QUEM ACREDITA EM IGUALDADE RACHA A CONTA
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QUEM ACREDITA EM IGUALDADE RACHA A CONTA


Faz tempo que venho querendo escrever um post sobre esse assunto espinhoso que é dividir a conta. Infelizmente, estou fora do mercado há quase 21 anos, então não sei muito bem como é o procedimento hoje em dia, se os namorados e futuros amantes saem pra jantar num encontro ou apenas “ficam” (algo que não existia na minha época). E também, dá um branco quando me lembro do meu primeiro encontro com o maridão. Sei que foi no final de um torneio de xadrez, e que a gente tinha passado os dois dias anteriores conversando. E que eu tomei a iniciativa, jogando uma indireta do tipo “Você vai ao cinema com os amigos e nem me convida!” (porque eu tinha ouvido ele e amigos falarem de ir ao cinema), e ele explicou que não, eles não tinham combinado nada, e se eu queria ir com ele sozinho. E aí fomos ver Suzie e os Baker Boys (pra você ver como essa história é antiga)... e não encontramos o cinema! Então ele perguntou se eu queria ir a um barzinho perto da USP, e lá fomos nós. Disso tudo eu lembro. E lembro que no barzinho comemos deliciosas bolinhas de provolone à milanesa e que ele adivinhou, do nada, que eu tinha sido goleira de handball. Tá, tudo isso tá claro. Mas o maridão diz que eu não comi quase nada das bolinhas, e eu nego. Não há possibilidade de haver queijo à milanesa sendo desperdiçado comigo por perto! Mas ele jura que sobrou um monte de bolinhas, e que “essa é uma mancha no nosso passado”. E eu não lembro quem pagou a conta, se dividimos, se eu ofereci pra dividir. O maridão afirma sem pestanejar que foi ele e que eu nem hesitei em aceitar. Não tenho certeza disso não, mas, em minha defesa, digo que sou muito mais feminista hoje que duas décadas atrás.
Se eu saísse com alguém hoje, nem passaria pela minha cabeça não rachar a conta. Afinal, sou uma mulher independente, ganho bem. E você já deve ter notado que sou feminista. Seria hipocrisia da minha parte exigir direitos iguais e querer manter um privilégio arcaico. Só poderia aceitar que um homem pagasse meu jantar se eu acreditasse nessa mentalidade de “homem provedor”, “homem chefe de família”, “mulherzinha frágil”, conceitos que pra mim são tão válidos como “o homem deve trazer a caça quando volta à caverna”. Desde a segunda fase do feminismo, nos anos 60 e 70, as feministas têm encorajado as mulheres a racharem a conta. Em países onde a igualdade entre os gêneros é maior, como na Escandinávia, rachar conta é comum, e homem pagar sozinho é que é tido como estranho e ultrapassado.
Mas em lugares em que ainda estamos distantes da igualdade, como o Brasil, e numa época em que ainda vivemos o backlash (a reação conservadora dos anos 80 aos direitos adquiridos nas décadas de luta), como hoje em dia, vejo vários indícios que o velho costume segue firme. Os masculinistas se queixam que as feministas não querem abrir mão dos privilégios das mulheres. Ok, mascus não contam, porque eles são um zero à esquerda (na realidade à direita, se considerarmos sua inclinação política), e porque eles são os primeiros a insistir nos papéis convencionais de cada gênero (ou seja, eles creem que o homem deve ser o provedor). Já muitas mulheres reclamam que o feminismo matou o romance. Pois é, elas associam romantismo à tradição careta de que o homem deve pagar a conta.
Eu não tenho como justificar um comportamento desses. Se eu quero estar em pé de igualdade com meu companheiro, como vou querer que ele me banque? É verdade que mulheres ainda ganham menos que homens (70 centavos para cada real pago a um homem), e que ainda estamos longe de ocupar postos de chefia (apenas 5% das mulheres comandam as cem maiores empresas brasileiras), mas certamente estamos menos desiguais que quando os homens faziam a corte.
Este é um assunto complicado porque até mesmo onde não há papéis de gênero definidos, como no caso de gays e lésbicas, existem dúvidas sobre quem deve pagar a conta. Um site americano de etiqueta para homossexuais diz que deve ser assim: “você convida, você paga”, sempre lembrando que só porque alguém pagou não quer dizer que você tenha que sair de novo com essa pessoa ou “ficar na horizontal”. Mas só seguir essa regra não resolve a situação no mundão hétero, porque, assim como convivemos com a noção do macho provedor, também costumamos acreditar nessa besteira que o homem é quem deve tomar a iniciativa. Ou seja, ele que vai convidar quase sempre. Então é ele que deve pagar?
Depende. No primeiro encontro, creio que, se você for mulher ou homem que defende direitos iguais, deve se prontificar a dividir a conta. Sem criar muita confusão porque, afinal, já tem tanta coisa incômoda num primeiro encontro que não é preciso arranjar mais uma. Mas, se houver outros encontros, se rolar um namoro, é imprescindível que se fale sobre a questão. O ideal é que se divida a conta sempre, mas e se uma das pessoas ganhar muito mais que a outra? E se uma estiver desempregada? E se essa pessoa que ganha mais adorar ir a restaurantes caros, e pra outra fica pesado arcar com parte das despesas? Bom, aí eu já acho que quem ganha mais pode pagar mais, simples assim. Só que minha opinião contempla que talvez a mulher ganhe um salário maior, então deve ser ela quem paga mais. Todas essas questões são difíceis de ser debatidas num primeiro encontro, mas não têm por que não tratar delas em seguida. Num namoro, de modo bem geral, o casal se relaciona pra saber se pode dar certo num relacionamento mais estável, como num futuro casamento. E, num casamento, já posso antecipar: desentendimentos financeiros são uma das principais causas de divórcio. Portanto, se namoro é treino pra casar, que tal falar abertamente sobre um dos principais pontos de um relacionamento, que é o lado financeiro? (Você achava que era só sexo e farra, né? Quem dera!).
Minha sugestão pra este assunto espinhoso é que as pessoas (mulheres e homens) reflitam: por que pagar a conta ainda é visto como obrigação masculina hoje? Que sentido faz isso num mundo com maior igualdade? Você, mulher, pagaria a conta se saísse com um namorado desempregado? Por que ou por que não? Se um homem não paga a conta, você se sente menos especial? O que você, homem, pensaria de uma mulher que queira rachar a conta? Isso te faria sentir menos homem, faria com que você olhasse pra ela como menos mulher? E, acima de tudo: por que este assunto ainda é assunto em pleno século 21?

Como eu disse aí em cima, já estava pra escrever este post faz tempo. Mas o que me motivou foi um texto da Srta. Bia no Blogueiras Feministas, um texto de que discordei e discordo muito (leia o post e os comentários). Ainda bem que o feminismo é plural e não precisamos concordar em tudo.




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