O papa é pop
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O papa é pop


Fonte: Valor

Rodrigo Constantino

Vendo as imagens da chegada do papa Francisco no Rio e aquela multidão de fieis em busca de um simples toque no líder religioso, veio à mente o livro novo de Mario Vargas Llosa, A civilização do espetáculo. Para o Nobel de Literatura, vivemos na era em que tudo é transformado em espetáculo, em entretenimento. Até filosofia e religião.

Esse tipo de reação histriônica das pessoas não difere muito daquela dos fãs de um cantor de rock, ou de um jogador de futebol. O ídolo desperta fortes emoções, e só de estar perto dele ou conseguir um clique com a câmara do celular já provoca enorme satisfação. Como diz a música dos Engenheiros do Havaí, o papa é pop!

A visão que Vargas Llosa tem da religião em geral e do Cristianismo em particular é bem alinhada à minha. O escritor considera que somente uma pequena parcela das pessoas consegue conviver razoavelmente bem com a idéia de que nossa vida é finita e um tanto sem sentido, sem cair, com isso, em desespero existencial, em niilismo profundo. Diz Vargas Llosa:

Se esta vida é a única que temos, se não há nada depois dela e vamos nos extinguir para todo o sempre, por que não tentaríamos aproveitá-la da melhor maneira possível, ainda que isso significasse precipitar nossa própria ruína e semear ao nosso redor as vítimas de nossos instintos desbragados? Os homens se empenham em crer em Deus porque não confiam em si mesmos. E a história demonstra que não deixam de ter razão, pois até agora não demonstramos que somos confiáveis. 

Poucos seriam capazes, então, de levar vidas decentes mesmo sem crer na eternidade ou em uma punição pós-morte. Esta pode ser uma visão um tanto elitista, mas paciência: eu acredito nela. Minha experiência me diz que, de fato, poucos suportam este flerte com a falta de sentido sem surtar, sem aderir à melancolia. Esse seleto grupo, não necessariamente superior aos demais, encontra na filosofia, nas artes, na literatura, as "fugas" para esta ausência.

Já a maioria necessita desse Pai, dessa figura antropomórfica que irá fornecer o sentido da existência e de sua finitude, que é a morte. O tecido social e os valores morais, portanto, dependem em boa parte da religião. Ela atuaria como Ulisses ao amarrar as próprias mãos no mastro do barco, para não cair na tentação das sereias. Esta é a visão utilitarista da crença religiosa. Marx chamava de "ópio do povo", mas creio que possa ser algo menos pejorativo: um freio, um código moral positivo. Diz Vargas Llosa:

Pouquíssimos seres humanos são capazes de aceitar a idéia do "absurdo existencialista" de estarmos "lançados" aqui no mundo por obra de um acaso incompreensível, um acidente estelar, de nossa vida ser mera casualidade desprovida de ordem e coerência, de tudo o que ocorra ou deixe de ocorrer com ela depender exclusivamente de nossa conduta e vontade e da situação social e histórica em que nos achamos inseridos.

A imagem descrita por Camus em O mito de Sísifo, que leva quase todos ao desespero e à paralisia. Mas, se a religião é mesmo o ópio do povo, então o marxismo é o crack, com efeitos bem mais letais. E eis o ponto mais relevante: quando tentaram abolir as religiões na marra, o que veio em seu lugar não foi um progressismo com base na Razão (com R maiúsculo), e sim algo muito pior. O socialismo é a religião laica, e o estado passou a ser o Deus da modernidade. Progresso? Diz Vargas Llosa:

Foi um gravíssimo erro, repetido várias vezes ao longo da história, acreditar que o conhecimento, a ciência e a cultura iriam libertando progressivamente o homem das "superstições" da religião, até que, com o progresso, esta se tornasse inútil. A secularização não substituiu os deuses por idéias, saberes e convicções que desempenhassem suas funções. Deixou um vazio espiritual que os seres humanos preenchem como podem, às vezes com sucedâneos grotescos, com múltiplas formas de neurose, ou dando ouvidos ao chamado dessas seitas que, de planejamento minucioso de todos os instantes da vida física e espiritual, proporcionam equilíbrio e ordem àqueles que se sentem confusos, solitários e aturdidos no mundo de hoje.

Se essa linha de raciocínio estiver correta, talvez seja positivo o fato de alguém como o papa ainda atrair tanta gente, inclusive jovem, mesmo com esse clima de euforia típica dos ídolos pop. Ao menos se trata de uma liderança moral decente, que prega valores importantes, e não algum tipo de fuga imediata para a angústia, seja pelas drogas, seja pela ideologia utópica. Deixo com Vargas Llosa a conclusão:

[...] o certo é que essa moral laica só encarnou em grupos reduzidos. Ainda continua sendo realidade indiscutível o fato de que, para as grandes maiorias, é a religião a fonte primeira e maior dos princípios morais e cívicos que dão sustento à cultura democrática.




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