Perda automática do mandato parlamentar - FERNANDO BRANDINI BARBAGAL
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Perda automática do mandato parlamentar - FERNANDO BRANDINI BARBAGAL


CORREIO BRAZILIENSE - 16/09

Tivemos recentemente a oportunidade de questionar uma situação até há pouco tempo impensável de ocorrer em terras tupiniquins: a prisão de deputados e senadores. Como ressaltamos na ocasião, a privação da liberdade decorrente da condenação definitiva do parlamentar relaciona-se diretamente com outra questão igualmente relevante: a perda (ou não) do mandato do parlamentar condenado.

O atual regramento constitucional é contraditório, porquanto existem dois artigos que aparentam tratar do tema. O art. 15, inciso III, da Constituição, determina que os condenados em definitivo perdem seus direitos políticos (ficam inelegíveis). Nessa linha, condenado, o parlamentar, como qualquer outra pessoa, perderia os direitos políticos e, por consequência, também o mandato. Por seu lado, o art. 55, VI, CF estabelece a condenação criminal definitiva como causa para perda do mandato. Porém, o parágrafo segundo desse mesmo artigo ressalva que, nesses casos, caberá ao Congresso (Câmara ou Senado) decidir, por maioria absoluta de votos da respectiva Casa, a perda do mandato do parlamentar condenado.

Entre as duas possibilidades, o Supremo Tribunal Federal, ao findar a fase inicial do julgamento da Ação Penal nº 470 (denominado caso do mensalão), entendeu que a perda do mandato seria efeito próprio da condenação. Esse entendimento deu-se por maioria simples de cinco votos a quatro, sendo que, na oportunidade, em razão da aposentadoria de dois ministros, a Corte contava com apenas nove ministros.

No entanto, ao julgar o caso do senador Ivo Cassol (Ação Penal nº 565), com sua composição plena, alterou-se o quadro e a maioria dos ministros (seis votos a cinco) entendeu que deveria ser aplicada a regra do art. 55, § 2º, da Constituição, entregando-se ao Congresso a palavra final sobre a perda do mandato do parlamentar condenado. Reiterou-se esse entendimento no caso Donadon (ED - AP nº 396).

Nele, a condenação foi de 13 anos, quatro meses e 10 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado; logo, a reprimenda é incompatível com o exercício regular do mandato. Diante disso, evidencia-se que a regra constitucional do art. 55, § 2º da Constituição reserva-se para os casos de condenação por crimes menores, cuja pena final seja de detenção em regime aberto ou semi-aberto. Nesses casos, caberia ao Congresso definir se o parlamentar deveria ou não perder o mandato em caso de condenação.

Ao entender que a regra do art. 55, § 2º da Constituição aplica-se a qualquer caso de condenação de parlamentar, o STF criou um obstáculo para efetivação de sua própria decisão. A Constituição garante algumas prerrogativas aos deputados. Evidentemente, enquanto ocupantes dos cargos, as pessoas que os personificam levam consigo essas prerrogativas, algumas das quais são chamadas de imunidades formais e objetivam impedir perseguição para garantir o livre exercício do mandato. Nessa linha, a Constituição determina que nossos parlamentares "não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável" (art. 53, § 2º).

Diante da clara redação desse dispositivo, o parlamentar só pode ser preso quando flagrado praticando crime inafiançável. Ou seja, não se admite outro tipo de prisão contra o parlamentar, seja preventiva, seja após condenação definitiva.

Espera-se que a pessoa que exerce o mandato de parlamentar, condenada à pena de prisão em regime integral fechado, por lógica e garantia da efetividade da jurisdição, seja presa. Contudo, de acordo com a Constituição, o parlamentar só pode ser preso em caso de flagrante delito. Por consequência, numa interpretação lógica, em casos como o de Donadon, a perda do cargo decorre da condenação. Ora, se o art. 53, § 2º, CF estabelece que o parlamentar só pode ser preso em flagrante (o que não foi o caso de Donadon), apenas admitindo-se a perda do mandato como decorrência da condenação é que ele poderia ser preso.

A prevalecer o entendimento contrário (de que a perda do mandato não é automática), Donadon nem sequer poderia estar preso neste momento. Somente após a deliberação e a decisão pela perda do mandato é que poderia ser determinada a prisão. Ora, como não se estabeleceu a votação necessária para a perda do mandato (que se dá por maioria absoluta), Donadon continua deputado e assim não poderia ser preso. Aliás, nem sequer poderia ser expedido mandado de prisão contra ele.

Em resumo, numa interpretação sistemática do texto constitucional, verifica-se que, em casos de maior gravidade, a condenação por si só acarreta a perda do cargo do parlamentar (ar. 15, III), autorizando, por isso, a prisão, independentemente de decisão do Poder Legislativo, sendo a regra do art. 55, § 2º da Constituição supletiva para casos com a pena que não impeça o exercício do mandato.

Um deputado irresignado com a situação entrou com mandado de segurança contra a decisão da Câmara dos Deputados, devolvendo uma vez mais ao Supremo a palavra final sobre o assunto. Agora, aguarda-se uma posição consentânea com a lógica imposta pelo texto constitucional.




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