O pessimismo de Vargas Llosa
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O pessimismo de Vargas Llosa


Rodrigo Constantino


Passei meu fim de semana na agradável companhia de Mario Vargas Llosa. Ou nem tão agradável assim. É que seu último livro, "A civilização do espetáculo", é obra de alguém um tanto rabugento. Não posso alegar surpresa, pois já tinha lido a resenha de Jerônimo Teixeira na VEJA, assim como o artigo de João Pereira Coutinho na Folha.

Sem dúvida se trata de um Mario Vargas Llosa mais pessimista, cansado com a degradação cultural de nossa época. David Hume fez um alerta importante, porém: "O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza". 

Devemos ter cuidado para não exagerar na dose do pessimismo, idealizando um passado inexistente. Como mostram Jerônimo e Coutinho, nem tudo é espetáculo na atualidade. Há coisas muito boas, decentes, refinadas, sofisticadas, sendo produzidas por aí, que apenas não ganham as manchetes e capas de jornais. 

Dito isso, considero o alerta pessimista feito por Vargas Llosa bastante pertinente sim. Entendo perfeitamente sua decepção diante da “pós-modernidade”. O zeitgeist é esse mesmo: vivemos na época em que os idiotas pululam, controlam tudo em nome da “democratização” de todas as áreas e do combate ao “preconceito”.

Mataram os critérios minimamente objetivos de julgamento estético. Tomar consciência do problema, relatado de forma exacerbada pelo Prêmio Nobel, consiste no primeiro passo para se evitar o pior, ou para mantermos um pingo de sanidade individual frente à massificação da “cultura”. Como diz Vargas Llosa:

A ingênua ideia de que, através da educação, se pode transmitir cultura à totalidade da sociedade está destruindo a “alta cultura”, pois a única maneira de conseguir essa democratização universal da cultura é empobrecendo-a, tornando-a cada dia mais superficial.

Na era pós-moderna, tudo é horizontal, não pode mais existir hierarquia. Com isso, a linha divisória que separava superior e inferior desaparece. Não existe mais civilização e primitivismo atrasado, pois tudo se confunde, é errado afirmar a superioridade de um frente ao outro. “A derrocada dessas distinções é agora o fato mais característicos da atualidade cultural”.

Vargas Llosa, velho defensor da democracia liberal e da economia de mercado, tenta evitar o tipo de ataque marxista à “sociedade do espetáculo”, como aquele feito por Guy Debord. Para ele, o fenômeno é cultural antes de tudo, não um epifenômeno da vida econômica e social. Mas o escritor peruano não consegue evitar duras críticas ao mercado globalizado que, ao universalizar tudo, contribui para massificar tudo.

Aqui discordo um pouco, pois a globalização permite o contato com inúmeras culturas diferentes, que ajuda a enriquecer quem está aberto a elas, sem recusar valores minimamente objetivos. Mas o alerta tem seu ponto, e merece ser citado:

A indústria cinematográfica, sobretudo a partir de Hollywood, “globaliza” os filmes, levando-os a todos os países, e, em cada país, a todas as camadas sociais, pois, tal como os discos e a televisão, os filmes são acessíveis a todos, não exigindo, para sua fruição, formação intelectual especializada de tipo nenhum. Esse processo se acelerou com a revolução cibernética, a criação das redes sociais e a universalização da internet.

Esse tipo de fenômeno, segundo Vargas Llosa, representa um sério obstáculo à criação de indivíduos independentes, capazes de julgar por conta própria o que apreciam e admiram. Considero essa visão pessimista demais, ao tratar todos como cães de Pavlov diante da tentação midiática. Mas não dá para negar que muitos sucumbem a isso sim. 

Talvez para a grande maioria, o bom passa a ser confundido com aquilo que é mais vendido, e sucesso passa a significar apenas boas vendas comerciais. “O único valor existente é agora o fixado pelo mercado”, constata o escritor, confundindo-se com um típico crítico de esquerda.

A “civilização do espetáculo” seria marcada pela busca incessante por diversão e distração. Literatura light, fácil, rápida, exigindo o mínimo de esforço intelectual e ao mesmo tempo causando no leitor a impressão de que ele é moderno, de vanguarda, revolucionário. Movimentos de massa que “desindividualizam” o indivíduo, perdido em meio ao clima tribal, como parte da horda primitiva. 

Drogas cada vez mais consumidas na busca por prazeres momentâneos, livrando o indivíduo de preocupação e responsabilidade, reflexão e introspecção, “atividades eminentemente intelectuais que parecem enfadonhas à cultura volúvel e lúdica”.

Proliferação de seitas moderninhas que visam à substituição das antigas e milenares religiões, ofertando conforto imediato e fugas espontâneas às angústias da vida. Humor banal como entretenimento: “Na civilização do espetáculo, o cômico é rei”. A transformação dos próprios intelectuais em “bufões” se quiserem, de alguma maneira, ainda influenciar o rumo das ideias em sua sociedade.

O estímulo exagerado de imagens: “Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias”. A superficialidade dos slogans das redes sociais. Políticos que cada vez mais só trabalham sua forma, em vez do conteúdo. A frivolidade valoriza mais a aparência que a essência. Banalização do sexo, transformação do erótico em pornografia vulgarizada. Revista Caras como ícone da modernidade, onde a fofoca sobre os famosos importa mais do que informação de fato. O próprio jornalismo alimentando essas paixões baixas do ser humano, de forma totalmente sensacionalista e mórbida.

É muito pessimismo para um domingo, eu sei. Nem tudo é assim como diz Vargas Llosa. Mas me parece inegável que ele tem um ponto, e que faz bem em expor seu alerta. Muitas pessoas com maior sensibilidade e independência acabam optando pelo autoexílio, pelo ostracismo autoimposto, pelo silêncio. E isso só deixa mais espaço para os idiotas. 

Por isso considero legítimo o ataque do escritor à “civilização do espetáculo”, uma vez que é sempre bom lembrar que “a vida não só é diversão, mas também drama, dor, mistério e frustração”. Poucos querem ser lembrados disso atualmente, na era do Prozac...




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