SÍNDROME DO SAPATINHO DE CINDERELA
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SÍNDROME DO SAPATINHO DE CINDERELA


No magnífico episódio 22 da terceira temporada de Modern Family, a galera vai pra Disney. Antes da viagem, Jay chama a atenção de Gloria, e lhe pergunta se ela realmente deseja ir a um parque de diversões usando salto alto. Afinal, eles terão que andar um monte no parque! Gloria, ofendida, responde que os saltos não a impedem de caminhar, e que ficar linda exige sacrifício e vem em primeiro lugar.
Ao mesmo tempo, Cam e Mitch enfrentam graves problemas com a rebelde Lily, de 3 aninhos. Assim que soltam sua mão, ela sai correndo pra todo canto. O negócio é tão sério que eles colocam uma coleira nela, atraindo olhares de reprovação de todo mundo.
Pouco tempo depois, Gloria já não aguenta mais caminhar com os saltos, mas não quer se dar por vencida. Então Jay a presenteia com ridículos e enormes sapatos da Minnie. Eles são feios, mas macios e confortáveis, e Gloria não resiste. Ela pergunta: “Será que eles vem em outras cores?” Jay descobre que o que faz Gloria tão irritada às vezes é o sofrimento que os saltos altos lhe causam.
E Jay também tem uma ideia brilhante pra resolver o problema das fugas de Lily: ele lhe dá um par de sapatos com salto. Assim que a bela menina de 3 anos os põe nos pés, ela percebe que não consegue mais correr. Até pra andar tem dificuldade. Pronto! Cam e Mitch não precisam mais usar a coleira! Agora eles contam com um outro meio pra controlá-la. E, melhor ainda –- Lily não verá isso como controle. Ela gosta! Ela se sente mulher.
É como Caitlin Moran fala em seu bestseller Como Ser Mulher -- pelo jeito, pra nos sentirmos femininas, temos que usar salto alto. Moran nota uma peculiaridade: nos casamentos, todas as mulheres aparecem de sapato de salto, mas, assim que a festa esquenta, tiramos os sapatos (“a carne do pé escapando pelas beiradas do cetim apertado; dedos dos pés que ficam entorpecidos até dias depois”).
Moran faz uma lista dos sapatos que deixou de usar: “Prateado, de amarrar na canela, salto anabela, Kurt Geiger. Eu usei: uma vez, em uma cerimônia de premiação. Recebi três elogios -– OBA! -–, mas também observei que com eles eu andava de um jeito menos feminino e confiante que a dama Edna Everage, de 82 anos, que também estava no evento”.
Moran diz que todas as mulheres têm estoques de sapato de salto alto que nunca usaram ou só usaram uma ou duas vezes, pra nunca mais. Ela explica:

“Por que esses sapatos não são usados? Moças, vou deixar tudo bem claro. Vou dizer uma coisa que fui percebendo gradativamente ao longo de treze anos e que todas nós já percebemos, ainda que em segredo, na primeira vez que calçamos saltos altos: só existem dez pessoas no mundo, no máximo, que de fato devem usar salto alto. E seis delas são drag queens. O resto de nós simplesmente tem que... desistir. Entregar-se. Finalmente aceitar o que a natureza nos diz. Não dá para caminhar com eles. É IMPOSSÍVEL ANDAR COM ESSES SAPATOS MALDITOS. É o mesmo que usar botas antigravidade ou patins.
“As pouquíssimas que conseguem caminhar com elegância em cima deles ficam maravilhosas, é claro –- andar de salto alto é uma habilidade tão impressionante como saber andar na corda bamba ou soprar anéis de fumaça. Admiro quem faz isso. E desejo tudo de bom a essas pessoas. Eu gostaria de ser assim. Mas trata-se de uma minoria minúscula. Todas as outras pessoas -– a ampla maioria -–, ficam inversamente elegantes em relação ao que pensam quando compram sapatos assim. Arrastamos os pés, torcemos o tornozelo, não conseguimos dançar e fazemos careta o tempo todo, enquanto resmungamos por entre os dentes: MALDITOS sapatos. Meus pés estão me matando.
“Resolvi que, essencialmente, estou em greve em relação aos sapatos femininos. Vou deixar de lado todo esse mundo até que os estilistas criem um modelo com que seja possível caminhar por mais de uma hora com o gingado fácil de quando Gene Kelly vai começar a dançar, sem passar um dia inteiro sentindo dor depois. 
"Tenho plena consciência de que minhas exigências representam uma minoria desprezível no momento – ninguém pode saber quanto tempo vão durar os efeitos colaterais que uma década de Manolo Blahnik em Sex and the City causou na sociedade -–, mas estou muito determinada na minha decisão. Afinal de contas, já vi as fotos dos pés descalços cheios de joanetes de Victoria Beckham. Não quero ter pés deformados.” (152-4).

Faço minhas as palavras de Moran. Chega de sacrifícios extremos em nome de um padrão de beleza. Por que botaram na nossa cabeça que é elegante e charmoso coxas e calcanhares acabarem na pontinha dos pés, com os dedos trucidados por sapatos em que mal cabem três dedos, quanto mais cinco?! Nosso pé descalço tá muito mais pra leque que pra funil. Então por que se submeter a cirurgias estéticas pra entrar nesse padrão? Não são os pés que devem ser reconstruídos pra caberem em sapatos cruéis. São os sapatos que devem deixar de ser cruéis. São eles que devem se encaixar confortavelmente nos pés, e não o contrário.
Parece uma síndrome fetichista à la Cinderela, não parece? Nós temos que permanecer imóveis, decorativas, esperando que um sapato pré-fabricado se encaixe nos nossos pés. Só assim encontraremos nosso príncipe encantado! Mas fingiremos sorrindo que ele é que nos encontrou.
Faz muitos anos que não uso salto e nem tenho mais sapato alto. Mas sei que todas as vezes que usei salto alto em algum evento com pessoas conhecidas, sem exceção, fui elogiada por estar usando salto alto. Quer dizer, sempre pelas mulheres: “Que linda que você fica de salto!”, ou “Viu? Viu? Custa muito usar salto alto de vez em quando?”. E sempre me pareceu uma espécie de doutrinação. Elas estavam tentando me convencer, e convencer a si mesmas, que pra ser mulher é preciso sofrer com sapatos que não são humanos.
A segunda fala que me lembro na vida sobre sapatos foi quando eu era jovem e bela e estava com um vestido preto curto e um amigo me elogiou. Eu, um tanto deficitária em relação a receber elogios, reclamei: “Que linda o quê?! Meu sapato [que não era de salto] tá furado!”. E ele, olhando no fundo dos meus olhos, muito sedutor, respondeu: “Lola, nenhum homem vai olhar pro teu sapato”.




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