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CRÍTICA: HANNIBAL / Adivinhe quem vem para estragar o apetite?
Se eu pudesse resumir "Hannibal" em uma só palavra, seria "argh". Em todos os sentidos. E, se minha recomendação servisse pra alguma coisa, eu diria: não deixe de ver o primeiro ("O Silêncio dos Inocentes"). Por favor, deixe de ver o segundo. Pelo andar da carruagem, deu pra perceber que não sou uma fã de "Hannibal". O maior sentimento é de decepção, de enganação. Como um filme tão digno como o de 91 pode virar um caça-níqueis tão descarado em 2001? Será que o público que vai ao cinema se infantilizou tanto assim em uma década?
A resposta parece ser "sim". Siga a lógica. Os espectadores que hoje comparecem às salas de exibição haviam acabado de deixar as fraldas em 91. Tinham, no máximo, sete anos. Nunca ouviram falar em "Silêncio dos Inocentes". Se algum deles viu sem querer, deve ter achado meio chatinho, tinha tanto diálogo, né? Na verdade, era um thriller psicológico de primeira, com personagens bem construídos e mais sugestão que apelação; enfim, um terror sutil. Imagina se adolescente quer assistir a isso? Ele quer mais é ver sangue. Teen é aquele bicho que adora surfar nos sites de aberrações da Internet (onde confere pessoas deformadas e constata que até que sua aparência não está tão bizarra assim, em comparação) e que conta os detalhes de "Faces da Morte" para seus amiguinhos. Daí o que faz a equipe de Dino de Laurentis? Captando bem o estilo da época, exageraram nas nojeiras, tornaram tudo explícito, retiraram qualquer tentativa de profundidade. A cena do cérebro, por exemplo, em que uma vítima come pedaços de seu próprio crânio, não tem outro propósito além do sadismo declarado. Aposto que esta cena apenas já garante a propaganda boca a boca entre os adolescentes.Tudo está desvirtuado em "Hannibal". Se, em "Silêncio", o canibal era um psicanalista brilhante e de bom gosto, um gourmet, nesta continuação ele gasta o tempo fazendo piadinhas e trocadilhos infames. Clarice Starling, a intrépida agente do FBI, tornou-se insossa nas mãos de Julianne Moore. Com todo respeito à Julianne, que normalmente é excelente atriz, no final, quando sua personagem está tonta, nem pareceu que ela teve que atuar. E Anthony Hopkins aparece preguiçoso, com uma placa de "estou aqui pelo dinheiro" na testa. O grande Hopkins não se encontrava exatamente na flor da idade na época de "Silêncio" – tinha 54 anos. Dez anos se passaram, e a gente pode ver cada ruga em seu rosto de canibal. A idade pesou. Quando ele se prepara para retalhar alguém, ficamos com medo que ele dê mau jeito nas costas. O serial killer geriátrico não mais assusta.
Normal. Ridley Scott virou diretor de aluguel. E andaram espalhando umas heresias sobre Jodie Foster, que recusou o papel de Clarice. Ou não quiseram pagar o cachê de 20 milhões pra ela, ou ela rejeitou o filme por uma questão de princípios. Qualquer que seja o motivo, Jodie acertou mais uma vez. É uma das atrizes com mais cérebro em Hollywood.
O desolador é que o roteiro é baseado num best-seller palatável assinado por Thomas Harris, e foi adaptado por David Mamet, um dos maiores dramaturgos americanos contemporâneos, que dispensa apresentações (mas, se você insiste, é ele o autor de "Jogo de Emoções" e "As Coisas Mudam" – e como mudam!), e por Steven Zaillian, diretor do ótimo "Lances Inocentes" e roteirista de nada mais nada menos que "A Lista de Schindler". Como uma dupla dessas redige algo tão acéfalo quanto "Hannibal"?
A melhor sequência, digamos a única que revela algum talento por parte dos envolvidos, ocorre em Florença, quando o detetive italiano tenta colher uma impressão digital do canibal. Só que, infelizmente, não tem nada a ver com a história. Há também um milionário com o rosto desfigurado que sonha em se vingar de Hannibal. E a gente se identifica com quem?
Se você acha que esta será a última ceia, esqueça. O terceiro episódio (ou quarto; o personagem já dava o ar de sua graça nos anos 80) chegará rapidinho. Antes que caiam os dentes do velhinho canibal.
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