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O troco em balinha - MARCELO COELHO
FOLHA DE SP - 29/05
Anúncios contra a pirataria no Brasil e nos Estados Unidos ajudam a reavaliar a diferença entre os países
Comprei pouquíssimos DVDs piratas ao longo da vida. Uma vez, há dez anos, em total estado de inocência, vi que existia uma banquinha na frente do Espaço Unibanco, e achei que era uma espécie de sebo ou venda de ocasião.
Nesse espírito, levei uma coleção de filmes sobre a história do jazz. Mais parecia um samba de breque.
Muito tempo depois, ou melhor, no mês passado, comprei uma leva dos filmes do Oscar que eu não tinha conseguido ver. O DVD não ficava empacando o tempo todo.
Mesmo assim, a experiência deixou a desejar. "O Mestre", por exemplo, filme bastante chato sobre o criador da cientologia, tinha legendas mais absurdas do que as próprias teorias apresentadas durante a história.
Prefiro comprar DVDs "seminovos" ou remexer nos saldões da Blockbuster. Claro, isso me deixa mais desatualizado do que nunca em termos de cinema americano. Enfim, há vantagens e desvantagens.
Mas talvez o melhor do DVD pirata esteja no fato de que ali, pelo menos, não temos de ver anúncios contra a pirataria.
O que mais me irrita, nesse tipo de coisa, é que eles desabilitam o seu controle remoto: não consigo pular o anúncio. Sou obrigado a assisti-lo, a ser doutrinado na defesa dos direitos de Steven Spielberg, dos donos da Fox.
Os anúncios brasileiros são bastante criativos, aliás. Mas o interessante é quando você topa com uma mensagem americana contra a pirataria. A comparação pode ser instrutiva quanto às diferenças de mentalidade nos dois países.
Nos Estados Unidos, eles mostram dois consumidores. Bill, conta o anúncio, chamou os amigos para assistir um filme em casa. Está tudo pronto, a cerveja, a pipoca. Tony, em outro apartamento, fez o mesmo.
Só que Tony comprou um DVD pirata. O som é péssimo; a imagem, turva. Pobre Tony! Seus amigos o abandonam. Ele luta com o controle remoto, e as pipocas se espalham pelo chão. Ficou sozinho. Não é mais popular. É um "loser".
No Brasil, como se sabe, os anúncios antipirataria têm outro conteúdo. O vendedor de DVDs piratas dá o troco "em balinha": são munições de metralhadora.
Ou então é o pai edificante, repreendendo o filho porque colou o trabalho do colégio. Só que assiste ao DVD pirata. O filho o repreende em troca.
Embora eu não tenha certeza das ligações entre pirataria e tráfico de drogas (ou sequestro, ou terroristas da Al Qaeda), reconheço nos anúncios brasileiros um conteúdo moral mais elevado. Trata-se de apelar para o respeito à lei.
Nos Estados Unidos, o apelo é aos interesses do próprio consumidor. Que se refletem, sobretudo, na aprovação dos seus pares.
Usando a velha distinção de David Riesman, em "A Multidão Solitária", seria o caso de dizer que o brasileiro seria ainda um exemplo de cidadão "autodirigido", ou seja, alguém que incorporou dentro de si a legalidade.
Precisa ser apenas, digamos, melhor informado sobre a lei específica em questão, mas haverá de colaborar. Quer se olhar no espelho e se enxergar como um cidadão de bem.
Já o espectador americano perdeu qualquer senso de civismo. Na tipologia de Riesman, é o "heterodirigido": não pensa em ficar bem consigo mesmo, mas sim em ficar bem com os amigos. Não quer ser visto como um muquirana, um pobretão, um molambento eletrônico.
Estaremos tão bem assim em termos de escala de valores? Há algum tempo, tudo levaria a crer que passaria por otário, por um "caxias", o sujeito que não compra DVDs piratas. Hoje, o apelo do anúncio brasileiro se dirige aos admiradores de Joaquim Barbosa.
Se funciona ou não, é outro caso. Será menor o comércio pirata em São Paulo do que em Los Angeles?
Talvez o anúncio relacionando crime organizado e pirataria convença menos por lá. Afinal, num mundo em que os direitos autorais são uma fonte de renda tantas vezes ilegítima (basta pensar no quanto ganham os netos de um escritor morto há décadas), a condenação à pirataria é um bocado problemática.
Já se mudou a legislação a respeito, estendendo a validade dos direitos sobre uma obra, para responder a um risco iminente: o de que a imagem de Mickey Mouse passasse ao domínio público.
Com lei ou não, é ainda o mundo de Tio Patinhas; Donald, certamente, tenta o DVD pirata, enquanto os escoteiros-mirins suspiram desolados.
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