Parabéns
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Parabéns


Meus dias na França têm sido de aflição pura. No post passado, eu disse que o médico havia cogitado a idéia de eu piorar e ter de ir ao hospital. Mal escrevi o post e Camilo, depois de dar uma bela olhada na minha cara bela, disse que seria melhor irmos ao hospital. Da minha cara escorria um líquido verde. Mas isso era o gostoso da história. Meu rosto começou a inchar, a inchar e a inchar, e, quando fui atendida no hospital, meu rosto já tinha mudado. Não se tratava mais do rosto de Luci, mas de algum ser maligno que havia se apoderado da minha face. E eu tenho fotos pra provar.

Dei entrada no hospital às 23h da segunda-feira, 25, e fui atendida às 3h. Conheci profundamente o sistema de saúde público francês. A enfermeira mão-de-ferro me enfiou uma agulha na mão e por ali eu tomei antibiótico. Depois, fui delicadamente jogada num corredor e permaneci ali até o outro dia, quando fui acordada por um médico brasileiro. Porra, quanta diferença! A gente falou de feijoada, da saúde pública, dos nossos relacionamentos amorosos, do idioma, da amabilidade do francês, de imposto de renda, de orkut e de tantas outras merdas que se possa imaginar. Até tinha esquecido que estava num hospital, até tinha esquecido que eu estava falando com um médico (que eu tinha conhecido ha 10min). Mas afinal, aquela já não era eu, era compreensível tanta desenvoltura com um estranho.

Meu rosto inchou tanto que, a essa altura, meu olho esquerdo estava completamente fechado. Meu pobre rosto inchou tanto que eu não conseguia ver meu ombro esquerdo! Imaginem, uma maravilha. Fizeram uma tomografia, mas ninguém conseguia nos dizer o que eu tinha.

O banheiro do hospital fedia fortemente a mijo. Impressionante. E as pessoas insistiam em falar comigo em francês mesmo depois de eu dizer que eu não falava a língua.

- Você fala francês?
- Não.
- Você fala inglês?
- Falo!
- Ah, je ne parle pas anglais...

Fui transferida pra outro hospital. Andei de ambulância, foi super divertido, espero que tenha sido a última vez. No novo hospital, os médicos vinham me examinar em grupo. Eu me sentia um bicho exótico. Como todos eram jovens internos, ainda deixavam transparecer o nojo que a cena provocava. Não era por menos, eu imagino. Depois de mais algumas horas nesse hospital, os competentes jovens médicos me transferiram novamente pra um outro. As perguntas eram as mesmas: dói? Arde? Coça? Os dentes estão no lugar? Secreções? Não. Só alguns pesadelos e uma terrível crise de auto-estima.

No terceiro hospital, finalmente eu chorei. Chorei porque não agüentava mais ver a cara de pena de Camilo, chorei porque eu estava realmente parecendo um monstrinho. Chorei porque ninguém sabia o que porra eu tinha e porque eu não sabia falar a porra da língua e tinha que depender totalmente de Camilo que, aliás, estava perdendo trabalho desde que essa historinha havia começado.

Mas eis que chega uma luz em forma de mulher e diz: "querida, você sofreu uma reação alérgica a algum medicamento que estava usando. Esse inchaço no seu pescoço é apenas retenção de água. Entendo que você esteja mal, mas não estamos preocupados com a sua aparência, isso se resolverá (tipo, "isso é o de menos"). Você tomará antibióticos via oral e usará pomadas. Ficará dois dias interna. Até logo". Pronto. Ouviram? Era só isso! E, como se não bastasse, o hospital era lindo e limpo. Havia sido inaugurado há três semanas.

As enfermeiras eram ótimas! Sabiam que eu não falava francês e se arranjavam como podiam pra me passar as informações. Havia uma em particular que confundia minha ignorância no francês com surdez:

- MADAME, AGORA EU VOU PASSAR A SUA POMADA. OK?
- Errr... Ok.
- TRES BIEN!

No dia seguinte, chegou uma mulher muito legal que estava com câncer de pele pra dividir o quarto comigo. Ela sabia falar inglês e, de vez em quando, quando as palavras-chave em francês não me auxiliavam, ela traduzia o diálogo entre mim e os médicos. E, é claro, ela me fez pensar que uma carinha torta não significava nada perto de um câncer.

Hoje, finalmente, sai do hospital. Foi presente de aniversário. Sim, porque hoje é 28 de maio e agora sei que os 24 anos de idade me chegarão com bastante aprendizado: se for beber, minha filha, pelo amor de deus, use capacete.




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