SENADO DISCUTE VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NA INTERNET
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SENADO DISCUTE VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NA INTERNET


Como algumas pessoas sabem, na última quarta estive no Senado Federal para participar de uma mesa sobre mídias sociais e violência contra as mulheres. Esta mesa faz parte dos 16 Dias de Ativismo e foi organizada pela assessoria da senadora Simone Tebet (PMDB-MS), atual presidente da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
Vanessa Grazziotin
Infelizmente, Simone não pôde estar presente, devido a mil e um compromissos (quem acha que político não trabalha nunca deve ter pisado no Congresso -- o pessoal não para um minuto!). Ela foi substituída por um período por alguém que admiro muitíssimo, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) -- já estivemos juntas numa mesa de um congresso da UNE --, da Procuradoria Especial da Mulher, e a deputada federal Tia Eron (PRB-BA), relatora do PL 5555/2015, que trata sobre condutas ofensivas contra as mulheres na internet.  
Foi uma experiência muito boa, e gostaria de compartilhar algumas anotações que fiz com vocês.
A primeira a falar foi Soraia da Rosa Mendes, advogada e representante do CLADEM (Conselho Latino-Americano dos Direitos da Mulher). Ela relatou que hoje ocorrem no Brasil 52 mil casos de estupro por ano, em que apenas 35% são denunciados. Ou seja, o nível de sub-notificação é enorme. Acrescentou que, para a sociedade, a "vítima perfeita" é aquela que tem marcas de violência. Mas boa parte da violência na internet não deixa marcas físicas. Soraia concluiu que o país ainda não tem regulação para coibir a violência na internet. 
Eu com os simpáticos seguranças do
Sesc-Tijuca após a palestra em
novembro
Eu fui a segunda a falar, e contei o meu caso: que comecei um blog há quase oito anos, que hoje é um dos maiores blogs feministas do Brasil, que de cara apareceram alguns trolls, como sempre surgem em sites de ativismo. Mas que insultos e xingamentos são uma coisa (que também podem ser extremamente negativas, principalmente para meninas jovens); falsificações, montagens, calúnias e ameaças, são bem outra. Relatei algumas poucas ameaças de 2012 e 2014, contei sobre o absurdo que foi palestrar no Sesc, no Rio, cercada por seguranças, por conta da ameaça de atentado. 
Eu acho muito importante citar algumas ameaças, porque o pessoal não tem ideia do grau de misoginia. Tem gente que, mesmo lendo as ameaças de morte e estupro, acha que é mimimi feminista, vitimização. E gente que acha que quem é ativista tem mesmo é que sofrer perseguição. 
Falei também de assuntos mais gerais. Por exemplo, uma delegada da Delegacia de Mulheres de Santos deu uma entrevista recente dizendo que 30% dos casos que chegam lá são referentes a crimes cibernéticos. 30%, quase um terço! E ainda não temos polícias ou advogados preparados pra lidar com esses crimes. 
Outro dia uma advogada me contou que, aqui no Ceará, praticamente há um só advogado especialista em crimes de internet. E, por ser o único, ele cobra o que quer. Ele foi contratado para um caso de pornografia da vingança, aquele caso típico do cara que não aceita o fim do relacionamento e, pra se vingar, espalha íntimas da ex. Quanto isso está custando à vítima? 40 mil reais. (Então, né, dica séria para advogadxs recém-formados: especializem-se em gênero e crimes cibernéticos. Mercado promissor!). 
Contei que a Polícia Federal já deixou claro, através de um email de um superintendente em setembro, que não vai investigar as ameaças, porque só vai atrás de crimes cibernéticos em que o Brasil é signatário internacional, como racismo e pornografia infantil (pensei que direitos humanos também entrassem, mas pelo jeito ameaçar mulheres e ativistas não conta como crime contra direitos humanos), e que eu deveria procurar a Polícia Civil e o Ministério Público.
Contei também que estive na Polícia Civil, em Fortaleza, e falei com uma delegada do Departamento de Inteligência, que recomendou que eu entre com queixa-crime contra dois misóginos que vêm fazendo vídeos me caluniando. É o que farei. Passei dias descrevendo as calúnias distribuídas por uns trinta vídeos (sério!). Porém, isso não engloba as ameaças diárias contra mim e minha família, nem a criação de sites falsos em meu nome. 
Contei que recentemente estive na Secretária de Políticas para Mulheres, também em Fortaleza, em reunião com uma das representantes e com duas advogadas da Comissão das Mulheres da OAB-CE, que já estavam acompanhando o meu caso. Elas darão encaminhamento às queixas-crimes. O documento será assinado por 25 advogadas, para que nenhuma em especial passe a ser (mais um) alvo dos misóginos.
Elas também decidiram levar o caso da misoginia para o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Pediram para que eu organizasse um dossiê sobre o Dogolachan, um dos fóruns anônimos que planejam e executam ações contra mulheres na internet. No chan discute-se abertamente sobre como caluniar, atacar em bando, estuprar e matar qualquer mulher com quem eles não vão com a cara (por qualquer motivo: aquela menina no Facebook não quis transar com um cara e o "colocou na friendzone"? É uma vagabunda, raid -- ataque organizado -- nela! A outra menina transou com um cara? É uma vagabunda, raid nela!). 
Terminei dizendo que, apesar do apoio que venho recebendo, as ameaças continuam. Os misóginos juram que já pagaram 30 mil reais para que um ex-policial me mate em Fortaleza, fazendo com que pareça uma latrocínio. Eu não tenho medo, mas acho incrível que caras que já estiveram na cadeia por crimes cibernéticos possam fazer essas ameaças abertamente num fórum sem que nada aconteça. 
Fechei dizendo algo como: "Queria terminar com uma mensagem mais otimista, um discurso de superação. Mas não tenho. Acho que vivemos na impunidade, numa terra sem lei, num país que ainda engatinha no combate a crimes cibernéticos. Minha única superação é sobreviver e continuar com o blog. Não me calar. Existir". 
A próxima a falar foi a consultora em comunicação Eloá Muniz da Silva, autora do livro Linguagem resignificada: equidade e inclusão. Ela deu vários exemplos de conteúdo machista que é compartilhado nas redes sociais (inclusive por mulheres) sem pensamento crítico, como este print acima, das quatro maçãs que mudaram o mundo (Eva é culpada, os homens são gênios).
Quem falou depois foi Natália Neris, pesquisadora da InternetLab, que disse que, além das ameaças, da misoginia, dos insultos e do revenge porn, existe também um fenômeno chamado "Top 10", o ranqueamento de meninas em escolas. Natália descreve essas listas como casos limite, que põem em xeque várias tentativas de inclusão. Ela revelou que já houve dois casos de suicídio relacionados ao "Top 10". Tem um artigo ótimo dela e de outros dois pesquisadores aqui.
Camila é a segunda da esquerda, entre
Natália e Vanessa (clique para ampliar)
A última a falar no painel em que eu estava foi a representante do MEC Camila Moreno da Silva, que já contribuiu com dois guest posts pro meu blog. Eu fico tão feliz ao ver que gente que se descobriu feminista com o bloguinho vira ativista! Camila fez um apanhado de como o projeto político pedagógico das escolas inclui questões de gênero. Diversidade sexual, tolerância, gênero -- tudo isso já está nos parâmetros curriculares faz tempo. Só não está nas escolas. Mas nos documentos, está. Então não dá pra entender por que as Câmaras de Vereadores de tantas cidades fizeram um esforço descomunal para barrar a "ideologia de gênero".
Camila fez uma excelente pergunta: quando violência contra a mulher vira redação no Enem, quando uma questão sobre Simone de Beauvoir cai na prova, como as escolas podem optar por não trabalhar com isso? Afinal, este conteúdo está sendo cobrado na maior prova do país, a segunda maior do mundo. Ou seja, ou isso entra nas escolas, ou deputados reacionários vão continuar tentando barrar essas questões do Enem (teve moção de repúdio de Bolsonaro e Marco Feliciano e da Câmara de Vereadores de Campinas).
Camila também mencionou a pesquisa Data Popular de 2014, que revelou que 28% dos homens entrevistados já haviam passado imagens de mulheres sem a autorização delas. E lembrou que a violência contra a mulher representa 33% das denúncias do Humaniza Redes, que tem nove categorias.
O outro painel começou com Tatiane Almeida, delegada da Polícia Federal e especialista em mídias sociais. Ela citou a teoria das tarefas restantes, que diz que quanto mais a sociedade falha, mais a polícia é chamada. 
Ela contou que, numa palestra em escola, um aluno de 12 anos perguntou a ela: "Mas se eu transar com a minha namorada, eu não posso filmar e colocar na internet?"
Embora eu tenha gostado muito da fala de Tatiane, ela usou um exemplo inadequado para mostrar que a Polícia Federal combate sim crimes cibernéticos: ela falou rapidamente (e sem o conhecimento necessário, a meu ver) da Operação Intolerância. 
Fiquei feliz quando Marcelo Mello e Emerson Rodrigues foram presos em Curitiba, em 2012, por um site de ódio que pregava legalização do estupro, estupro corretivo para lésbicas, assassinato de mulheres, negros e gays, e que ameaçava (eu e o deputado Jean Wyllys éramos alvos preferenciais) e planejava um atentado a UnB. 
Mas Marcelo é o autor do chan e de vários sites de ódio que vieram depois. Vem dele as maiores ameaças a mim. Emerson, agora novamente aliado a Marcelo (eles haviam brigado), fez 24 vídeos me caluniando. Alguém da PF deve estar a par disso, não é possível.
Não gostei da fala de Gabriel Sampaio, secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça. Ele não dialogou com qualquer uma das palestrantes que falaram antes disso. Citou coisas muito genéricas, elogiou o marco civil, e afirmou que a internet não é uma terra sem lei -- apesar das palestrantes anteriores terem dado vários exemplos de que é, sim. Sua apresentação está disponível na internet.
Da esquerda para a direita: Terezinha,
Graciela, Tia Eron, Gabriel, Tatiane
Graciela Natansohn, professora da UFBA e responsável pelo grupo de pesquisa em gênero, tecnologias digitais e cultura, fez uma fala mais interessante. Segundo ela, a violência não justifica a vigilância e o controle da internet. Ela quer a internet para hackear o patriarcado (adorei esta, vou adotar!). Não ao vigilantismo, sim à lei de violência midiática de gênero. Ela lembrou que a internet foi colonizada pelo comércio (virou um projeto comercial), e que não existe lei que criminaliza a misoginia.
Para Graciela, não dá pra falar pra uma menina "não faça vídeos íntimos, não mande nudes", porque ela vai fazer do mesmo jeito. Então sua proposta é: mande nudes, mas com segurança. Ela defende que jovens aprendam na escola como usar a internet, que aprendam a adotar regras de segurança, como um programa que bloqueia tirar printscreen e outros que apagam o rosto.
Foto no final: eu, Graciela, Eloá, Tia Eron, Terezinha e Natália 
A última a falar, Terezinha Gonçalves, coordenadora geral de ações de prevenção da Secretaria de Enfrentamento à Violência, foi muito solidária comigo (todas foram). Ela lamentou que a violência contra a mulher não seja vista como um crime contra a humanidade, e lembrou que só recentemente os direitos dos homens viraram direitos humanos. 
Ela defende que empresas como Facebook não apenas sejam mais rápidas para apurar denúncias, como também que promovam páginas feministas, dando maior destaque e divulgação a quem combate o preconceito do que a quem o promove.
Terezinha deu o exemplo de uma mulher que vai com roupa curta a um supermercado. Na fila, um homem chega pra ela e diz grosserias, a chama de piranha. Essa mulher pode responder. Mas tanto o alcance do insulto quanto a resposta é limitado. Agora, se um cara pega a foto de uma mulher, escreve "piranha" embaixo, e a divulga na internet, passa a atingir centenas de pessoas. A fila de insultos que essa mulher receberá é muito maior. E quem aparecer para defendê-la também será insultada.
No fim, a deputada Tia Eron perguntou se os homens sabem quanto o machismo e o racismo custam para o Estado. É uma ótima dúvida. Imagine quanto tempo e dinheiro seria poupado se polícias e judiciários não tivessem que combater hordas de preconceituosos que vivem para atacar grupos historicamente oprimidos e seus ativistas... 
No mesmo dia, foram divulgados os resultados parciais de uma enquete eletrônica do DataSenado. Ela mostrava que 84% das 11.850 pessoas que responderam à pesquisa aprovam a criação de lei para punir quem divulgar nas redes sociais mensagens que estimulem a violência contra mulheres. 84% disseram ter visto nos últimos meses mensagens desse tipo.
A violência contra a mulher não é uma suposição -- é um fato. É uma de muitas pautas feministas, mas deve ser pauta de toda a sociedade. E a violência contra as mulheres na internet é um reflexo da misoginia que existe em todo lugar. A ONU recentemente divulgou que, no mundo, 73% das mulheres conectadas sofreram ou sofrem alguma violência online. 
95% de todos os comportamentos agressivos e difamadores na internet têm mulheres como alvo. Porém, só 26% de 86 países analisados tomam providências para combater essa praga. 
E aí? Já passou da hora desta violência ser levada mais a sério. Um primeiro passo? Criminalizar a misoginia e a homofobia.




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