PROJETO X: NÃO AO GÊNERO DETERMINISTA
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PROJETO X: NÃO AO GÊNERO DETERMINISTA


Acho fascinante ver a reação das pessoas em relação ao caso dos pais suecos que estão criando sua criança de dois anos e meio sem determinar (para os outros) se ela, a criança, é menina ou menino. A reação principal é de ultraje: como que alguém pode fazer uma experiência com seu próprio filho(a)?! Olha só todos os problemas que a criança vai ter que enfrentar por estar tão fora dos padrões (como se o bullying não atingisse também crianças dentro dos padrões)! A culpa é dos pais por a criança crescer atormentada na escola (o problema não é de quem é agressivo com a criança, ou a agressividade em si; o problema é a criança e seus pais, que praticamente convidam a agressividade)! É interessante tudo isso porque, na realidade, uma criança crescer sem gênero determinado publicamente assusta os outros, muito mais que a criança. São os outros que não sabem agir perante as diferenças. Há um conto simpático chamado “X: A Fabulous Child's Story”, de Louis Gould, publicado pela primeira vez em 1972 na revista feminista Ms. Dá pra lê-lo aqui (tá em inglês e é um pouco longo, mas vale a pena). É justamente sobre isso: uma criança ser criada não como menino ou como menina, mas como ambos.
Antes de mais nada, convém explicar uma coisinha que é confusa pra um monte de gente. Faz tempo que algumas feministas fazem uma distinção entre sexo e gênero. Sexo é biológico. A gente nasce com vagina ou com pênis (e há alguns bebês, poucos, que nascem hermafroditas, com características de ambos os sexos, e um dos sexos vai predominar com o passar dos tempos). Agora, gênero (gender, em inglês) é uma construção social. Em outras palavras, nascer com uma vagina não significa que a menina tenha que adorar vestidinho rosa e pilotagem de fogão. Nascer com um pênis não faz do menino um briguento insensível. Esses comportamentos são ensinados pela sociedade. Começa no berço e não para mais, até a morte. Ah, e nem sexo, nem gênero tem algo a ver com orientação sexual. Dá pra ser menina super feminina (o que é “super feminina” já é uma construção) e gostar de menina. Dá pra ser um “menino que não chora” (outra construção) e mesmo assim brincar de boneca e ainda assim não ser gay.
Em geral, as pessoas não sabem se comportar diante de situações inesperadas. Precisamos de padrões. E é disso que trata esse conto, o “X: Uma História Infantil Fabulosa”. Só pra resumir, porque talvez você não domina o inglês ou não tenha tempo de ler um conto mais longo: um grupo de cientistas decide lançar o Projeto X, que envolve uma criança crescendo sem gênero definido. Eles escolhem os pais ideais para por em prática o projeto, e redigem um manual de milhares de folhas. Já no começo, o conto deixa claro que a indefinição é um obstáculo pras pessoas, não pro bebê. Quando alguém pergunta pros pais, “É menino ou menina?”, eles respondem “É um X”. E a pessoa não sabe mais como se comportar diante desse fato inusitado. Que elogio deve ser feito a um X? A gente vai falar “Puxa, como ela é linda” ou “Como ele é forte”? Que brinquedo dar a um X: um caminhãozinho ou uma boneca?
Mas tudo é fichinha até que X atinge a idade de frequentar a escola (que, em 1972, era muito mais tarde que hoje). Aí sim é que será dureza. Primeiro, os cientistas e os pais de X têm que fazer inúmeras reuniões com as futuras professoras de X. Elas são orientadas a não pedirem pras crianças fazerem duas filas, uma de meninas, uma de meninos. A não segregar os brinquedos ou as atividades. Claro, o conto é totalmente utópico. X não sofre nenhum tipo de bullying. No início, as crianças têm dificuldades pra se entrosar com X, mas pouco a pouco notam que X é polivalente, que elX tanto se sai bem nos esportes como nas aulas de culinária. Elas acabam concluindo que X se diverte duplamente, porque pode realizar atividades de meninos e de meninas. Não é podadX na sua criatividade.
Isso afeta as outras crianças. Uma coleguinha de X decide aposentar seu vestido rosa. Um casal de gêmeos passa a trocar roupas e brinquedos entre eles, como é que pode?! Os pais dos gêmeos se incomodam demais com isso e convocam uma reunião escolar. Não há dúvida: X é uma criança problema. Uma péssima influência para as outras.
Como eu disse, é um conto utópico, então tudo acaba bem. Um psicólogo testa X, e afirma que elX é a criança menos indefinida que ele já viu. E que elX vai se preocupar com o seu gênero quando chegar a idade de pensar em sexo, não antes disso.
Imagina, o conto foi escrito em 1972. 37 anos depois, um casal sueco tentou colocar a experiência em prática e o mundo veio abaixo. Pelo jeito, estamos mais inseguros do que nunca. Mas inseguros com o quê, exatamente? Será que o mundo acabaria se as meninas deixassem de vestir rosa e brincar de casinha, e o meninos aprendessem a cooperar mais e competir menos? Por mim, eu torço pra que o determinismo dos gêneros vá pro espaço. Conceitos como masculinidade e femininidade são só isso, conceitos. Construções. Será que a gente não poderia apenas incentivar a humanidade?




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