Paris e Washington - GILLES LAPOUGE
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Paris e Washington - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 10/09

PARIS - O secretário de Estado americano, John Kerry, após as reuniões em São Petersburgo, na Rússia, e em Vilnius, na Lituânia, retomou seu avião e fez uma escala em Paris. Curioso. Normalmente, os diplomatas americanos fazem de tudo para evitar Paris. Passam por Roma, Berlim e, principalmente, por Londres, mas quase nunca em Paris. No entanto, Kerry mudou de ideia. Não só veio a Paris, mas também proferiu um discurso em um "francês" excelente. Diante disso, podemos avaliar o alvoroço diplomático que a questão da Síria tem provocado no Ocidente.

Até agora e há 60 anos, o aliado constante dos EUA era a Grã-Bretanha. Londres era o "bom aluno" do campo americano. Paris era o indisciplinado, aquele que fica no fundo da sala de aula atirando bolas de papel sempre que o professor americano distribuía sua lição. A França zombou da Otan e recusou-se a invadir o Iraque de Saddam Hussein quando Washington pediu.

Há cerca de dez anos, em 2004, esse mesmo John Kerry, hoje secretário de Estado dos EUA, concorreu contra George W. Bush nas eleições presidenciais americanas. Kerry já falava um ótimo francês porque, quando criança, passava suas férias na Bretanha. Contudo, durante toda a campanha eleitoral de 2004, ninguém jamais o ouviu pronunciar uma única palavra em francês. Se fosse colocada em sua mesa uma garrafa d'água Evian, ele mandaria retirar, porque Evian é uma água francesa.

NOVIDADE
No entanto, hoje tudo isso é passado. Ele agora faz belos discursos em língua francesa. O fato é que a diplomacia ocidental vem tendo vertigens desde que o presidente sírio Bashar Assad, vergonhosamente, lançou gás venenoso contra seu próprio povo. Obama quis puni-lo e recorreu a sua aliada tradicional, a Grã-Bretanha.

Londres, entretanto, ficou em silêncio. Paris, normalmente um péssimo aliado, redimiu-se e o Ocidente hoje está reduzido a uma "coalizão" de dois soldados apenas: um americano que detesta a guerra e um francês, além do mais socialista, que parece qualquer coisa menos um guerreiro de verdade.

A aflição dos aliados é mostrada por um outro indício: o comportamento da chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Eis aí uma senhora que não nos habituou a ter sentimentos. Quando toma uma decisão, é difícil fazê-la mudar de opinião.

Contudo, o quebra-cabeça sírio tem revelado uma Angela Merkel desconcertada, vacilante. Houve duas reuniões semana passada sobre a Síria, em São Petersburgo e em Vilnius. Na primeira, ela se opôs aos americanos e arrastou alguns países consigo, que se recusaram a empreender qualquer ação contra a Síria.

No entanto, no dia seguinte, em Vilnius, concordou em assinar um texto da União Europeia que preconizou uma "severa resposta internacional às violências de Bashar Assad". Então? Mesmo Angela Merkel não sabe bem o que quer? Na verdade, a chanceler alemã, no texto preparado pela União Europeia, não recomenda absolutamente uma "ação armada" com a qual Obama e Hollande sonhavam na semana passada. Ela aprova respostas diplomáticas, políticas e, talvez, econômicas.

É preciso admitir que a situação em território sírio é difícil de entender. Se o comportamento do presidente sírio é evidentemente odioso, a atitude dos insurgentes, dos inimigos de Assad, é intrigante. O campo dos oponentes parece, cada vez mais, corrompido por "estrangeiros", islamistas radicais, jihadistas.

Já vimos em vídeos rebeldes matando prisioneiros desarmados como se abate um animal, com uma bala na têmpora. Esses vídeos são uma montagem, mentira ou verdade?

JUSTIFICATIVAS
Domenico Quirico, jornalista italiano do jornal La Stampa, sequestrado há cinco meses na Síria, retornou à Itália. Está esgotado e ainda angustiado com a lembrança das torturas, ameaças de morte e violências que sofreu. Não sabemos exatamente quem foram seus sequestradores. De acordo com algumas fontes, seriam jihadistas, mas a informação não foi confirmada.

Essa é uma guerra exposta aos olhos do mundo e, ao mesmo tempo, invisível. Não conseguimos nem mesmo determinar a identidade daqueles que estão em luta. São também esses pontos obscuros, essa imprecisão, essas incertezas, que explicam os "temores e tremores" que se apoderam da diplomacia ocidental quando ela se aproxima do caldeirão maldito, no fundo do qual morrem milhares de pessoas inocentes.




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