Geral
O risco de virarmos uma grande Argentina
Rodrigo Constantino
Deu no Valor: País é diferente da Venezuela, diz Mailson
Crítico da política econômica do governo da presidente Dilma Rousseff, Mailson da Nóbrega, ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, defende que o investidor considere disputar os leilões de infraestrutura em andamento e não "simplesmente saia correndo". "É possível provar que o risco de o país trilhar o caminho argentino ou venezuelano é muito baixo. O Brasil se destaca pela qualidade de suas instituições", diz.
Mailson é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, que firmou uma parceria com o Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) e a Inter.B para prestar assessoria a empresas no segmento de concessões. Em entrevista ao Valor, ele não deixa de contestar o modelo de leilão elaborado a partir do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010), que prioriza menores tarifas. "O ideal seria que o governo revisse a questão da modicidade, mas duvido que isso aconteça."
Além disso, ele acredita que deveriam ser buscadas taxas de retorno mais atraentes ao mercado. O governo ainda pode receber pedidos de grupos privados por melhorias na atratividade dos projetos, diz. "Os investidores sabem lidar com situações como essa, seja demandando rentabilidade maior ou reduzindo participação a alguns projetos em específico", afirma.
Mesmo assim, ele acredita que haverá participantes em todos os projetos. "A tendência é que, exceto no caso do trem-bala [no setor, há dúvidas sobre a viabilidade do projeto], todos os leilões tenham participantes e tenham vencedores. Não tenho dúvida disso. O que se pode discutir é se serão os ideais", afirma. Segundo ele, a percepção sobre a presença de interessados é ainda mais forte no caso de rodovias e aeroportos - segmentos em que há forte concorrência. Em ferrovias, ele diz ainda haver dúvidas sobre o modelo.
Mailson ressalta que os projetos levados ao mercado são de longo prazo, e que isso deve ser considerado pelo investidor estrangeiro como um forma de se obter experiência. "Ter um pé aqui dentro, ainda que em uma ou duas concessões, é perceber as tendências do país, é avaliar. Então, ficar de fora pode significar estar fora por muito tempo, porque outros vão entrar", diz.
Comento: Ler Maílson da Nóbrega é sempre importante. O "economista do ano" (Maílson foi agraciado com este prêmio pela Ordem dos Economistas Brasileiros recentemente) merece todo o meu respeito, e tem feito ótimas análises em sua coluna da revista VEJA. Nessa reportagem do Valor, ele levanta bons pontos também. O Brasil não é a Argentina, e tem instituições mais fortes. Mas...
Isso pode mudar, e passaremos pelo grande teste justamente nos próximos meses. O Brasil tem outra dimensão, maior pluralidade, muitos grupos de interesse organizados, e tudo isso dificulta um golpe bolivariano, sem dúvida. Mas desconfio que nossas instituições não são tão sólidas assim.
Temos um Congresso de péssima qualidade (alguém achou graça na eleição do palhaço Tiririca?), sob um sistema político confuso que perde credibilidade a cada dia. O clima de revolta difusa nas ruas, "contra tudo isso que está aí", cai como um raio sobre esta fundamental instituição da República, que é a democracia participativa. São legendas de aluguel, não partidos de verdade.
O pior de tudo, em minha opinião, é a total ausência de uma oposição legítima e organizada. Isso simplesmente não existe. O DEM quase sumiu, e o PSDB é bem menos pior que o PT, sem dúvida, pois o ranço autoritário da esquerda carnívora, leia-se bolivariana, não se faz presente. Ainda assim, é uma "oposição" tímida, envergonhada, sem convicção em um modelo alternativo de fato, com menos intervencionismo e mais liberal.
Restam o Judiciário e a imprensa. Sim, até aqui o STF se mostrou uma força republicana razoável. Mas assusta a presença de alguns ministros que mais parecem petistas disfarçados, assim como não soa nada bem o discurso de "escutar as ruas"; o STF é o guardião da Constituição, e esse é seu papel precípuo. Enfim, não há garantias de que este fundamental poder está realmente blindado contra a tentação bolivariana.
Por fim, temos a heróica imprensa independente, aquela que os golpistas chamam de "mídia golpista". Ela tem feito um papel importantíssimo para impedir esses avanços chavistas, mas até que ponto conseguirá resistir aos insistentes ataques sob o manto de "controle social" é uma incógnita.
Falta falar que o Bolsa Família se transformou no maior programa de compra de votos da história deste país. Isso representa constante ameaça à democracia, pois o governo pode sempre fazer terrorismo eleitoral afirmando que o concorrente vai acabar com a festa. Tivemos uma idéia do que isso acarretaria quando o próprio governo fez uma tremenda confusão e permitiu que o boato de fim da mesada circulasse.
Juntando isso tudo, receio que eu não consiga compartilhar da mesma tranqüilidade de Maílson. Nosso destino não é certo, nossa evolução não é garantida, e o risco de virarmos uma grande Argentina não é tão desprezível assim. A Argentina, não custa lembrar, contava com uma classe média razoável e mais educada que a nossa, e uma imprensa livre também. Não suportou as sucessivas crises econômicas e o populismo do casal Kirchner.
Se nossa crise se agravar nos próximos meses, como eu acredito que vá ocorrer, nossas instituições democráticas estarão em perigo. O teste para valer será agora. Espero que Maílson esteja certo em sua confiança. Mas creio que o veredicto ainda não foi dado...
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