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RACISTAS, TENHAM CONSCIÊNCIA
Hoje é uma data muito importante, o Dia da Consciência Negra, um dia de luta. A data escolhida marca a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Poupem-me do revisionismo histórico reaça de que Zumbi não pode ser visto como herói porque o quilombo dos Palmares também tinha escravos. Vivemos num país sem heróis negros, em que até pouco tempo a grande heroína da abolição era uma princesa branca. Um país em que bandeirantes, homens que matavam e escravizavam índios, têm monumentos em sua homenagem. Um país que tem dificuldade em reconhecer até que um de seus maiores escritores, Machado de Assis, era negro. Um país que, apesar de todas as evidências, ainda nega ser racista.
Todo 20 de novembro a gente tem que repetir que sim, precisamos de um dia da consciência negra (que é o que falamos em 8 de março: sim, precisamos de um dia da mulher), que não, não é todo dia que é dia do negro, do pardo, do branco, e que não, não deveríamos comemorar a "consciência humana". E que, olha, não falar de racismo não faz com que o racismo milagrosamente desapareça. Ou, pior: que racismo mesmo é destacar um dia pra consciência negra. |
Anúncio da OAB Sergipe, ontem |
Sério mesmo, se você acredita em alguma dessas besteiras, reflita. Está na hora de rever seus conceitos. De ver onde você guarda o seu racismo.
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"Volte pra senzala!", gritam médicas na recepção de médicos cubanos ao Brasil |
Não vivemos num país, nem num mundo, em que as pessoas têm as mesmas oportunidades. Será que ainda tem gente que crê que todos nascemos iguais e largamos do mesmo ponto de partida? Não é possível: se você é filho de médicos, por exemplo, você está automaticamente fadado a inúmeros privilégios. Se você é filho de pedreiro e empregada doméstica, você não terá privilégio algum. E não preciso nem fazer o recorte de raça, porque, no Brasil, médico é branco. Pedreiros e empregadas domésticas, a imensa maioria, são negros. Você deve achar que é pura coincidência isso. |
Jornalista do RN sobre a cara das médicas cubanas |
E não, você não fez nada pra "merecer" nascer com tantos privilégios.
A sociedade inteira está estruturada para dar a brancos privilégios que negros não têm, dar a homens privilégios que mulheres não têm, dar a héteros privilégios que homossexuais não têm. Tudo que você teve que fazer pra "merecer" essas vantagens foi nascer numa sociedade preconceituosa. Parabéns, campeão!
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A cara da elite revoltada com as cotas raciais |
É simples assim: se você acredita nessa mentira chamada meritocracia (de que as pessoas bem-sucedidas mereceram ser bem-sucedidas), você tem que acreditar que as pessoas pobres merecem a miséria. Todas elas, e olha que elas são ampla maioria no mundo. Não dá pra achar que você mereceu um bom emprego, mas que aquela pessoa que nem tem o que comer não merece passar fome. E, pelamor, pare de se guiar pelas exceções: não é porque saiu no jornal que um catador de lixo conseguiu passar no vestibular que isso desmente toda uma flagrante injustiça social. Essa notícia só faz você pensar que, se a pessoa trabalhar duro, ela terá uma vida boa. Mas não é verdade: a maior parte das pessoas trabalha duro e nem por isso é recompensada com uma vida boa.
Eu estive no Congresso em abril e percebi como a desigualdade salta aos olhos. Não só que havia pouquíssimas mulheres deputadas (menos de 10%), como havia pouquíssimos negros e negras. Aliás, havia sim: os seguranças e faxineiros eram negros. Assim como não é verdade dizer que na USP não tem negros. Tem, é só olhar. Não são os professores (apenas 0,2% dos professores da USP são negros), nem a maior parte dos alunos, mas olhe pros funcionários da limpeza, aqueles terceirizados, praticamente sem direitos trabalhistas, que ganham uma merreca. Grande parte é negra.
Eu fiz mestrado e doutorado na UFSC sem ter um só colega negro ou professor negro durante seis anos. Tudo bem que foi em Santa Catarina, estado com o menor número de negros do Brasil ("apenas" 13%, a mesma porcentagem de negros nos EUA). Lá dei aula de estágio-docência pra turmas de 40 alunos de Letras (não em cursos elitistas como medicina e engenharia, mas em licenciaturas), e não havia alunos negros. Como explicar isso? Como se sentir confortável com essa segregação?
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Alunos protestam na Ufes |
Não tem como justificar esses números: em 1997, só 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos, cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. Hoje, com mais de dez anos de cotas raciais implantadas no Brasil, há 11% de pardos fazendo curso superior, e 8,8% de negros. Ainda é um número irrisório se pensamos que a maior parte da população brasileira (ou seja, mais de 50%) é parda ou negra.
Hoje a realidade é diferente daquela que vivi na UFSC. Sou professora na Federal do Ceará, e no estado em que escolhi viver 64% da população é parda ou negra. Nas turmas de Letras, há alunxs de todas as cores. Ainda assim, quando dou aula para cursos ricos, a grande maioria dos alunos é branca.
A situação está mudando, sem dúvida. As cotas raciais e sociais são uma grande conquista que enfurece a elite. Não é à toa que o partido mais direitista do Brasil, o DEM, entrou com recurso no Superior Tribunal Federal em 2012 para que as cotas raciais fossem retiradas da UnB. A alegação? Racismo. É muita cara de pau. E não é à toa que o Estado que mais resiste às cotas em suas universidades é SP, governado pelo PSDB há vinte anos.
As cotas evidentemente são um paliativo. Elas só possibilitam o acesso de (alguns) negros à universidade. E eu fico pasma em ver como reaças não fazem a menor ideia de como cotas funcionam. Não é que um negro passa em frente a uma faculdade e as portas se abrem pra ele. Ele tem que tirar nota boa no Enem. Só que algumas vagas são reservadas pra negros que estudaram em escolas públicas. Aliás, vagas são reservadas para alunos de escolas públicas, ponto.
Universidades ainda são lugares preconceituosos, assim como toda a sociedade. Eu fico pensando como deve se sentir um negro que consegue a façanha de estudar numa instituição que não foi feita pra ele, só pra elite, ouvir um professor dizer que negros não têm "socialização primária na família"? Como se sente uma aluna negra (vamos supor que exista) de Medicina da USP ao ouvir a música cantada nas festas e comemorações, que fala da "preta imunda / crioula da b*ceta fedorenta / que eu não como nem lavada / em água benta"?
O Dia da Consciência Negra é um dia de luta, como são os outros 364 para as pessoas negras que vivem num país racista. Só posso torcer que, para os racistas, o 20 de novembro seja o seu despertar. O dia em que você começou a encarar a realidade e a fazer um esforço consciente para deixar de ser racista.
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