RADFEMS E TRANSATIVISTAS DEFLAGRAM A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL. DE NOVO
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RADFEMS E TRANSATIVISTAS DEFLAGRAM A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL. DE NOVO


Infelizmente, um lindo evento virou palco para uma briga antiga

Pediram pra que eu escrevesse sobre o 6o Encontro de Mulheres Estudantes da UNE. Então vamulá, já avisando que quase ninguém vai ficar feliz com a minha opinião.
Pra começar, digo que fui convidada para participar de uma mesa na EME. Mas foi um convite muito em cima da hora, e eu já tinha planejado três dias de praia durante o feriado. Portanto, com muita dor no coração, tive que recusar.
Depois de ver o rolo que deu, eu só posso agradecer por não ter ido.
O que aconteceu exatamente depende da versão. Mas vamos resumir assim: apareceu no encontro um rapaz de barba, que foi ao banheiro, se barbeou, pegou uma saia emprestada, e disse se chamar Luisa, uma mulher trans lésbica. Isso causou estranhamento entre várias participantes, que não se sentiram à vontade com o que elas viram como um homem dividindo o seu banheiro, o seu alojamento. 
A situação piorou quando, num sarau, Luisa ficou com uma mulher lésbica, causando grande revolta entre algumas mulheres. Várias quiseram falar desse seu desconforto durante uns plenários. Segundo elas, não conseguiram. Sentiram-se silenciadas. 
Já Luisa e outras transativistas sentiram-se muito mal com tudo que ocorreu. 
Exemplo de co-
mentário reaça
Creio que este é um resumo sem muitos julgamentos.
Nesses últimos dias, reaças dos mais repugnantes, que odeiam feministas, lésbicas, pessoas trans, esquerdistas, enfim, tudo que não é espelho, ficaram sabendo do que aconteceu no EME. E estão refastelando na lama. Pra eles, tudo é ridículo e motivo de zoação. 
A opinião deles é totalmente insignificante. Dane-se o que eles pensam. Só estou mencionando esses seres das trevas porque vi gente preocupada com a opinião desse povo. Como se valesse alguma coisa. 
Na realidade, isso tudo que aconteceu é a culminação de um conflito que se desenvolve faz anos. Um conflito absurdo made in USA que muitas feministas brasileiras decidiriam importar pra cá. Um conflito entre dois nichos, o de feministas radicais (geralmente chamadas de radfems) e de transfeministas. 
Até podem existir motivos legítimos para que esses grupos não se biquem, mas é ridículo se centrar neles. Há disputas e discordâncias entre todas as correntes feministas -– só que certamente há mais coisas que nos unem do que coisas que nos separam. Por que devemos nos concentrar nas discordâncias? Queremos mesmo passar o tempo todo brigando?
Sim, parece que sim. Tem muita gente que vive disso, que se alimenta dessas tretas intermináveis. 
De blog de extrema direita: reaças
odeiam ideologia de gênero
De modo geral, radfems querem abolir gêneros. E transativistas querem gêneros múltiplos, infinitos. Ambos os grupos são contra o binarismo entre masculino e feminino. Ambos os grupos poderiam começar a conversar por este ponto de partida, mas o que vemos nas redes sociais é só ódio. 
Da parte das trans, tem gente que faz lista negra de feministas que deveriam ser queimadas em fogueiras (eu integro essa lista desde que incluí um clássico da Germaine Greer na minha bibliografia recomendada). Há muitas queixas vistas como fúteis, como não querer que mulheres feministas cis (não trans) falem de temas relevantes, como menstruação e gravidez, porque seriam temas que “lembram” as mulheres trans de que elas não seriam mulheres “de verdade”. 
Há transativistas super agressivas que chamam radfems (e outras) de cis scum (escória cis). Há também detalhes bastante irrisórios, como insistir para que não se use o conhecido slogan de que 100% dos líderes homens anti-aborto não poderem engravidar. Por conta de uma dúzia de homens trans que têm útero e, portanto, podem engravidar, pede-se para que se diga que pessoas –- não mulheres –- engravidam. 
Além do mais, outra besteira copiada do feminismo americano foi o tal do cotton ceiling (o teto de algodão), que diz que uma mulher lésbica cis que não quer se relacionar com uma mulher lésbica trans que tenha pênis está sendo transfóbica, por não aceitar um pênis. Pra terminar, existem também algumas poucas mulheres trans que são mascus, misóginas, gente da pior espécie. Um exemplo é Raziel, que “virou” mulher mas nunca deixou de ser misógina. Mas eu não me canso de repetir: o problema de Raziel não é ser trans, é ser mascu. 
Da parte das radfems, a agressão também bate nas alturas. Muitas se recusam a chamar uma pessoa trans por outro pronome ou por seu nome social, o que é considerado transfobia. Muitas negam que uma mulher trans seja mulher -– seriam apenas “pirocos”, machos de peruca, ou, como o absurdo que li outro dia, nos comentários aqui do blog, “brancos usando blackface para oprimir negros”. 
Pichação no banheiro da Unicamp
Esse ódio todo, que pode ser observado facilmente em milhares de posts no Twitter no Facebook, várias vezes vira ameaças, como a ocorrida no banheiro da Unicamp, onde alguém deixou mensagens ofensivas dizendo que iriam “cortar a pica” de mulheres trans. É bastante impossível, lendo os comentários de radfems, negar que elas sejam transfóbicas (mas elas se ofendem ao serem chamadas de transfóbicas! Se ofendem até quando são chamadas de um termo mais técnico e descritivo, TERF, trans-exclusionary radical feminist, ou feminista radical que exclui trans). 
Sem falar nas opiniões (que para mim são insanas) de algumas feministas radicais que dizem que todo homem é um estuprador em potencial, que todo sexo entre homem e mulher é estupro, que o pênis é uma arma, que uma ereção é uma ameaça, e por aí vai. Como radfems acham que mulheres trans são homens, tudo que se aplica a homens cis se aplica às mulheres trans. Muitas radfems acham que um montão de homem cis vai se passar por trans para invadir seus espaços (cadeias femininas, banheiros femininos, congressos feministas) e estuprá-las.
Como você pode ver, homens trans (pessoas que foram designadas mulheres ao nascer mas que fizeram a transição e hoje são homens) são completamente ignorados nessa equação. Eles existem muito pouco, tanto para as transativistas, quanto para as radfems (que os aceitam nos seus espaços porque os consideram mulheres, ou seja, continuam negando sua identidade). 
E aí no meio desta guerra entra Luisa. Eu não acho mesmo que ela foi ao evento para tumultuá-lo, ou que ela representava uma ameaça às mulheres lá presentes. Mas sim, entendo o desconforto de algumas participantes ao ver uma pessoa que mal começou sua transição usar um banheiro feminino. O que não entendo é o medo. Li várias vezes que Luisa, “um homem”, era uma ameaça a 50 mulheres. Gente, vocês estão num espaço feminista. Vocês não se sentem empoderadas não? Nem lá? Se um homem cis com a maior cara de mau cruzar com 50 mulheres na rua, vocês têm medo? Porque eu não tenho. 
Li que várias mulheres "cantaram alto" ao ver Luisa e uma participante se beijando (consensualmente). Sério, gente, se desesperar por causa de um beijo? Isso é o que Eduardo Cunha e seus asseclas da bancada religiosa fazem. Pensei que nós fossemos mais inteligentes.
Há várias etapas na transição de uma pessoa trans. Luisa seguramente está dando os primeiros passos. Por que transformar um evento com mil feministas num evento sobre Luisa? 
Como eu suscito uma grande dose de raiva tanto de algumas transativistas quanto de muitas radfems (outro dia um ícone transfóbico, Cathy Brennan, deixou um comentário me chamando de male feminist), não me sinto à vontade de pedir paz entre os grupos. Mas minha opinião é que essa briguinha ridícula e sem fim só faz mal a todo mundo. 
Eu não pertenço a nenhuma corrente feminista. Não me identifico totalmente com nenhuma, apesar de haver pontos com que concordo em todas elas. Mas eu realmente acho que tenho mais o que fazer do que ficar decidindo qual feminista é ou não feminista, qual mulher é ou não mulher. Tenho mais o que fazer do que ficar brigando com feminista. 
Meus inimigos não são feministas. Meus inimigos são pessoas preconceituosas, reacionárias, misóginas, anti-feministas. 
Vamos combater quem realmente devemos combater? Vamos combater sistemas de exploração? Juro que é muito mais produtivo e prazeroso do que ficar brigando entre nós.




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