NO TEMPO DA VOVÓ ERA MELHOR. ERA MESMO?
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NO TEMPO DA VOVÓ ERA MELHOR. ERA MESMO?


No post sobre as mulheres contra o feminismo, a querida leitora NormalidadeRealidade deixou um comentário que faz pensar e rebate aquele velho pensamento reaça do "antes tudo era melhor"...

Foto meramente ilustrativa
Já que alguém falou aí do tempo da vovó:
Minha avó não teve uma vida mais serena sem o feminismo.
Sem estudo, ela viveu décadas com um monstro do qual ela dependia financeiramente. Ela viu os filhos passarem fome e teve todos os dentes arrancados aos 30 anos pra não dar despesa extra pro maridão, que gastava tudo com camisas de seda e sapatos lustrosos, pra ficar bonitão na esfera pública (que era toda dele), enquanto o mundo privado, da minha avó, era pura miséria. 
Assim: minha avó pediu para meu avô levá-la ao dentista (tinha que pedir, porque ela não tinha renda própria). Depois do orçamento, meu avô brigou com ela, disse que era muito caro. O dentista ficou horrorizado porque meu avô pagava tratamento sem pensar duas vezes sempre que uma das amantes dele precisava. Meu avô contratou então um "dentista" que arrancou todos os dentes da minha avó em casa mesmo. Minha avó conta que lembra do barulho dos dentes caindo num balde de metal.
Ela queria ser musicista quando era nova, comprou livros de música pra aprender a tocar viola, e meu bisavô a convenceu a jogar fora esse sonho porque ser violeira era coisa de mulher que não prestava. Quando ela tinha a minha idade, ela chorava porque tinha muita insegurança quanto à vida dela... Que obviamente seria casar e ter filhos.
Ela tinha sonhos, era linda, muito cortejada, inteligente, talentosa, e no fim ela teve que se reduzir à imagem da mãe e dona de casa, sofrida e sacrificada.
Meu avô se separou já depois que os dois eram idosos. Ele já tinha outros relacionamentos fazia muito tempo. Minha avó ficou sozinha, e ela podia cuidar da casa como bem entendesse, e cuidar da própria vida. 
Antes ela ficava o dia todo em casa, enquanto meu avô demandava as coisas para o conforto dele, tipo comida, roupa passada, cervejinha gelada ou café quente no quarto. E tudo o que fosse dela era frescura, né. Ela precisava estar sempre -- o dia todo -- a postos pra deixar a casa em ordem pro marido não reclamar (porque primeiro que ele não ia lavar uma cueca que seja, e segundo que era a obrigação dela). 
Ela foi mutilada física e emocionalmente, e teve sua personalidade tão multifacetada reduzida a uma maldita caixinha. Depois de já velhinha, quando meu avô foi embora viver com outra, ela se viu livre. Ela ficou tão feliz!
Sozinha, seu maior deleite era ter a casa só pra ela, sair quando bem entendesse, pra coisas importantes ou não, seja ir ao médico, seja pra ir jogar um bingo na igreja. 
E tinha também os pequenos prazeres como cantar -- lembra que ela adorava música? -- e falar consigo mesma, rezar, brincar com os netos, ver televisão comendo chocolate com os pés pro ar. Com os filhos adultos, e separada, ela pôde descobrir o que era ter tempo pra si mesma e aproveitar esse tempo. Descobrir o que ela gostava de verdade de fazer. O tempo dela voltou a ser dela, e ela pôde redescobrir que a felicidade dela também era importante.
A história da minha avó significa muito pra mim. Um dia pretendo escrever um livro sobre ela, porque a história é bem longa, bem variada, e me dá muita força.

Leia outros depoimentos para entender como não era melhor no tempo da vovó: não éramos felizes.




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