O DISCURSO DA JODIE FOSTER, ÍDOLA E GÊNIA
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O DISCURSO DA JODIE FOSTER, ÍDOLA E GÊNIA


Eu não estava pensando em escrever sobre o fantástico discurso de agradecimento da Jodie Foster no Globo de Ouro, mas, já que vocês pediram (veja aqui, legendado; aqui, a transcrição em inglês)... 
Bom, sou suspeita pra falar, porque, se a Jodie já tem 47 anos de carreira (e meio século de idade), eu a amo há pelo menos uns bons 35. Ela é incrível. Não só uma grande atriz, como também uma ótima diretora. Não deve ter uma só crítica que escrevi sobre algum filme com ela em que não falei que ela é atriz mais inteligente de Hollywood.
Por que acho isso? Porque ela sempre fez declarações sensatas, sempre escolheu bem seus papéis, sempre foi discreta na sua vida pessoal. Isso não deve ser nada fácil quando se é uma celebridade. Como ela disse em seu discurso: “Se você fosse uma figura pública desde quando você deixou de engatinhar, se você tivesse que lutar por uma vida que parece real e honesta e normal, aí talvez você também valorizaria a privacidade sobre todas as coisas”.
Ser famosa quando criança geralmente é algo bem destrutivo. Pense em quantas celebridades-mirins tiveram uma carreira como a da Jodie. Elizabeth Taylor, talvez. Ok, quiçá Christian Bale, mas ele já tinha 13 anos quando ficou famoso por Império do Sol. Shirley Temple, a mais famosa menina de todos os tempos, se aposentou com 21 anos. Britney Spears ainda tenta se reafirmar. Drew Barrymore conseguiu se recuperar por muito pouco. Kirsten Dunst tá indo bem. Macaulay Culkin, não. River Phoenix, como eu gostava dele. Michael Jackson, tadinho. Judy Garland, outra vida trágica. Cadê o Haley Joel Osment?
Pô, a Jodie interpretou uma prostituta quando tinha 14 anos, e já era uma atriz experiente! Sua vida foi esmiuçada devido a Taxi Driver. Um louco varrido cometeu um atentado contra um presidente por causa dela, e ela já teve pelo menos dois outros stalkers perigosos na vida. Só isso já seria suficiente pra muita gente largar a carreira. Mas não Jodie. Ela se formou em Yale, e não parou mais. Esta premiação Cecil B. DeMille no Globo de Ouro foi o 44o prêmio de sua carreira, incluindo dois Oscars (por Acusados e Silêncio dos Inocentes).
E durante todo esse tempo, seu comportamento mais digno de crítica foi... sua amizade com Mel Gibson. Os dois se conheceram nas filmagens de Maverick, em 94. “Assim que o vi, soube que seríamos amigos pro resto de nossas vidas”, diz ela. Jogam pôquer juntos até hoje. 
E Hollywood foi grande amiga do deslumbrante Mel (existiram muitos atores tão lindos como o jovem astro de Mad Max?) até 2006, quando os problemas começaram. Até então, ele era um ídolo querido, conhecido pelo seu bom humor, por ser um “homem de família” (casamentos não costumam durar muito entre celebridades), reconhecido como ator e diretor. Hoje, depois de ser preso dirigindo bêbado, de xingar judeus, de fazer declarações homofóbicas, das gravações insultando uma namorada, de uma condenação por violência doméstica, ele é odiado. Sua carreira acabou. Mas Jodie sempre ficou do seu lado.
A outra crítica que fazem a Jodie é referente a sua homossexualidade. Dependendo do ponto de vista, a crítica é por ela ser lésbica, ou por ela não ser lésbica o suficiente. Quer dizer, por ela não se assumir. Tanto que ela falou no começo de seu discurso: “Estou aqui cheia de confissões, e tenho vontade de dizer algo que nunca fui capaz de dizer em público. É uma declaração que me deixa um pouco nervosa. Não tão nervosa quanto minha publicista, não é, Jennifer? Mas, sabe, vou dizer. Em alto e bom tom. Vou precisar do seu apoio. Eu sou... solteira!”
A graça disso é que todo mundo sabe que ela é lésbica. No final de 2007 eu morava nos EUA, e lembro muito bem de um discurso de Jodie em que ela agradeceu sua “linda Cydney”. Acho que, já naquela época, não restou dúvida que ela se assumiu. Antes disso, algumas publicações LGBT queriam forçar Jodie a sair do armário, o que eu acho desrespeitoso.
Celebridades devem ter direito à privacidade, e a vida sexual de alguém não pertence a mais ninguém, fora à própria pessoa. Por outro lado, é importante que mais e mais gente assuma sua orientação sexual publicamente, porque quanto mais parentes e amigos gays os homofóbicos tiverem, menos homofóbicos eles serão. E astros e estrelas são modelos de comportamento pra muita gente, principalmente pros jovens. Portanto, é péssimo pra adolescentes gays terem poucos ídolos gays. Só que, em geral, não deixa de ser ruim pra carreira de uma estrela sair do armário. Ainda existe muito preconceito.
Alguns poucos criticaram Jodie por não ser explícita no seu discurso no Globo de Ouro, por não mencionar palavras como gay, lésbica, homossexual. Mas sério, gente, precisa? Não ficou claro? Ser lésbica é uma parte da personalidade dela. É relevante, é algo pra se orgulhar. Mas ser lésbica não define Jodie. Isso seria reduzi-la. Ela criticou o sistema, que faz com que celebridades anunciem a revelação de algum segredo “com uma coletiva de imprensa, uma fragrância e um reality show”. Ela se recusou a fazer isso.
Em compensação, olha só parte do discurso dela: “Não poderia estar aqui sem agradecer um dos maiores amores da minha vida, minha heróica co-mãe [ou co-parente de seus dois filhos], minha ex-parceira no amor mas irmã de alma na vida, minha confessora, companheira de ski, consultora, mais amada melhor amiga de 20 anos, Cydney Bernard. Obrigada, Cyd.
"Tenho tanto orgulho da nossa família moderna. Nossos filhos incríveis, Charlie e Kit, que são minha razão pra respirar e evoluir, meu sangue e minha alma. E garotos, caso vocês não saibam, tudo isso é pra vocês” [aí cortou pra dois meninos e eu pensei: Anthony Michael Hall, o que você está fazendo aqui?].
Ah gente, nem eu, que não tenho nenhum gaydar, que pensei que duas amigas minhas do doutorado eram colegas de quarto, e não um casal junto há quinze anos, iria pensar, depois desse discurso, que Jodie não é gay.
Essa revelação sem palavras-chave já deixou muita gente no público de olhos marejados. Mas a fala matadora foi a seguinte, em que Jodie discursou sobre sua mãe de 84 anos, que tem demência: “E isso me leva à maior influência da minha vida, minha mãe maravilhosa, Evelyn. Mãe, sei que você está em algum lugar dentro desses olhos azuis e que há muitas coisas que você não vai entender esta noite. Mas esta é a mais importante que você tem que registrar: te amo, te amo, te amo. E espero que, eu falando três vezes, isso vai magicamente entrar na sua alma, encher você de graça e felicidade ao saber que você fez um ótimo trabalho na vida. Você é uma grande mãe. Por favor, leve isso com você quando você finalmente estiver pronta pra ir”.
Chuif. Eu já vi o discurso dela quatro vezes, e chorei nas quatro.
Daí ela arrebatou desta forma: afirmando que continuará contando histórias. “Talvez não sejam tão atraentes, talvez não estreiem em 3 mil cinemas, talvez sejam tão murmuradas e delicadas que só os cães escutarão o assobio. Mas será minha escrita na parede. Jodie Foster esteve aqui, ainda estou, e quero ser vista, e quero ser compreendida e não ser tão sozinha. Muito obrigada, a todos vocês, pela companhia. Aos próximos 50 anos”.
Quer dizer. Como não amar uma pessoa dessas? É por isso que seu discurso está sendo tão comentado e será lembrado como o grande momento do Globo de Ouro (superando até a excelente abertura de Amy Poehler e Tina Fey).
Porque não foi burocrático nem ensaiado. Foi confuso (depois ela teve que esclarecer que não estava se despedindo, se aposentando), emocionante, cheio de humor,  pessoal, terno, longo, sincero. E tão lindo como sua dona.

P.S.: Aqui, 23 motivos por que você deve amar Jodie Foster. E isso foi escrito antes do seu discurso.




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