BATA NO SEU FILHO E PERPETUE A BURRICE
Geral

BATA NO SEU FILHO E PERPETUE A BURRICE


Faz tempo que venho querendo escrever contra bater em crianças, e agora que está em todos os jornais o apoio de Lula a um projeto do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que condena castigo corporal e o vê como tratamento cruel e degradante, vejo que esta é uma boa hora. O presidente, inteligente como é, previu que “muita gente reacionária nesse país” iria chiar. Parece que bater para educar (que vai da palmadinha e beliscão até a surra de cinta) é uma instituição nacional. Lula é rápido em dizer que o projeto não visa proibir, mas ensinar que “é possível fazer as coisas de forma diferenciada”. De fato, fiscalizar o que pais fazem com seus filhos dentro de casa é inviável. Mas por que essa reação tão exagerada até pra discutir se bater é realmente um bom remédio?
Nesse quesito de “educo meu filho como quiser e ninguém tem nada a ver com isso”, os conservadores brasileiros são muito parecidos com os americanos, que têm horror à interferência do Estado nos seus direitos individuais. E, ao que tudo indica, bater no seu filho é um direito individual. É engraçado, porque se um adulto chegar em outro adulto e bater nele (ainda que seja para “corrigi-lo” ou “educá-lo”, ou só crianças precisam ser educadas e corrigidas no nosso mundo?), isso será considerado crime. Mas bater na sua criança tudo bem, porque, afinal, você, diplomado em Pedagogia e com um certificado de Habilidade em Lidar em Situações de Crise, sabe o que é melhor pra ela. Dá pra ver que as leis não são feitas por crianças, né? O sentimento de posse que pais têm pelos seus filhos é enorme, e está na origem de vários problemas.
Por exemplo: uma pesquisa de 2007 apontou que 12% das 55,6 milhões de crianças brasileiras menores de 14 anos são vítimas de alguma forma de violência doméstica. A Unicef diz que uma criança por hora morre queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais. Certamente os pais que matam seu filho não partem com a intenção de matá-lo. Aposto como a agressão começa como uma forma de educação ― e aí vai um pouquinho longe demais. E, pra provar como criança ocupa o nível mais baixo de poder, só 1% das denúncias de agressão infantil são feitas pela vítima. Criança não sabe nem que tem o direito de denunciar! É um bicho indefeso, refém da própria sorte e de seus guardiões. E o que seus pais fazem? Batem nela! Com a melhor das intenções, lógico. Aquilo é bom pra ela.
Exceto que... não é. Não é mesmo. Uma pesquisa do ano passado, realizada nos EUA com famílias de baixa renda, envolveu mais de 2,500 crianças. A conclusão foi que bater, mesmo no caso de palmadas, é ruim pra educação das crianças. Crianças que receberam palmadas quando tinham um ano de idade tendiam a reagir mais violentamente quando alcançavam dois anos, e tinham um desempenho pior num teste de raciocínio aplicado aos 3 anos. Como a pesquisa trata de crianças de um ano, pode-se imaginar que elas não eram espancadas com cinta pelos pais (certo? Diga que sim, por favor!). Eram mais palmadinhas e beliscões mesmo. E ainda assim, onde estão as vantagens prometidas? Ou deixar a criança agressiva e burrinha é uma vantagem, e eu que não me dei conta?
Violência gera violência. Este é um conceito tão óbvio! Todas as pesquisas comprovam que crianças que foram vítimas de violência doméstica têm grandes chances de repetir a dose quando forem educar os filhos. E daí por diante: seus filhos educarão os filhos deles desse jeito. E tem gente que acredita que, graças a esse círculo vicioso, estão criando seres humanos de um nível superior aos demais, apenas porque seus pais não tiveram a inteligência de pensar num método menos tradicional de educação! Eu gosto de programas como Supernanny, sabe? Neles (que são uma tendência mundial), a babá quase sempre encontra uma família problemática em que os pais batem nos filhos. E ela os ensina a não bater, ensina a conversar, a recompensar as crianças pelo que elas fazem certo, ao invés de puni-las pelo que fazem errado. Eu não tenho filhos, mas fui educada dessa forma. Meus pais jamais tocaram em mim se não fosse pra me dar carinho. Segundo a cartilha do “tem que bater pra formar caráter”, eu hoje seria uma psicopata. Junte esta falha grotesca na minha criação com o fato de eu ser ateia, e sou uma psicopata sem valores (porque só os religiosos têm valores. Por coincidência, esses também são os que mais batem nos filhos).
Será que esses reacionários esperneando contra o projeto sabem que as leis já são assim há décadas nos países desenvolvidos? Vejamos a Suécia. Você acha que algum sueco bate no filho de cinta? Aliás, será que lá alguém bate no filho de qualquer jeito? E, pelo que contam, parece que lá os índices de criminalidade, corrupção, e desigualdade social são menores que os nossos. Não é possível: eles devem estar fazendo algo errado!
Eu queria saber por que os guardiões da moral e dos bons costumes, que defendem tanto os valores (preconceituosos) da sociedade, e riem do politicamente correto, acreditam que a civilização que temos seja o suprassumo da evolução humana. Sério mesmo que tanta coisa tradicional é boa? Boa pra quem? Quando? Onde?




- Guest Post: Medo De Apanhar NÃo É Educar
Não preciso ter filhos para ser terminantemente contra as palmadas. Sinto muito, mas ser pai ou mãe não faz de ninguém um especialista na criação dos filhos.  Quem é contra a violência doméstica deve entender que bater nos filhos é também...

- Dois Em Um: ViolÊncia Contra A CrianÇa E Masculinidade
“A tradição é a personalidade dos imbecis”. A frase é atribuída a Albert Einstein, mas foi o compositor Maurice Ravel (do lindo "Bolero") que disse isso (obrigada, Camila!). Acho que podemos assinar embaixo. Hoje é o Dia Mundial pela Prevenção...

- É Contra ViolÊncia DomÉstica? FaÇa-a Parar
"Não posso esperar até crescer" Sou totalmente contra a violência infantil. E dentro do critério da violência infantil incluo as tais “palmadinhas pedagógicas”, tão aceitas pelos pais pais brasileiros. Já escrevi vários posts sobre o assunto,...

- Larissa, 15 Anos, Morta Pelos Pais
Fiquei horrorizada com a notícia de uma menina de 15 anos que morreu após ser espancada pelos pais. O caso aconteceu na terça-feira em Cafelândia, cidade de apenas 16 mil habitantes no interior de SP, e ainda há versões conflitantes. O fato é que...

- Bater Em CrianÇa Mostra CarÁter
Queria continuar só mais um pouquinho com o meu tema da semana passada, sobre o projeto do governo proibindo agressão às crianças. Primeiro que não aceitar punição física é totalmente diferente de não aceitar punição ou castigo para uma besteira...



Geral








.