repetida a Sara, é isso da liderança, de achar que ela (ou eu) fale em nome do feminismo. É ridículo acusar uma pessoa que nunca se considerou porta-voz ou liderança do feminismo de não ser a porta-voz que os críticos queriam que fosse. Sara não é porta-voz do feminismo. Ela é porta-voz do Femen Brazil.
E os muitos feminismos existentes incluem o Femen, mas não se restringem a ele. Há espaço para todos. Talvez não espaço na mídia, mas não dá pra pautar nossas ações pelo que pessoas que não querem mudanças vão pensar dessas ações.
Então, R., leitora com a pergunta que publiquei lá em cima, minha sugestão sobre se você deve ou não entrar pro Femen é: ainda não.

UPDATE: Vi quase toda a twitcam de Sara, e ela não deu explicações convincentes. Mas the plot thickens, e os problemas do Femen podem ser muito maiores que a escolha de sua representante-mor no Brasil. Primeiro, há vários indícios que o Femen de modo geral é islamofóbico. O Femen Ucrânia realizou protestos contra a participação de países islâmicos nas Olimpíadas de Londres 2012, apelando a imagens como esta que coloquei acima. O Femen Canadá já deu várias declarações xenofóbicas, posicionando-se contra imigrantes. 
O negócio é tão sério que algumas feministas brasileiras acreditam que o Femen seja um grupo de inspiração fascista disfarçado de feminista. As guirlandas de flores que suas integrantes adotam seriam um símbolo da pureza ariana. 
Se essas suspeitas se concretizarem, cai por terra minha acusação de irresponsabilidade do Femen por ter escolhido Sara sem treiná-la ou sem checar seu passado. Sara teria sido aceita pelo grupo exatamente por suas ligações com o fascismo. Até faz sentido: as ucranianas certamente perceberam a tatuagem da cruz de ferro de Sara, e sabem o que ela significa. Por enquanto, tudo isso é hipótese. Mas meninas que estão pensando em entrar no Femen: diante desse quadro, e da total inabilidade do Femen em dar respostas satisfatórias, meu conselho é -- não entrem.

Mais sobre o Femen: Meu diálogo com Sara, poucos meses depois.
Repercussão desse diálogo (muitas críticas de algumas feministas).
Mais uma derrapada: Femen Brasil homenageia Margaret Thatcher.
Sem dúvida, Femen é islamofóbico. 
Femen Ucrânia rompe com Femen Brasil.   
Era verdade: Femen controlava o corpo das ativistas. 




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