Os pequenos príncipes
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Os pequenos príncipes


JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP

Viajo de trem todas as semanas. Pode ser a melhor viagem do mundo. Ou a pior. Depende das crianças. Da existência delas.
Quando não há crianças a bordo, são três horas de puro hedonismo pessoal. Entro na carruagem, desligo o celular, sento-me. Descalço os sapatos. Leio um pouco, escrevo um pouco. Bebo também um pouco -um uísque de malte, tolerável, embora em copo de plástico (não há mundos perfeitos). Escuto música, assisto a um filme antigo no laptop.
E durmo -20 minutos, 30 minutos de meditação profunda, só para restaurar a minha beleza natural. Já pensei em levar duas rodelas de pepino no bolso só para colocar sobre as pálpebras exaustas.
Quando chego ao destino, sinto-me tão relaxado que a minha vontade é comprar uma passagem de volta e repetir o spa ferroviário.
São as crianças que estragam tudo. Minto. São os pais das crianças. Existem dois grupo nas minhas experiências ambulantes.
O primeiro é composto por múmias deslumbradas com os filhos. Não se mexem. Contemplam. E contemplam com orgulho a forma como a descendência berra, suja e destrói a carruagem. O amor dos pais-múmia não se manifesta por ação, mas por omissão. Os filhos são tão absolutamente adoráveis que a selvajaria deles é digna de uma bailado de Nijinsky (1890-1950).
O segundo grupo é tão pernicioso quanto o primeiro. Mas onde antes havia deficit de disciplina, agora há excesso. Um gesto brusco dos filhos é mimetizado por um gesto brusco dos pais. Os filhos levantam-se subitamente, os pais levantam-se logo a seguir. Os filhos correm, os pais correm atrás. Os filhos berram, os pais berram com eles. Os filhos destroem a carruagem, os pais destroem os filhos.
Seja como for, o resultado é sempre o mesmo: uma viagem arruinada para terceiros. Certa vez, em desespero de causa, ainda tentei encontrar um compromisso. E perguntei a uma das assistentes de bordo se não seria possível a existência de uma carruagem à parte, só para crianças, como acontece com certos animais de estimação.
A donzela respondeu-me com um trejeito de horror profundo, como se eu fosse o Dr. Mengele a sugerir mais uma experiência médica. Deus meu, serei um monstro?
Pamela Druckerman diz que não. A sra. Druckerman é uma escritora americana a viver em França, mãe de três crianças e admiradora confessa das crianças dos outros. Crianças francesas, entenda-se, que se comportam em público e privado como os seus próprios filhos não se comportam em lado algum.
Como explicar a educação esmerada dos pequenos gauleses por oposição à rebeldia incontrolável dos pequenos americanos?
A resposta pode estar em "Bringing Up Bébé: One American Mother Discovers the Wisdom of French Parenting". O livro é lançado nesta semana, mas o "Wall Street Journal" já avançou com um aperitivo.
O segredo, conta Druckerman, não está no excesso de disciplina; muito menos na escassez dela. Está na forma adulta como os adultos normalmente (não) tratam as crianças. Ou descem ao nível mental delas; ou, pior, procuram elevá-las violentamente ao nível mental deles.
Que cada um tenha um papel específico na relação (a saber: educar e ser educado), eis um pensamento simplório que não passa pela cabeça dos pais modernos.
E, no entanto, é precisamente esse papel que os pais franceses tentam imprimir nos filhos. Como? Mostrando-lhes, de preferência sem berrar ou bater, que "não" é simplesmente "não"; que a frustração e o tédio fazem parte da existência humana; e que, às vezes, é preciso adiar a gratificação instantânea, sobretudo em matéria gastronômica.
Tudo isso é comunicado sem violência ou sentimentalismo; apenas com respeito e firmeza.
O resultado, escreve Druckerman, pode ser visto em restaurantes, lojas, escolas -e nas casas de cada um: paz na hora das refeições; paz nas compras cotidianas; paz na aprendizagem escolar; e paz, também, para amigos ou convidados da família.
Moral da história? Da próxima vez que tomar meu trem, prometo levar na mala alguns exemplares do livro da sra. Druckerman. Para oferecer em caso de emergência.
Se nem isso funcionar, paciência: só me resta abrir a janela e jogar fora pais e filhos.




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