SILÊNCIO DOS INOCENTES É INTEIRINHO SOBRE CLARICE
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SILÊNCIO DOS INOCENTES É INTEIRINHO SOBRE CLARICE


Hannibal é apenas uma sombra

Sabe o vídeo que fala que apenas seis dos últimos 50 vencedores do Oscar de Melhor Filme são sobre mulheres? Pois é, embora a ideia seja inatacável — cinema é sim algo feito por, para, e sobre homens — há dois erros de análise ao considerar “sobre homens” filmes com perspectiva feminina, como Titanic e Silêncio dos Inocentes. Discordo totalmente que Silêncio tenha uma perspectiva masculina, ou que o personagem central seja Hannibal Lecter. Não é mesmo! O vídeo do Feminist Frequency diz que as pessoas descrevem o filme como sendo dele, só que isso é recepção (e, se fossemos falar em recepção, as inscrições de mulheres para o FBI triplicaram após o feliz modelo de Clarice).Por todos os critérios possíveis, o filme é inteirinho da Clarice Starling. É a Jodie Foster que tem top billing (o nome dela aparece antes do do Antony Hopkins), é ela quem ilustra o poster, o próprio título refere-se a uma experiência dela, não dele, o filme abre com ela, ela tem muito mais tempo de tela que o Hannibal (dizem que ele tem apenas 15 minutos), e o filme é simplesmente guiado pelo seu ponto de vista.Por exemplo, quem é importante o suficiente pra merecer dois flashbacks? Clarice. Qual o único personagem de quem se discute a infância? A própria. Hannibal tem apenas cinco cenas sem ela no filme (quando ele é cooptado pelo diretor do instituto a cooperar, quando ele vai pra Memphis falar com a senadora, quando ele ataca seus guardas, quando ele foge, na fantástica cena da ambulância, e no final, já nos créditos, quando ele, ligando pra Clarice, diz a clássica fala “I'm having a friend for dinner” (“Vou ter um amigo pra jantar”, o que adquire um novo sentido se você for um canibal), e aí desliga e vai atrás do diretor que o atormentava. Todas suas outras cenas (que não são muitas, só mais quatro) são com Clarice.Até mesmo o serial killer Buffalo Bill tem mais cenas “independentes” (ou seja, que não dependem da perspectiva de Clarice) do que Hannibal — principalmente a polêmica (e desnecessária) cena dele nu diante do espelho, que tanto revoltou a comunidade GLBT na época (com razão). A vítima de Buffalo também tem algumas cenas. Crawford, por sinal, chefe de Clarice, tem apenas uma cena sem Clarice (na excepcional montagem da equipe do FBI/Swat invadindo uma casa vazia, enquanto Clarice dá de cara com o assassino. Tirando essas pouquíssimas cenas, todas as outras no filme são com Clarice. E esse é um dos motivos que fazem de Silêncio uma produção tão original: é raríssimo o ponto de vista de uma mulher guiar um filme, ainda mais do gênero policial (se bem que concordo com quem classifica Silêncio como terror; como muitos elementos desse gênero estão presentes, não vejo problema em dizer que Silêncio é o único filme de terror a ganhar um Oscar de Melhor Filme na história). Pensei bastante se daria pra trocar Clarice por um estagiário homem do FBI, se a história ficaria igual ou minimamente parecida. Pior é que não dá. É importantíssimo que Clarice seja mulher, porque um dos temas do filme é o papel da mulher na sociedade. Um monte de homens no filme dão em cima dela — o PhD (vesgo) em insetos, Dr. Chilton, o próprio Hannibal (“as pessoas vão achar que estamos apaixonados”). Hannibal pergunta pra ela se ela pensa que Crawford tem fantasias sexuais com ela, e ela responde que esse tipo de coisa não lhe interessa.Clarice não tem vida sexual. Não sabemos da sua orientação sexual (ela tem como melhor e única amiga uma outra estagiária do FBI, mas não há nada sexual entre elas, e as “suspeitas”, por assim dizer, ficam só por conta da persona de Jodie fora das telas. Mas é complicado falar de persona da Jodie, pois ela sempre foi super discreta na sua vida pessoal, e só se assumiu lésbica uns 17 anos depois de Silêncio). Seria Clarice uma personagem mais completa se ela tivesse interesses românticos? Não creio. O filme mostra apenas sua caçada a um serial killer, e ela está completamente obcecada pelo caso. Clarice é uma workaholic. E ambiciosa, como bem diagnostica Hannibal.Clarice vive só num mundo de homens, e o filme deixa isso claro diversas vezes. No FBI se veem poucos rostos femininos (nenhum num posto de comando). É emblemática a cena em que ela entra num elevador cheio de recrutas. Todos olham pra ela. Essa cena é repetida quando Clarice e Crawford vão para esqueci qual lugar pra fazer os exames de um novo cadáver que foi descoberto num rio. A casa onde está ocorrendo o velório está cheia de policiais locais, todos homens. Crawford ainda pede pra falar com o xerife a sós, insinuando que não pode dizer certas coisas em frente de uma mulher, e a deixa na sala, com todos o policiais olhando pra ela de cima pra baixo, com um misto de ar de superioridade (porque eles estão julgando sua aparência) e “o que ela está fazendo aqui?”. Essa cena não teria razão de ser se Clarice fosse um estagiário homem do FBI, certo?Um pouco mais pra frente, ela pede pra que todos aqueles policiais se retirem, e o olhar pra ela é um “Quem ela pensa que é? Ela é uma mulher dando ordens em homens?!” E o contraste entre o tamanho de Clarice e dos homens que dividem qualquer sala com ela é sempre lembrado. Clarice é baixinha, pequena, aparentemente frágil. Mas vai ser ela, através de sua inteligência e dedicação, que chegará ao serial killer, e depois o matará em legítima defesa. E no escuro.
Pra mim, o filme todo pertence a Clarice, e Clarice pertence inteira a Jodie Foster (o que só aumenta o ultraje que foi que os produtores a tenham trocado por outra atriz no filme seguinte, o lamentável Hannibal, só pra não pagar o cachê que Jodie pedia).
Silêncio está completando duas décadas de vida este ano. Aliás, 1991 foi um ano interessante pro poder das mulheres no cinema. Além de Silêncio, tivemos Thelma e Louise (do qual falarei na sexta), Tomates Verdes Fritos, O Príncipe das Marés (eu não gosto muito, mas é o último power trip da Barbra Streisand), A Bela e a Fera, As Noites de Rose, Para Eles, com Muito Amor, Exterminador do Futuro 2 (que traz Linda Hamilton hiper musculosa e decidida), e talvez Bugsy (que tem uma personagem feminina forte).




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