O ALTO PREÇO DE SER MULHER E FEMINISTA
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O ALTO PREÇO DE SER MULHER E FEMINISTA


Vi dois vídeos muito interessantes nesses últimos dias. 
Um é a palestra (aqui, com legendas em português) que Monica Lewinsky deu pra TED, "The Price of Shame" (o preço da vergonha), em que ela pergunta quem nunca cometeu um erro quando tinha 22 anos. Era a idade dela (hoje ela está com 41) quando se envolveu sexualmente com Bill Clinton, enquanto ela estagiava na Casa Branca. O caso veio à tona em janeiro de 1998, virou escândalo, e por pouco não culminou no impeachment de Bill (e até hoje tem efeitos na carreira de Hillary, presidenciável para o ano que vem). 
Já contei sobre todo esse escândalo sórdido (porque, tipo, só nos EUA um presidente quase perde o cargo por fazer sexo fora do casamento). Sempre senti pena de Monica, e fico feliz que ela tenha encontrado forças para falar. Após anos de silêncio, em 2014 ela passou a contar sua história. Ela não é nenhum ícone feminista, só pra deixar claro, sequer feminista é, que eu saiba, mas o que ela sofreu ensina muitas lições.
Imagine se tornar uma piada internacional. Imagine todo mundo te xingar, te criticar, te condenar, te ameaçar, durante meses a fio. Imagine ter seu corpo avaliado milimetricamente, e ser chamada de mocreia, baranga, baleia, mesmo sem ser gorda (e imagine o que milhões de meninas que cresceram acompanhando o caso aprenderam sobre seus corpos). Imagine todos os humoristas do planeta fazendo piadas sobre você. Ao mesmo tempo. O tempo todo. 
Monica narra que só recebeu apoio dos pais. Mais ninguém teve empatia por ela. Ela não se suicidou porque sua mãe, sempre vigilante, não permitia que ela tomasse banho de porta fechada. E isso que o que aconteceu com Monica foi em 1998, quando a internet ainda estava engatinhando. Não havia redes sociais, só email e alguns poucos sites. E mesmo assim, Monica foi vítima de todo tipo de slutshaming e, óbvio, bodyshaming (ser condenada por ter sido uma "vadia" e pela sua aparência que, embora totalmente dentro dos padrões de beleza, não foi aprovada). Ela realmente foi o primeiro alvo de cyberbullying em escala internacional. Por isso, ouvir o que ela tem a dizer hoje é muito relevante. 
O outro vídeo que vi foi uma palestra curtinha na Austrália chamada "What I Couldn't Say" (o que eu não podia dizer), de Anita Sarkeesian (aqui com legendas). Anita hoje deve ser uma das feministas mais conhecidas do mundo. Desde 2009, esta jovem americana-canadense faz excelentes vídeos falando do sexismo na cultura pop. Ela ficou mais famosa em 2012, quando cometeu o crime hediondo de pedir que suas espectadorxs contribuíssem com um total de 6 mil dólares para que ela pudesse lançar uma série de vídeos sobre machismo nos videogames. 
Por conta desse pedido, foi alvo de inúmeras ameaças. Um babaca criou um game em que o jogador tinha que espancar Anita (o rosto dela aparecia mais deformado a cada soco). Outros enviaram desenhos em que ela era estuprada por personagens de games. O único lado bom desse ódio todo é que, com a repercussão dos ataques, ela arrecadou quase US$ 160 mil. 
Ano passado Anita voltou a ser vítima de novos ataques. Quer dizer, ela nunca deixou de ser atacada, mas, por conta do famigerado GamerGate, as ameaças se intensificaram (e, pra quem duvida de como o meio dos games é misógino, é só ver o que está passando Ana Freitas por ter escrito um post sobre nerds e machismo). Diz Anita na palestra (minha tradução):
"O que eu não podia dizer é 'vão se foder'. Aos milhares de homens que fizeram de sua misoginia um jogo, em que ofensas genderizadas, ameaças de morte e estupro são armas usadas para derrubar a grande vilã que, neste caso, sou eu. Minha vida não é um jogo. Tenho sido assediada e ameaçada nos últimos três anos sem um fim à vista. E tudo por que ousei questionar o sexismo evidente e óbvio que corre solto na indústria dos games".
Anita também diz que está mais do que zangada -- está furiosa por viver numa sociedade em que ataques online são tolerados e justificados, e em que os serviços na internet não são responsabilizados pelo abuso diário que mulheres sofrem: "Estou furiosa porque esperam que eu aceite ataques online como o preço a se pagar por ser uma mulher com opiniões". 
Talvez por ser uma das feministas mais atacadas no Brasil, eu me identifico bastante com a fala da Anita. Eu também recebo ameaças há quatro anos, e sempre tive casca grossa, sempre vi isso como "ossos do ofício" por ter um blog feminista mais destacado. Porém, como muitas feministas americanas têm dito, não podemos ver este abuso como aceitável. Ele é uma forma de terrorismo. Assim como se calar não é uma opção, encarar ameaças como "normais" equivale a dizer que os misóginos ganharam. 
Eu me identifiquei mais com a parte em que Anita diz que praticamente não usa mais humor em seus vídeos, porque humor, quando vindo de uma mulher, é visto como sarcasmo e ignorância. Pois é, eu também sinto falta de poder ser irônica à vontade, sem me importar se uns energúmenos não conseguem entender ironia ou se humor pra eles é piada de estupro. Meu bloguinho era mais engraçado há alguns anos!
Lógico que, como Anita sofre ataques numa escala muitíssimo maior do que eu, as consequências em sua vida são também maiores. Visivelmente abalada, ela conta que não fala mais espontaneamente em palestras, que toma grande cuidado com as entrevistas que dá pra mídia, que rejeita a maioria dos convites para podcasts ou webshows, e que revisa várias vezes cada tuíte que manda, para que não possa ser mal interpretada, pois tudo que ela diz e faz é analisado com lupa pelos inimigos: "Todo dia eu vejo meu trabalho ser distorcido por milhares de homens determinados a me destruir e me silenciar". 
Nos dois vídeos, os comentários estão desabilitados, e creio que você consegue adivinhar porquê. Porque o YouTube atrai alguns dos piores comentaristas da internet (vá a qualquer vídeo em que eu apareça para ter uma amostra ínfima do que esses caras têm a dizer): mascus, reaças, neonazistas, preconceituosos de modo geral. 
Na vida real, felizmente, as pessoas não são assim. Por isso que "comentarista de portal de notícias" (ou da internet em geral) virou sinônimo de alguém que vai falar uma besteira odiosa muito grande. Mas é bom fincar o pé na realidade. Se a gente se basear no que lê online, vai pensar que todo mundo é contra as cotas, contra o Bolsa Família, pró-golpe militar, e a favor da pena de morte (principalmente pra Dilma). 
Vou dar um exemplo minúsculo, mas que é todo meu. Como já mostrei aqui algumas vezes, recebo doses diárias de insultos, ameaças e ódio em geral (recebo muito carinho também, não posso negar). Porém, de 2011 pra cá, já dei mais de 130 palestras presenciais em várias universidades por todo o país, e sabe quanto ódio enfrentei nelas? Isso mesmo, zero. Sou super bem recebida. 
Larissa, que conheci em Recife,
me abraça em Niterói
E isso que vez por outra leio relatos de algum mascu ou reaça que foi a uma palestra minha (os comentários acabam sendo "Ela é muito mais simpática do que eu pensava", ou -- calafrios -- "Fui lá no fim, abracei ela, e ela foi um doce comigo, claro que não falei que faço parte de um grupo que planeja seu assassinato; se eu tivesse falado, talvez ela tivesse me tratado de outro jeito". É, talvez)
Eu diria que 95% do pessoal que faz esses discursos de ódio online não tem coragem de repeti-los cara a cara, mostrando seu rosto e seu nome. Eles se valem do anonimato para serem corajosos. Tem uma palavra pra isso: covardes. É muito fácil xingar meninas e mulheres de barangas e não mostrar a sua face, que decerto deve ser linda. É fácil ameaçar mulheres de morte e de estupro, confiando na impunidade, e, se descoberto, apelar para o velho "Era só uma piada!". É fácil se unir a uma horda raivosa e repetir preconceitos sem pensar. Difícil mesmo é mudar o mundo.
Parte do auditório lotado na UFF
A palestra mais recente que dei foi nesta última quinta, na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. As incríveis Larissa e Mel me acompanharam na mesa para falar de cyberbullying, pornografia da vingança e objetificação. Sucesso absoluto, auditório lotado, inclusive repleto de homens. Pra minha fala, selecionei algumas das ameaças que recebo, e que são justificadas por quem as manda como 1) piadas, 2) você ataca homens, sua feminazi misândrica, então tem mais é que ser atacada mesmo, 3) pare de se vitimizar, 4) você não aceita críticas construtivas.
Larissa, eu, Mel e Yasmin, na UFF
Li algumas dessas "críticas construtivas" para o público. É importante falar, porque a vasta maioria das pessoas não têm a menor ideia do nível de ódio dessas ameaças. E elas precisam saber. Precisam ver que você é jurada de morte por combater opressões. Ser ameaçada de morte e estupro meramente por ser mulher e feminista só prova o quanto o feminismo ainda é fundamental. 




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