Sem lenço e sem documento
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Sem lenço e sem documento


Neste ultimo final de semana, apesar do convite de amigos para viajarmos, resolvemos ficar em casa para colocarmos em dia os nossos compromissos. Foram e-mails respondidos e cartas remetidas. Fizemos minha pré-matricula no curso de francês. Camilo organizou todos os papéis necessarios para pedir o reembolso dos remédios e das contas do hospital em que fiquei internada no final de maio.

O meu seguro social cobre 80% das despesas hospitalares. Infelizmente, somente depois de ser internada, é que Camilo foi atras da cobertura dos outros 20%. Tarde demais. A conta referente a esses 20% chegou ha uns dias: 508€. Exatamente. Quase R$1.500. "Ja passou", consolava o menino diante da minha angustia. Mas parece que não passa nunca! 508€ por um momento de abestalhamento. Valeu, Luciana!

Bom, mas o que estah feito, estah feito (conclusão apos momento de reflexão profunda).

Para resolver esses compromissos que citei, passamos a tarde inteira do domingo em meio a papéis de todo tipo. Eh impressionante a burocracia francesa. Para qualquer ação tomada junto ao governo francês, ha um milhão de requisitos e pré-requisitos a serem cumpridos e meia tonelada de papel certificando que você é você, que você tem boas intenções, que você trabalha, que você. Simplesmente. Antes de respirar a tranquilidade do estrangeiro legalizado, preciso ir na Prefeitura validar meu visto até 18 de agosto proximo.

Na primeira tentativa de fazê-lo, chegamos à Prefeitura às 9h da manhã, pegamos a senha 125 e soh fomos atendidos às 16h. A espera soh não foi tão traumatica porque saimos da Prefeitura e fomos andar pela cidade até a hora em que calculamos ser a ideal para voltarmos. Soh que um dos nossos papéis, o comprovante de residência, estava um mês fora do prazo, então tivemos que voltar pra casa de mãos vazias. Então, para Camilo não perder um dia inteiro de trabalho novamente, combinamos que hoje eu iria sozinha, pegaria a (maldita) senha, voltaria pra casa e somente de tarde iriamos à Prefeitura.

Eu não pretendia escrever tanto, mas eu preciso descrever o horror da fila da Prefeitura! A Casa abre às 9h, mas acredito que de madrugada ja tenha gente acampando na calçada. Hoje cheguei às 8:45h e a fila tinha uns 150m (mas poderia ter 50m, afinal, ja disse que minha noção de distância veio com defeito). O que importa é que tem muita, mas muita gente mesmo! Somos então segregados: "povão estrangeiro" do lado esquerdo e "cidadãos franceses" do lado direito.

Na fila do lado esquerdo, se vê gente de toda cor, tamanho, sexo e cheiro. Esse é o ponto interessante. Passei 45min na fila atras de um cara que desconhece o uso do desodorante. Cada vez que ele se movimentava, o veneno que saia debaixo dos braços dele corria pras minhas narinas. Eu ja estava perdendo os sentidos quando a fila começou a andar.

A policia acompanha todo o movimento. E acompanha com uma cara nada simpatica. E eu la, sozinha, com meu papelzinho escrito "je viens faire une 1ere demande de titre de sejour". Eu odeio ter pena de mim. E hoje eu tive pena de mim. Quando tirei o papelzinho do bolso, ja na proximidade da entrada da Prefeitura, gaguejei o que lembrava do papelzinho. A mulher entendeu (acho que foram os anos escutando sotaques dos mais variados) e me indicou um guichê. A moça do guichê perguntou pelo meu passaporte. Pensei "fudeu". Primeiro porque eu não havia levado o documento, depois porque não sabia explicar em francês onde estava o meu passaporte. Olhei pra cara dela, com minha cara de cu, pensei dois segundos e disse (em francês) que estava em casa, mas, claro, ela não entendeu. "Err... maison? Hmm... Ah, chez moi!" Não, não adiantava estar em "chez moi", querida, tinha que estar nas minhas mãos mesmo. Então, tive que voltar pra casa de novo. Sem nada.

Aquela sensação que, provalmente, eu tive pela ultima vez aos oito anos de idade, voltou com força depois de ter recebido o não da funcionaria. Fiquei super chateada. A sensação era essa: era como se eu fosse criança de novo e enfrentasse toda minha timidez pra comprar o melhor doce da venda tendo apenas dois centavos nas mãos. Dramatica, não? Mas é assim que eu sou e é assim que senti hoje de manhã. Mas soh me senti assim até achar a saida da Prefeitura. Depois voltei a ser Luci atual e xinguei mentalmente a mulher do guichê, o policial, o cara do sovaco podre, Sarkozy e a mim. A telepatia fez Camilo me ligar na mesma hora. E de novo, "ja passou, amor".

Quinta-feira tentarei de novo! Munida de mp3, passaporte e mascara!

Para mais: PorteDoree.blogspot




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